Contratos, obrigações e rêmoras

Indústrias que têm uma capacidade de faturamento excessivamente grande tendem a atrair profissionais e indústrias relacionadas que buscam uma parte desse faturamento. Em alguns casos, esses “agregados” embutem valor no produto final e a indústria central tem o seu produto com mais valor. Como exemplo, pense nos desenvolvedores de tecnologia que agrupam outros criadores de software ao seu redor. Na maioria dos casos, as rêmoras vêm só pelo dinheiro (um case concreto é a inflação dos custos da indústria cinematográfica por conta dos custos crescentes de honorários de advogados e seguradoras), agregando zero ao produto original (no caso do cinema, os filmes não melhoram absolutamente – só ficam mais caros). É exatamente isso que acontece no futebol.  Outro exemplo? Jogadores pedindo aumento com contrato vigente.

Não tenho como dizer que Kleber, atacante do Palmeiras (que apesar de ter 27 anos tem uma lista de conquistas paupérrima) pediu aumento ao clube. O que eu posso dizer é que, sim, os agentes chantageiam clubes para obter aumentos e que a história contada por um dirigente palmeirense é absolutamente crível – a de que o empresário dele teria exigido o aumento ou ele não jogaria mais. O modus operandi  dos agentes é esse.

O parágrafo inicial deste post foi exatamente para descrever a pertinência da atuação dos agentes no futebol. O agente, em tese, serviria para otimizar os ganhos dos atletas em relação aos clubes. Qualquer empreendedor faz isso quando nota que seu produto está subvalorizado. Contudo, em nenhum outro setor, contratos são desrespeitados como no futebol. Pode haver cláusula, pode haver multa, pode haver mais cem anos de vínculo e o jogador se sente no direito de exigir mais dinheiro (e na maioria das vezes, negar isso publicamente). O agente, no caso, serve como um chantagista profissional. O que leva a categoria a ser o grande tumor do esporte profissional é a ausência de riscos para ele. O agente não perde nada em nenhum negócio nem corre riscos. Uma vez convencido o jogador a ser seu “assessorado”, quem corre riscos são clube e atleta. Alguém sempre sairá ganhando – o agente –  e clube, espetáculo, mídia, torcida e jogo não melhoram absolutamente nada por isso. O caso de Kléber é notório porque ele está num clube que repercute, mas a quantidade de jogadores que forçam saídas dizendo que estão infelizes é absurda. Alguém se lembra da “depressão” de Adriano? E das “infelicidades” de Robinho, Romário, Edmundo e afins?

O jogador de futebol vive num universo à parte e é levado a crer que as regras nãos e encaixam a ele. Se um jogador esbofeteia o outro no campo, não vai preso; se chantageia seu chefe para ganhar mais, nada acontece; se ganha uma competição importante, acha que pode ter vantagens; se tem um contrato assinado, acha que pode ignorá-lo caso isso seja vantajoso. A máxima imbecil que Patricia Amorim, presidente do Flamengo (uma decepção em termos éticos) usou para dizer que “se jogador não quiser ficar, não fica” só se sustenta porque esse é um país  – ainda – onde a lei só vale para quem tem dinheiro.  Se o Palmeiras tem a seu favor um contrato que obrigue Kleber a ficar, deve fazer uso dele. A cartolagem palmeirense não merece nenhum tipo de crédito, mas também é certo que visivelmente, jogador e empresário estão fazendo algum tipo de exigência.  Para o futebol chegar à imoralidade sodomita, teria de melhorar muito.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top