Em jogo, a esperança

Hoje é o dia mais esperado do futebol no ano. Sim, pode ser que não dê um grande jogo, mas é neste sábado que se concretiza a final que o imaginário do torcedor de futebol do mundo trabalhou secretamente ao longo da temporada. Quando Messi e Rooney se olharem em campo neste sábado, o compromisso de ambos será maior do que a obrigação de vencer um título. Barcelona e Manchester estão comprometidos com a história. Uma final de Liga dos Campeões é sempre importante, mas essa é mais. Isso se dá pelo fato de que os dois times que chegaram à última partida são inatacáveis. Quem gosta de futebol vistoso, está exultando; quem gosta de tática, está exultando; quem gosta de jogadas de efeito, idem, assim como quem quer ver determinação, jogo coletivo e o raríssimo momento que é o encontro do talento com a aplicação e colaboração. Espera-se do jogo de Wembley a mais pura essência do futebol, como em raríssimas partidas pudemos ver na história.

Quase todos torcemos pelo Barcelona. Nada contra o Manchester – um timaço sobre qualquer ponto de vista. Mas é que o Barcelona – este Barcelona – é a mágico. É um time cheio de craques. Iniesta, Xavi e Messi são muito mais jogadores do que Robinho jamais vai ser, por exemplo. Mesmo assim, todos os três entram em campo com a humildade de um iniciante, enquanto o brasileiro visivelmente pensa o jogo todo em como vai comemorar seu gol para a tela da TV. E nada é capaz de parar um craque a serviço de um grande time. É como os holandeses do Milan de Arrigo Sacchi, a Seleção de 70, com quatro camisas 10, o Ajax de Rinus Michels. Os dribles ficam mais bonitos, porque têm propósito, os gols mais dramáticos, porque envolvem o esforço de mais indivíduos, as divididas mais sofridas, de tão cheias de foco. Esse Barcelona é a síntese do que qualquer um quer ver num time de futebol: talento, aplicação, inteligência. É uma ode ao que o ser humano pode fazer de melhor.

O Manchester United hoje faz o papel de vilão, porque precisa bater o mítico herói catalão. Mas embaixo de sua roupa preta de Lee van Cleef, o United é outro colosso. Um time que vive para sua tradição ofensiva, sem jamais deixar de se defender bem. Um time onde os craques se colocam à disposição os carregadores de piano. A garra britânica de Rooney e Giggs é o que a ilha tem de melhor. Os ingleses só não são heróis absolutos porque desafiam um sonho do qual ninguém quer acordar.

No campo, pode dar qualquer coisa. Tostão foi felicíssimo ao dizer que hoje se decidirá o campeão europeu, porque o melhor time é o Barcelona. Por mais que Hernandez e Rooney façam uma dupla sensacional, o repertório barcelonista é inigualável. Saídas de bolas por todos os lados do campo, pressão em cima do portador de bola adversário, meias que viram atacantes e vice-versa. A herança de Rinus Michels e o futebol total não poderia estar melhor encarnada. Para vencer, o United terá de fazer as mesmas trincheiras que Churchill fez há mais de meio século e não errar. Isso, claro, se Messi não estiver naqueles dias. Porque se for esse o caso, um abraço.

Messi, Guardiola e o Barcelona têm a simpatia massacrante porque não querem só vencer – como o vulgar Real Madrid de Mourinho, por exemplo. Os catalães lutam para manter seus princípios. O fabuloso da história é que um sucesso barcelonista terá a assinatura de quem gosta de ver a justiça triunfando. Gostaria muito de assistir um jogaço com muitos gols e com um fim de partida onde o Barça derrubasse o United sem margem para questionamentos. Nada de pênaltis, impedimentos, cartões ou xingamentos. Esse é um jogo nobre demais para isso. Hoje, ainda mais importante do que uma vitória deste time épico do Barça, é que se marque a supremacia do fair play, porque com Blatters, Ricardos Teixeiras, Andres Sanches e outros verdadeiros vilões, precisamos de um pouco de espaço para manter viva a esperança. Alea Jacta Est.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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