O “diferenciado” São Paulo e o discurso vazio

Uma série de vitórias sempre leva a uma decadência. O tricampeonato sãopaulino conquistado em 2008 elevou a arrogância da diretoria do clube a uma altitude não calculada por matemáticos, fez uma vasta lista de inimigos e deu espaço às figuras mais medíocres dentro da política do clube. Desde então, Juvenal Juvêncio fez o que pôde para se manter no poder, e agora certamente vai desfrutar de sua obra. O caminho golpista que a aristocracia morumbiana escolheu levou a diretoria a ser refém de um vórtice de incompetência e privilégios que corroem a competitividade do clube. Agora é a hora de diretoria e torcida pagarem por isso – e não importa quem tenha mais ou menos culpa.

A resposta dada pelo mentor jurídico da reeleição de Juvenal, Carlos Miguel Aidar, é um sintoma de como a manutenção do poder no clube tornou-se mais importante do que o próprio clubes para a situação. A oposição tricolor está corrompida pelas migalhas doadas do presidente como estacionamento, credenciais, ingressos e “preferência” na presença dos filhos de conselheiros nas equipes de base e esporte amador (pelo menos, segundo o que contou um conselheiro da oposição ao UOL). Não coincidentemente, Juvenal governa com o apoio de um sem número de conselheiros de capacidade intelectual baixíssima, como o ex-presidente Bastos Neto, seguramente o presidente mais risível da história do clube.

É bem verdade que Juvenal pode argumentar que o provável  candidato da situação à sua sucessão era de uma incapacidade bíblica. Leco, eminência parda dos bastidores do clube, foi o principal responsável por minar Muricy junto aos jogadores e tem um conhecimento primitivo de futebol. Não há nenhum projeto de sucesso que se tenha notícia durante a onipotência nacional do São Paulo que carregue a marca de Leco. Juvenal provavelmente sabia que passar a coroa para um personagem tão visivelmente incapaz seria nefasto, mas tinha de tê-lo feito., nem que fosse só pelo apreço ao regime semidemocrático que vigia no clube. Mas ele – seja por cautela, seja por interesse – não fez isso.

O atual momento do São Paulo é muito parecido com o vácuo de poder deixado pela saída de Telê Santana. Conselheiros octogenários lutando por ter voz no comando do futebol, alegando acompanharem o Tricolor desde que Friedenreich era menino, arrastando filhos e netos aos vestiários e áreas VIPs numa demonstração de poder convivem com uma gestão risível das divisões de base (onde ninguém sabe quem manda), contratações espetacularmente tolas e a sensação de que nada está sendo feito com o longo prazo em mira eram características do Pós-Telê. Para cada Bastos Neto, Leco e associados de hoje, havia um Manuel Poço, um José Dias e um Márcio Aranha. Em campo, um time de jogadores sobrevalorizados, jovens perdidos e facções.

Uma dessas facções, aliás, surge da figura de Rogério Ceni, mito tricolor indiscutível, mas cuja decadência técnica incontestável dada a proximidade dos 40 anos começa a se tornar um problema. Ceni é a maior figura do clube depois de Telê, mas hoje, sufoca o aparecimento de novos líderes, porque mais raro do que achar um jogador com a técnica de Neymar, é achar um com a personalidade de um Raí. E se dentro do grupo há uma figura tão poderosa, não há como nem mesmo o próprio goleiro se dar conta de quando exagera.

Ceni é um problema menor diante dos demais. Pior do que o papel desempenhado pelo goleiro, cuja história no clube realmente intimida, são as outras eminências pardas, como os já citados conselheiros e profissionais como Milton Cruz, cuja eterna permanência na mesma função deixa-o sob suspeita. Mais uma vez, Cruz assume como treinador. Por ele passam os veredictos sobre contratações e mesmo os assuntos ligados à política interna no elenco. Dessas eminências pardas, emana o “poder cavocado” aquele conquistado não por feitos, competência ou histórico, mas sim pela ocupação de pequenos vácuos de poder. São elas – não só no SPFC, mas em qualquer clube – que enterram a performance, porque buscam vantagens pessoais e não melhoria do time. E hoje, no São Paulo, a modernidade é somente um retrato esmaecido na parede.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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