Jogo de xadrez

Fiorentina e Roma, a principal partida da 29a rodada do Italiano não foi somente um clássico do futebol italiano. Além de dois times muito bons, apesar de um 0 a 0 que não disse o que foi realmente o jogo, o torcedor pôde ver um duelo entre dois daqueles que são os melhores treinadores da ‘nova geração’ italiana, Cesare Prandelli e Luciano Spaletti. Taticamente falando, os dois times são, entre os clubes de maior vulto, aqueles que têm um desenho tático mais lúcido.

Na Roma de Spaletti, como não poderia deixar de ser, o time joga em função de Francesco Totti. Craque de grandeza maior, o capitão romanista – verdadeiramente um ‘world class player’ em seu clube – merece um esquema que tire o melhor dele. Tem dado certo.

Spaletti primeiro montou uma defesa de primeira, onde Panucci rege, da direita, uma linha com Chivu, Mexès e Tonetto todos ganhando convocações de suas seleções. Não só: De Rossi e Pizarro, ambos excelentes tecnicamente, não se furtam à marcação. Com isso, Spaletti garante a Totti – livre para se deslocar no ataque – o apoio de três jogadores com vocação para o gol, Taddei, Perrotta e Mancini.

Prandelli não tem um Totti, mas tem um Luca Toni, cuja marca de gols nos últimos três anos (66 tentos) é a melhor da Europa. Assim, a sólida retaguarda funciona mais ou menos da mesma forma (Ujfalusi, Gamberini, Dainelli e Pasqual), e os meio-campistas são igualmente hábeis (Donadel – ou Pazienza – Liverani e Montolivo). Só que no ataque, Mutu e Jorgensen, praticamente dois pontas, têm Toni como referência no meio da área, onde ele não tem medo de se bater com zagueiros grandalhões.

A partida de Florença não saiu do zero graças a um Frey absolutamente fantástico no gol da Fiorentina e a um gol legal anulado a Mancini (em jogada difícil de ser marcada). Contudo, enquanto os dois times tinham 11 homens (Dainelli foi expulso no fim do primeiro tempo), o duelo foi realmente gratificante.

O que dá a certeza que nem Spaletti nem Prandelli estão somente dando sorte é a seqüência de trabalhos de qualidade de ambos. Spaletti vem de um excelente período na Udinese (chegou à Liga dos Campeões) e já tinha tido ótimas campanhas no Empoli; Prandelli, em dois anos no Verona, subiu da Série B e acabou em nono lugar na divisão máxima, além de ter mantido o Parma na Série A mesmo com o terremoto Parmalat.

Ao contrário da maioria dos técnicos, os dois dificilmente saem fazendo resultados assim que chegam aos seus clubes (ambos foram questionados nas chegadas à Florença e Roma). Isso ocorre porque as mudanças geralmente são profundas, passando por elenco, preparação física e alterações táticas. No fim, a paciência demonstra-se um sinal de inteligência.

A Roma não será campeã italiana nesta temporada e a Fiorentina menos ainda. No ano que vem, e nos seguintes, contudo, os dois clubes têm tudo para dar trabalho em próximas campanhas, mesmo que correndo por fora. Dinheiro certamente pode ajudar bastante a fazer um bom time. Felizmente, não é o que necessariamente decide.

Novidades de Azul

O chamado de Roberto Donadoni para a seleção italiana tinha basicamente uma grande expectativa: a possibilidade de voltar a se ver Totti com a camisa ‘Azzurra’. Era uma chance pequena, porque notoriamente o retorno do romanista ainda deve ficar mais para a frente.

Assim, sem Totti, a surpresa fica por conta de Fabio Quagliarella, atacante sampdoriano que é uma das gratas revelações de um campeonato condicionado por toda a lama de maio. Outro nome inédito é o do externo defensivo Tonetto, cuja chamada já era aguardada há várias convocações e sempre escapava por um motivo ou outro.

Entre as ausências notadas, claramente vemos a de Alessandro Nesta, ainda se recuperando de contusão no Milan e a eterna saga de Cassano, um jogador tão técnico quanto pouco inteligente e que no Real Madrid só conseguiu o apelido de “gordo”.

O chamado de seis atacantes pode sugerir que Donadoni volte a optar por um trio de avantes, especialmente quando não tem Totti para agir como ‘trequartista’. Da Lazio vêm dois nomes que merecem especial atenção por causa de um campeonato em alto nível: Mauri e Rocchi. O primeiro se redescobriu jogando como armador e o segundo se colocou como alternativa real a Toni. Na coluna ‘Palonetto’, você vê todos os chamados por Donadoni.

Rebaixamento e Promoção

Tudo bem, você não vai se surpreender com o fato de que a Juventus conseguirá a promoção na Série B (especialmente depois de ter sua punição ter sido reduzida de 30 para nove pontos). Ainda assim, você poderia gastar um pouco do seu tempo dando atenção à Série B desta temporada que certamente se revela uma das melhores de todos os tempos e a melhor das últimas décadas.

