Às vezes, declarações aparentemente corriqueiras podem ter um significado mais relevante do que parecem. Nesta sexta, questionado sobre a confirmação de Mark van Bommel no Milan em detrimento de Andrea Pirlo, o oráculo barcelonista, Johan Cruyff, afirmou. “Fiquei muito feliz por ele [van Bommel], mas sua permanência é um sinal da pobreza dof utebol italiano”. Não há como discordar.
Vamos por partes: não acho que a política de renovação de contratos do Milan esteja errada em si. Pirlo é o melhor mediano de sua geração, mas para um clube que se esforça em se adequar à regra de fair play financeiro, dar a um jogador de 32 anos, que na última temporada atuou cerca de 20 vezes, mais três anos de contrato pagando cerca de R$10 milhões é mesmo um risco.
Isto posto, só o fato de o Milan não lutar mais para manter seu geômetra é um sintoma da ideologia vigente na Itália. Manter Pirlo obrigaria o Milan a perder força física no meio-campo, que teria de ser compensada com a adoção de mais jogadores vigorosos – e não menos técnicos – as outras posições. O Milan da década passada foi assim: Gattuso, Seedorf, Kaká, se esfalfavam para deixar Pirlo em segurança. E é o que a Juventus terá de fazer para voltar a ser competitiva. A diferença é que a Juve tem de investir pesado queira ou não, enquanto o Milan acabou de sair de um incômodo jejum.
A interpretação tática de Max Allegri compreende a presença de um cabeça-de-área cascudo diante da zaga, aquele jogador que não tem medo de sentar uma botinada para manter a ordem se necessário for. Mark van Bommel será provavelmente o faxineiro encarregado da tarefa. Allegri disse a Pirlo que o veria bem como meio-campista central caindo pela esquerda, assim como foi nesta temporada. O Milan disse que renovaria seu contrato por dois anos e por cerca de R$2 milhões anuais a menos. Pirlo entendeu que é o melhor do mundo quando joga à frente da zaga e não como mezz’ala, pegou o boné e vazou para o Piemonte.
O desfecho da situação pode sugerir a um desatento que se trate só de uma questão financeira e pessoal, mas ela é intimamente estrutural. Os clubes italianos não tem – e pelo menos não terão por um bom tempo – saúde financeira e política para se dar ao luxo de montar times em função do brilho de maestros como Zidane, Totti, Kaká, Rui Costa e afins. Não há na Itália uma estrutura financeira e organizacional que dê espaço para a montagem de times que dêem espetáculo mas não vençam. Com estádios públicos velhos (a média de idade dos campos é de quase 70 anos), receitas com crescimento sonolento, endividamento crescente (só de serviços da dívida, os clubes italianos gastaram quase R$1 bilhão na temporada passada), dependência de receita de TV e divisões de base falimentares, o calcio precisa mais de times esforçados como a Inter de Mourinho do que do “futebol champanhe” do Milan de Ancelotti que perdeu a final da LC em 2005.
É aí que a anális de Cruyff se encaixa com azeite na realidade. Preterir Pirlo por van Bommel não é nem um sintoma de decrepitude gerencial (que, na verdade, rege o futebol italiano), mas sim, de uma necessidade causada por anos de má gestão somados à hecatombe da implosão de Calciopoli. É o retrato de um sistema em colapso que se desespera para não eclodir.
Essa eclosão não deve acontecer a ponto dos titãs italianos submergirem para um limbo coadjuvante porque seus patronos são ricos demais para isso. Contudo, sem uma correção de curso digna do nome, a Itália tende a continuar seu declive rumo a uma estabilização técnica que equipare a Série A à Ligue 1 francesa. Quartas-de-finais e no máximo semifinais de Liga dos Campeões já serão motivo de intensa comemoração, enquanto na Europa League, Twentes, Evertons e Atleticos de Madrid tenderão a ganhar as róseas manchetes da Gazzetta Dello Sport nodia seguinte às eliminações europeias de Lazios e Genoas. Vejo na Juventus, construindo seu estádio, apostando em dirigentes profissionais e se preparando para atingir um break-even, uma leve possibilidade de exceção, mas essa não é uma circunstância que mudará somente com um solista – é preciso da força da orquestra.
Claro que reverter o quadro é possível, mas por hora, é mais provável que continuemos a ver van Bommel forçar Pirlo a trocar de clube do que o contrário. A gestão do futebol italiano pertence a aristocratas ainda ricos, mas decadentes e sem visão, como Aurelio De Laurentiis, Enrico Preziosi, Massimo Moratti e o patrono-mor do mecenato de benefícios, Silvio Berlusconi. Por mais que eles digam que apreciam o futebol entusiasmante de Messi e Agüero, levaram o sistema a precisar dos dogmáticos Mourinhos e Allegris.
Gilson, acho que a saída do Pirlo é, numa licença poética, a aceitação do Milan de que precisa de menos arte e mais comida. Pirlo é um jogador espetacular, mas o Milan não pode se dar esse luxo hoje. Claro, além da questão do salário. abs
Raphael, os times da Bota estão sofrendo justamente porque estão tentando se adequar. Na Inglaterra, alguns clubes sofrerão mais. abs
Ligue 1
nenhuma liga européia revela tantos bons jogadores, um punhado que esta na EPL surgiu ali na França.
Acredito que a saída de Pirlo ocorreu apenas e tão somente em função da necessidade de um jogador a mais – o ideal seriam dois – para conferir maior dinamismo ao jogo da equipe. Difícil pedir isso quando você tem Pirlo e Seedorf no elenco do meio-campo.
Simples assim. Mas posso estar enganado.
Ou talvez não tenha entendido corretamente o texto, que dá algumas voltas.
Leitura interessante. Lembrando que o ‘Milan champanhe’ que perdeu a CL em 2005 abdicou de um atacante em nome de um Ambrosini a mais para vencer o Liverpool em 2007. Agora…tem rusga ali entre Barça e Van Bommel não? Hhahaha…parece coisa de ex-mulher e ex-marido. Van Bommel pode ser mais importante para o Milan na função de pedreiro. No grupo blaugrena de 2005/2006 ele era apenas um coadjuvante.
Abs
Perfeita análise.
Sobre a questão financeira envolvendo o Pirlo, era muita grana para um jogador que pouco vem jogando e que não se encaixaria no esquema atual da equipe. Fico curioso para ver como será a Juventus da próxima temporada, como Pirlo será encaixado na equipe, e a dimensão da reformulação do clube.
Hoje a Série A caminha para ser ultrapassada pela Ligue 1, sendo que o já foi com sobras pela Bundesliga.
Eu quero ver quando esse fair-play financeiro chegar pra valer, como os times da Bota vão se virar, vai ter muito time buscando manobras para driblar as regras, ou o futebol italiano irá viver uma situação de desespero extremo.