Beatificação e exorcismo de um trio de craques

Você tem 19 anos. Ganhou seu primeiro título importante recentemente (antes, fez um sem-número de jogadas de efeito, mas nunca havia decidido nada relevante). Todo mundo diz que você vai superar o maior jogador de todos os tempos. Sua família vive às suas custas desde que você ainda era um pré-adolescente; seu empresário garante que não há diferença entre você e Messi. Daí, você vai para um torneio de seleções e do alto da sua experiência de 19 anos, não decide e o mundo, que até ontem o consagrava como um craque, o chama de firuleiro. Quem você é? Um menino de 19 anos que deveria ser protegido por alguém que se preocupasse.

Essa é a situação em que Neymar acordou depois do jogo risível, patético, sofrível de um brasil subdunguiano no qual ele mais uma vez misturou o peso da responsabilidade com a falta de bom senso próprias de um adolescente ultraassediado. E isso tende a continuar acontecendo exatamente da mesma maneira que aconteceu com Robinho, que não coincidentemente, também era um jogador empresariado por Wagner Ribeiro.

É ridiculamente óbvio que Neymar não é o culpado pelo futebol subsaariano do Brasil de Mano Menezes, um treinador cuja lista de títulos é equivalente à do treinador da seleção feminina, Kleiton Lima (o que diz bastante sobre o profissionalismo na CBF). O Brasil joga mal porque Mano Menezes não tem pontos de referência de personalidade (qualquer time que dependa da agressividade chucra de Lúcio como pêndulo autocontrole está perdido) nem técnicos, não tem um desenho tático adequado ao elenco, tem seus melhores jogadores cansados pela temporada europeia e tudo mais de errado que possa vir da CBF. Neymar pode ter mil defeitos, não é o craque que Wagner Ribeiro quer fazer o mundo crer que ele é e certamente não está na mesma galáxia de Messi nem no mesmo Universo de Pelé – mas certamente ele nem é um mero firuleiro nem tem a responsabilidade de carregar a Seleção nas costas.

Escrevi sobre isso há apenas alguns dias, mas o resultado diante do “forte” Paraguai deixou claro como Neymar está sendo jogado aos leões para alimentar a sanha de grana de um monte de gente. É bem possível que o Brasil vença seu próximo jogo, ganhe a Copa América e tudo seja esquecido, mas os desafios dele no Real Madrid ou no Barcelona certamente vão além disso. A família dele deveria estar cumprindo as responsabilidades de tutelá-lo, mas está preferindo dar ouvidos ao seu empresário, que é o responsável por ter feito de Robinho um jogador rico, mas também garantiu com que o atacante do Milan jamais venha a ser o jogador que poderia ser nem muitíssimo menos a reencarnação de Pelé que se espera um dia se materialize na rua Princesa Isabel, 77, Santos.

Não foi só Neymar que passou de divindade a nulidade em 90 minutos. Ganso, 26 jogos nos últimos 12 meses (sendo só 14 durante 90 minutos), foi classificado como “opaco”, “escondido”, “marcado” sendo que não consegue atuar em 10 jogos seguidos há mais de um ano e, além disso, joga numa posição que descarrega nele toda a obrigação de correr de uma intermediária a outra, uma vez que não conta com um mediano pensando o jogo à frente da defesa. Além dos dois, Marta, a versão branca de Pelé até sexta-feira, vestiu novamente o uniforme de incapaz, fazendo com que as piadas sobre a belíssima goleira americana se convertessem novamente no show de preconceitos que existe contra o futebol feminino.

Não há explicação abrangente o suficiente senão falar sobre o ufanismo esquizoide da imprensa, torcida, empresários e cartolagem. O ioiô das opiniões serve somente para vender jornal e é uma das razões pelas quais a indústria da mídia está se dissociando da indústria da informação e virando entretenimento puro. As fontes sérias de informação são cada vez mais fragmentadas e especializadas, distantes do mass media e as grandes publicações estão cada vez mais apelando para personagens engraçados, comentaristas iletrados e literalmente mentirosos, endeusamento e crucificação de meninos e táticas afins. É extremamente irritante saber que, com uma vitória do Brasil sobre uma somália futebolística qualquer, um drible de Neymar sobre uma placa de “proibido estacionar” o transformará novamente num gênio. A gente deveria se acostumar com essas coisas – afinal, sabe que elas vão acontecer. Por alguma razão, eu não consigo. Azar meu.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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