Um dia à milanesa

No apagar das luzes do último dia de jogos do Campeonato Italiano, não houve cidade mais feliz do que Milão. A metade ‘rossonera’ bombou o estádio Giuseppe Meazza, no bairro San Siro. Também, pudera. Além de poder ir ao campo já com a faixa de campeão no peito, o ‘tifoso’ milanista ainda veria a provável última aparição oficial do craque Roberto Baggio, que tem aposentadoria anunciada.

A 335 km dalí, na pequena cidade de Empoli, a Inter tinha uma missão aparentemente fácil. Aparentemente. Precisava bater o time da casa para garantir uma vaga na Liga dos Campeões, e evitar que Parma ou Lazio a ameaçassem. Foi duro, com sofrimento até o último momento, um pênalti não dado para o Empoli, mas deu Inter.

Claro que o “Baggio Day” em Milão foi muito mais vistoso. Oitenta mil pessoas aplaudiram de pé o “Codino” quando este deixou o campo, e todos fizeram questão de cumprimentá-lo. O Brescia perdeu por 4 a 2, mas o placar era irrelevante. A partida soservia para o Milan melhorar o recorde de pontos num único campeonato (agora são 82), dar mais um gol a Shevchenko para garantir-lhe o título de artilheiro do torneio e fazer jogar alguns reservas.

A festa de Empoli foi menor em tamanho, mas não em intensidade. O técnico interista, Alberto Zaccheroni, vibrou como uma criança, quando Adriano empatou o jogo, Recoba virou e, novamente Adriano, deu números finais ao marcador ‘nerazzurro’. ‘Zac’ deu uma choradinha na rampa quando viu Rocchi fazer o segundo do Empoli, mas o 3 a 2 servia, e garantia seu emprego, pelo menos, até a próxima crise, já na temporada que vem.

Muito se fala (e sempre se falou) da hegemonia do eixo Milão-Turim por conta de árbitros safardanas, mas a verdade é que, claro, os erros aconteceram, mas ninguém, em sã consciência, há de dizer que determinaram posições no torneio. Nem o pênalti não dado ao Empoli, nem nenhum outro.

A chiadeira contra os árbitros na Itália é muito mais decorrência de uma crise institucional, onde a arbitragem já não têm a confiança nem da Velhinha de Taubaté, do que qualquer outra coisa. Milão festejou neste domingo, e teve motivos para isso. O ciclo de alta do futebol romano, iniciado com o título da Lazio, em 2000, parece estar encerrado.

Inter ruim, mas com garra

Ainda não foi contra o Empoli que a torcida interista viu seu time jogar de forma envolvente e precisa. Mas pelo menos, já demonstrou alguma vontade, e isso conta bastante, especialmente para um time que ganhou dois ‘scudetti’ nos últimos 30 anos.

Sem Vieri, suspenso, Zaccheroni teve de apostar todas as suas fichas em Adriano. O brasileiro correspondeu, e mostrou que é uma das poucas apostas acertadas do time de Via Durini nos últimos anos. Adriano fez dois gols e abriu a defesa do Empoli à força, com um empuxo que, nem mesmo o nosso “Fenômeno” Ronaldo tem.

Zaccheroni mandou a campo um time todo desnaturado, com quatro na defesa, com Córdoba lateral-direito, Javier Zanetti na esquerda, e Kily Gonzalez e Martins atrás de Adriano no ataque. Naturalmente, a Inter só conseguia alguma coisa em movimentações individuais. Não à toa, os três gols saíram de jogadas assim, com Adriano cabeceando uma bola espirrada, Recoba cobrando falta e Adriano, novamente, arrastando a defesa toscana para dentro do gol, como se fosse um trator.

Impossível não voltar à comparação com Hector Cúper, técnico demitido na sexta rodada. Nos dois últimos anos, a Inter tinha esquema tático, posições bem definidas, terminou, respectivamente na terceira e segunda colocações, enquanto esta Inter não tem nenhuma dessas qualidades. A Inter de Cúper só não tinha respeito pelo treinador. Mas isso, parece que essa também não tem, em que pese a vitória em Empoli.

Não vou e ponto final

Toda a Itália ainda nutria uma saudável esperança de poder contar com um trio defensivo Cannavaro-Nesta-Maldini na Euro 2004, certamente uma tríade sem igual. Maldini se aposentou da camisa “azzurra” em 2002, mas sabe como é. A esperança é a última que morre.

Pois agora morreu. Logo depois da vitória sobre o Brescia, Paolo Maldini divulgou uma nota onde reafirmava sua aposentadoria, dizia já tê-la revelada ao técnico Trapattoni, e disse que era irreversível. A Itália sentiu uma pontada. Afinal, é o capitão da seleção durante dez anos, recordista de partidas com a camisa azul, sete ‘scudetti’ e quatro Copas dos Campeões que estava ficando de fora.