Isso se deve pela presença de tantos times com títulos nacionais na competição. Cinco dos 22 clubes da ‘serie cadetta’ já foram campeões italianos (Juventus, Napoli, Bologna, Genoa e Verona). O público subiu, assim como o nível técnico e exceção feita à Juve, que todo mundo sabia que teria um time melhor, acirrou-se também a disputa pelo acesso.

Depois de uma tranqüila vitória sobre a Triestina, a Juventus consolidou sua posição na luta pelo título inédito da Série B e deixa a luta pelas outras vagas para, aparentemente, um grupo de cinco times: Napoli, Piacenza, Rimini, Bologna e Genoa.

Três desses cinco clubes (Napoli, Bologna e Genoa) foram campeões italianos no passado. Não coincidentemente, nessa reta final, são os que usualmente mostram que têm mais garrafas para vender, por causa de elencos e torcida maiores e hábito em gerenciar pressão. O Piacenza, dos cinco, é provavelmente o que teve a campanha mais regular e certamente é o mais habituado a lutar pela promoção entre os cinco (visto que troca de divisão com freqüência). O Rimini, o ‘estranho no ninho’, é a zebra.

Os jogadores com maior média de gols por jogo na Série B, coincidentemente, são da Juventus (Del Piero, Palladino e Trezeguet, contando-se somente aqueles que jogaram mais de cinco jogos). Na lista de dez, somente Bellucci, do Bologna e Cacia, do Piacenza estão entre os ‘candidatos’.

A briga é boa. O Napoli tem uma torcida fanática que empurra o time e o elenco ‘biancazzurro’ não é ruim; o Genoa é o clube com mais condições de voltar à Série A e se manter; o Piacenza tem o grupo mais equilibrado e o Bologna é o time com maior número de presenças na Série A nos últimos dez anos. Se o Rimini passar, a cidade pára.

Que Lazio!

Vindo de uma punição de 11 pontos (que diminuiu em oito deles) e de uma série de temporadas em estado pré-falimentar, não seria surpresa se víssemos a Lazio lutando ardentemente para não cair para a segunda divisão. Só que a nove rodadas do fim do torneio, não é exagero dizer que o time do técnico Delio Rossi é o mais em forma do campeonato – Internazionale à parte.

A última derrota da Lazio foi exatamente para a Inter, antes do Natal (20/12). De lá para cá, o time ‘biancazzurro’ venceu oito e empatou três vezes, sofrendo somente cinco gols (anotando 21) e tendo, no meio do caminho, perdido seu capitão, Oddo, que foi para o Milan.

A defesa da Laziop não sentiu a saída de Oddo. O suíço Behrami está se adaptando bem à nova posição. Do outro lado da defesa, Zauri está tendo uma temporada excelente e Siviglia é o nome fixo numa retaguarda que está entre as melhores do torneio. Isso tudo com um veterano no gol, Peruzzi, que entra ano, sai ano, segue com uma regularidade impressionante.

O trunfo do meio-campo ‘laziale’ é uma pegada que compensa a eventual falta de craques renomados. Mutarelli, Ledesma e Mudingayi têm sido verdadeiros leões para recuperar a bola e ainda passa-la bem à verdadeira descoberta de Delio Rossi, Mauri, que era um externo competente mas mostra-se um armador de primeira.

No ataque, a dupla Pandev-Rocchi é uma das melhores do torneio. Pandev, um meio-campista de origem, é o jogador que abre os espaços e recua quando necessário para permitir que Rocchi se infiltre entre os zagueiros. Rápido, o recém-convocado da ‘Azzurra’ está absolutamente à altura do que a Lazio precisa.

Delio Rossi tem muitos méritos nesta ‘nova’ Lazio. Soube lapidar um grupo, recompor jogadores e agüentar a pressão em um clube que deixou de ter status de ‘grande’ nos últimos anos, tudo isso com uma torcida que tem todos os problemas possíveis, de racismo à manifestações políticas de direita. Se o Milan quiser a vaga na Liga dos Campeões, precisa torcer para o Palermo continuar em queda livre. Parar a Lazio será bem mais difícil.

Esta é a convocação feita pelo técnico italiano Roberto Donadoni para pegar a Escócia no fim de semana:

Goleiros: Buffon (Juventus), Amelia (Livorno), Abbiati (Torino).

Defensores: Tonetto (Roma), Oddo (Milan), Zambrotta (Barcelona – ESP), Barzagli (Palermo), Materazzi (Inter), Cannavaro (Real Madrid – ESP), Bonera (Milan), Pasqual (Fiorentina).

Meio-campistas: Mauri (Lazio), Ambrosini (Milan), De Rossi (Roma), Gattuso (Milan), Pirlo (Milan), Semioli (Chievo), Perrotta (Roma), Camoranesi (Juventus).

Atacantes: Quagliarella (Sampdoria), Rocchi (Lazio), Toni (Fiorentina), Gilardino (Milan), Del Piero (Juventus), Di Natale (Udinese).

Seleção Trivela da 29a rodada:

Frey (Fiorentina); Zapata (Udinese), Mexès (Roma) e Mandelli (Chievo) ; Ambrosini (Milan), Sivok (Udinese), Rosina (Torino) e Pandev (Lazio); Totti (Roma); Adriano (Inter) e Quagliarella (Samp).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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