Itália vive o Mutu-Gate

Uma semana de derby milanês. Ninguém deveria falar de outra coisa, ainda mais em um ano que não tem a Juventus na primeira divisão. Contudo, mesmo que a vitória merecidíssima da Inter tenha tido o destaque que merece, muito mais barulho foi o que veio de Palermo. E não pelo brilho do jogo – que foi bom.

Aos 32min de jogo, Mutu dominou depois que o palermitano Guana sentiu uma fisgada e deixou a bola correr. O romeno ignorou a lesão do meio-campista rival – que era mais do que clara (Guana simplesmente despencou no campo mesmo tendo a bola sozinho) – avançou rumo ao gol, limpou dois zagueiros e fez um bonito gol.

Tudo estaria ótimo se não fosse a falta de ‘fair play’ que revoltou o Palermo – especialmente o técnico do time, Francesco Guidolin, que ficou ensandecido, foi expulso, mas antes de sair, xingou cara a cara até a terceira geração do treinador Fiorentino Cesare Prandelli.

“Prandelli é desleal”, disse Guidolin depois do jogo, adicionando que não se arrependia de nada do que tinha feito, a não ser de ter tomado satisfações em público. “Mutu é um ciganinho que deu uma de esperto”, completou o presidente do Palermo, Maurizio Zamparini, que disse que o time de Florença era composto por “chacais”. O site da Fiorentina publicou uma nota exigindo desculpas do Palermo e de seu técnico, que já se recusou a dá-las. E agora?

O lance dividiu o meio do futebol. Carlo Ancelotti, técnico milanista, disse que Mutu tinha mesmo errado em não parar a jogada. Já Roberto Mancini, comandante interista, criticou Guidolin e defendeu Mutu, dizendo que na Itália, “era comum que jogadores caíssem em campo como se estivessem mortos e dois segundos depois estivessem jogando normalmente”.

Um lance semelhante ocorreu na Inglaterra em 1999. Num jogo da Copa da Liga, o Arsenal ganhou um lateral depois que um atleta do Sheffield United tinha colocado a bola para fora para atendimento médico de um colega. Kanu pegou a bola e deu para Overmars fazer o gol, diante do time do Sheffield parado. O jogo, a pedido do próprio Arsenal, foi jogado novamente.

O que está em julgamento hoje não são só o gol e a atitude do atacante romeno, mas o comportamento dos próprios italianos em relação à desportividade. Verdade: Mutu sabia que estava pegando a bola pela lesão de Guana porque o lance foi claro demais. Por outro lado, também é verdade que no futebol italiano, jogadores caem no chão depois de uma falta como se tivessem sido atingidos por um cometa, esperando uma punição do árbitro ao adversário.

Como o jogo acabou empatado (o uruguaio Cavani igualou no segundo tempo com um gol sensacional), o impacto do ‘Mutu-Gate’ foi menos explosivo do que poderia ser. Mas não deve parar aí. Certamente as relações entre os dois clubes, os dois técnicos e – o mais preocupante – as duas torcidas, podem ter azedado para o futuro. E o ‘fair play’ na Itália certamente não vai ser revigorado depois do episódio.

Ooooooooooooh! Totti volta à ‘Azzurra’

Depois de quase um ano de dúvida, boataria, diz-que-me-diz, finalmente o meio-campista da Roma Francesco Totti anunciou a sua volta à seleção italiana, com a bênção do técnico Roberto Donadoni. O que muda? Nada.

O Totti romanista é um jogador fora-de-série. No Olímpico, especialmente, aquele que provavelmente encerrará a carreira como o maior jogador da Roma em todos os tempos é o maioral. Decide jogos a torto e a direito, faz golaços e com grande freqüência levanta a Roma quando ela já entregou os pontos. Contudo, o Totti da ‘Azzurra’ é uma sombra do romanista. Ele não chega a ser burocrático, mas certamente é só ‘normal’.

A favor do romano, pode-se dizer que não raro ele joga deslocado de sua posição com a camisa azul e que na Roma, o time claramente joga em função dele, otimizando o seu rendimento. Seria ele o que no jargão do futebol se conhece por “jogador de clube”?

Não é totalmente errado dizer que o Totti do clube não joga na seleção, mas também é um exagero desmerece-lo totalmente. O ponto é que a Itália de Donadoni ainda não encontrou um nome para conduzir a seleção e Totti talvez seja esse nome. Mesmo que não tenham o futebol visto em Roma, os italianos ainda estarão bem felizes.

E se alguém tinha dúvida…

Sem a Juventus na parada, o embate entre Inter e Milan neste campeonato ganhou uma importância extra. A bem da verdade, se trata do único clássico de “titãs” entre os clubes italianos depois do ‘Calciocaos’. E tal relevância ganhou um apelo renovado com a presença de um Ronaldo em malha ‘rossonera’.

Esta temporada é extraordinária por todas as razões do mundo – 100% delas proporcionadas pelo escândalo que abalou o futebol italiano a partir de maio passado. A Inter não é líder de um campeonato onde os clubes de maior vulto puderam colocar em campo sua força máxima. Ressalva feita, um fato é indiscutível: não há time italiano para se comparar com os ‘nerazzurri’ nesta temporada.

A supremacia interista deu a sua derradeira prova (como se ela fosse necessária) no último domingo. Nem tanto pelo jogo, que não foi em si um espetáculo, mas pela sua capacidade de reação. Saindo em desvantagem, com um gol de um Ronaldo vaiadíssimo, a Inter conseguiu virar a partida sem se entregar ao nervosismo.

O 2 a 1, para um Milan com uma defesa retalhada não foi um resultado desabonador. Dida é um bom goleiro, mas só quando tem uma defesa impenetrável à sua frente é que consegue números de fora de série. Sua falha no primeiro gol deu à Inter o oxigênio necessário para buscar a virada. Virada merecida, diga-se mais uma vez.

Este campeonato está encerrado. Não há rival que possa derrubar a líder. Nem mesmo, no futebol, “uma caixinha de surpresas”, existe margem para que uma liderança de 16 pontos tenha como ser revertida quando tal vantagem é de um grupo maior, melhor e mais embalado. Emoção neste ano? Só nas brigas por vagas européias e contra o rebaixamento.

– Fabio Capello e Antonio Cassano voltaram a se chocar no vestiário do Real Madrid.

– O barese berrou com Capello porque o técnico não fez a terceira substituição no clássico contra o Barcelona.

– Um inquérito na Itália está averiguando uma rede de extorsões que arrancava dinheiro de jogadores flagrados em situações comprometedoras.

– Inúmeros envolvidos, como Gilardino, Vieri, Trezeguet, Coco, Montella e Totti.

– Todos já teriam sido extorquidos em algum momento.

– E é a Itália que deve inaugurar o estádio de Wembley.

– Mas espere aí: não é a ‘Azzurra’ campeã do mundo, mas sim a seleção sub-21.

– Os 60 mil ingressos para o jogo entre Inglaterra e Itália se esgotaram em poucas horas de venda na Internet.

– Esta é a seleção Trivela da 28a rodada:

– Eleftheropulos (Ascoli); Pratali (Empoli), Coly (Parma) e Mexès (Roma); Parravicini (Parma), E. Filippini (Livorno), Totti (Roma) e Pandev (Lazio); Julio Cruz (Inter), Lucarelli (Livorno) e Cavani (Palermo).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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