Quem se preocupa com o futuro de Neymar?

Neymar não é um craque – pelo menos não ainda. Moleque (em todas as acepções da palavra), milionário e com uma fama de dar inveja  à maioria de seus colegas (mesmo os mais ricos), o santista transformou-se numa espécie de ação quente da Bolsa de Futuros: o valor já é alto mas pode crescer muito – tanto, que custa mais do que craques já consagrados. E é essa expectativa que adiciona a todo o entorno – clube, transferência, carreira, desenvolvimento de potencial – um novo peso: o da expectativa. Muita gente está preocupada com a transação do jogador, mas não sei alguém está preocupado com o que é melhor para seu futuro.

Qualquer consultor que estivesse minimamente preocupado com a carreira e o desenvolvimento de Neymar, diria o seguinte: o passo mais seguro agora, para a sua carreira, seria a sua contratação por um clube grande da Europa (Real Madrid, Milan, Arsenal, etc) e seu empréstimo de um ano para um campeonato de menor dificuldade (como o Francês, o Holandês ou o Português – sempre num time bom). O menino já sentiria a pressão de ser o jogador mais caro do mundo, de mudar de país, de jogar num futebol diferente, de sofrer com o clima, mas tudo numa escala “intermediária”. Com um ano de Europa nas costas (eventualmente até menos), ele (que, não tenho dúvidas, iria muito bem em seu novo time, se fosse um clube estruturado) chegaria com uma credencial além da de ter custado caro ou de ter brilhado num campeonato não-europeu (e, creiam-me, na Europa, campeonatos fora do continente significam quase a mesma coisa de um torneio amador).

Ao contrário disso, o que está se desenhando é uma briga entre Real Madrid e Barcelona (o primeiro, “apoiado” pelo empresário Wagner Ribeiro e o segundo, pelos laços incestuosos entre Nike, CBF e o próprio clube, na persona de Sandro Rosell). Seja como for, Neymar vai desembarcar na Europa (senão já, em janeiro, o que é mais provável) para disputar vaga com os melhores jogadores do mundo e com o “peso” de ser mais caro que eles – ou quase. Tudo isso, com 19 anos.

Parece óbvio que ninguém está minimamente preocupado com o que vai acontecer com o jogador e com o indivíduo Neymar. Todo mundo só quer a sua comissão em dinheiro. Até o “estafe” do atleta (que é uma coisa meio intangível, assim como o “mercado” ou o “eleitorado”) não pensa em nenhuma medida de cautela para que Neymar não corra riscos à toa. Quando muito, lê-se na mídia que o “estafe” não vê com bons olhos uma negociação com o…Anzhi. Revelador.

Um indício disso é que em nenhum momento seu “estafe” ou empresário procuraram clubes que têm uma tradição em tutelar jogadores talentosos ainda em desenvolvimento – Arsenal , Manchester United, Milan, Bayern de Munique. A razão é simples: estes clubes não vão pagar o que o Barça de Rosell ou o Real de Florentino Pérez se dispõem a pagar (sem entrar na seara de clubes bancados por mafiosos internacionais com fundos de origens obscuras). Os clubes acima são entidades esportivas (e o Barça também o era na gestão Laporta). Barça e o Real, por outro lado,  não estão comprando um jogador – estão disputando, publicamente, quem é mais bem dotado financeiramente, numa disputa comum a meninos de 12 anos ou a homens imaturos.  Se depois Neymar vai se dar bem ou mal, o problema não é deles. O que interessa é a exposição mediática. Há dúvidas? Basta olhar as duas últimas campanhas de contratação de ambos os clubes para ver quanto se torrou nas contratações de Kaká e Ibrahimovic, quando os dois claramente não estavam entre as maiores necessidades dos dois clubes.

Neymar está fadado a ir para um grande clube e é justo que ele vá, tal o seu potencial (não, ainda não concordo que se justifique pagar €50 milhões num único jogador, com 19 anos, que ainda é instável). O ponto é que como não há ninguém zelando pelo que é melhor para ele (nem sempre é interessante que o primeiro contrato seja o melhor em termos financeiros), ele segue correndo riscos desnecessários.

Há atenuantes disponíveis. Se for para Madrid e mantiver sua língua contida, Neymar pode ter um grande tutor em José Mourinho que vai exigir em disciplina o que pode oferecer em bagagem tática. O problema madrileno é que o grupo do Real Madrid é, sabidamente, egocêntrico e não consigo ver Cristiano Ronaldo ávido para ajudar um moleque que chega para tirar dele o posto de astro do clube. Em Barcelona, Neymar teria um ambiente muito menos hostil, mas indiscutivelmente chegaria para ser apenas mais um – e num grupo que valoriza esse tipo de postura. Com seus sete técnicos demitidos em dois anos, o santista não sugere que tenha aprendido – ainda – a virtude de jogo de equipe. Respeitando a cultura dos dois grupos (ou seja, sem se meter a besta com ninguém poderoso), Neymar tem condição técnica de ser titular nos dois times, uma vez que tenha tempo para amadurecer.

A bem da verdade, sei que este é somente um texto de divagação filosófica. A situação agrupa personagens sem o menor caráter, somas de dinheiro obscenas e interesses que vão muitíssimo além do futuro de um menino de 19 anos – ainda que um superstar do futebol. Nada que não seja dinheiro vai definir o que vai acontecer com Neymar (e dinheiro esse que não necessariamente irá para ele). Com um monte de Pachecos comparando-o a Messi, um monte de puxassacos interessados em uma vida fácil e um sem-número de intermediários pressionando por uma comissão, aparentemente Neymar pode contar somente com a ajuda divina para não por os pés pelas mãos. Ou vice-versa…

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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