‘Trap’ queria um homem am mais no meio-campo. Confirmou isso numa entrevista, onde disse que estava cogitando levar somente quatro enão cinco atacantes, para ter mais opções de criação. Sem a defesa a três, terá obrigatoriamente de escalar um defensor a mais na direita (Panucci ou Bonera), Zambrotta como coringa de meio-campo e ataque, mais Totti atrás dos dois atacantes. Isto é, caso não tenha uma câibra no cérebro e resolva montar o 4-4-2 tradicional que enterrou a Itália em 2002.

Sem Maldini, Os defensores ganham mais uma vaga, mas ninguém está numa fase de dar gosto. Bonera teve um estupendo primeiro turno, mas depois de uma contusão, está vacilante; Panucci é irregular; Negro também não tem chamado a atenção, e Thuram, Cafú e Stam, os três melhores laterais da Série A, não são italianos.

Correndo por fora pela raia sete

Era uma vez um centroavante que jogava no Parma. Ele jogava pouco e se sentia um patinho feio, porque o titular brasileiro era incontestável. Seu concorrente só lhe deu uma chance quando se machucou e depois foi vendido para a Inter. Neste hiato, nosso protagonista explodiu, e deu às caras, provando que pode sim ser titular de qualquer equipe italiana.

A tentativa fracassada de fábula acima é para falar de Alberto Gilardino. ‘Gila’ começou reservíssima, mas terminou o campeonato aclamado como o atacante mais em forma do futebol italiano. Seus quatro gols diante da Udinese foram um show de eficiência. Gilardino marcou gols de reflexo, de cabeça, na velocidade e com grande técnica. Os quatro tentos do Tardini pareceram uma video-aula para atacantes. Não é certo que ele vire um Pelé, mas no momento, está naquelas fases em que encosta na bola e marca.

Gilardino era um dos últimos nas preferências, superado por Vieri, Del Piero, Inzaghi, Corradi, Miccoli, Cassano e sabe Deus quem mais. Hoje, numa enquete do site Gazzetta.it, só é superado por Totti e Vieri, dois “mammasantissima” do escrete ‘azzurro’, e que só não estarão em Portugal se estiverem em coma profundo.

A história de Gilardino com o Parma também parece próxima do fim. Gilardino, 22 anos recém-completados, é observado com ânsia pelor maiores times europeus; o Parma também tem uma ânsia, mas por dinheiro, na sua gigantesca luta contra o rombo-Parmalat. Quem colocar € 15 milhões na mesa, à vista, leva. Alguém deve levar, mas poucos têm uma carteira tão opulenta.

Um rebaixamento que doeu demais

Para o Ancona, o rebaixamento foi indolor. O clube já estava ciente de seu descenso na primeira rodada, quando foi enxaguado pelo Milan. Tanto é, que a descontração das últimas rodadas do time anconetano acabou sugando pontos preciosos para muita gente que ainda lutava seriamente.

Contudo, Modena e Empoli sentiram o rebaixamento como uma navalha na carne. Os dois times chegaram a dar sinais empolgantes durante a temporada (especialmente o Empoli, que partiu de um início à la Ancona para quase se safar). Mas não deu. E quem vai para a repescagem com um time da Série B (a ser definido em um mês, quando acaba o torneio – hoje seria o Piacenza), é o Perugia, da família Gaucci, certamente os dirigentes mais nocivos da Série A.

O Modena surpreendeu ao permanecer duas temporadas na mesma divisão. Tem um time com quase nenhum destaque (Dioumansy Kamara deve ser o único nome que pode render algum dinheiro ao clube, numa possível venda), começou a temporada com um treinador que vem de jornadas negativas (Alberto Malesani), e encontrou uma das disputas mais acirradas dos últimos anos.

O Empoli também pecou na escolha de Daniele Baldini para começar a temporada como treinador. Ex-jogador, só confirmou a máxima de que técnicos e jogadores não são necessariamente, frutos da mesma árvore. Demitido Baldini, Attilio Perotti levou algum tempo para engatar, mas deu uma cara ao clube, que tem um elenco regular e complicou a vida de muita gente.

O traqueteiro Perugia sai histérico de felicidade do episódio, porque também parecia mortinho da silva (como esta coluna tinha, erradamente, apostado). Ressurgiu exatamente quando deixou de lado a palhaçada (contratação de Ghedaffinho, de jogadores femininas e vendas de bons atletas), para botar ordem na casa. O veterano Ravanelli foi decisivo na luta do Perugia. Vejamos como o time umbro se sai nos playoffs.

Curtas

Shevchenko termina o campeonato pela segunda vez como artilheiro

Em sua primeira disputa na Itália, Sheva anotou 24 vezes e se sagrou ‘topscorer’, com o Milan chegando em 4o lugar

Desta vez, anotou outros 24, e já chegou á marca de 91 tentos na máxima Série italiana

Os 23 gols que Gilardino fez nesta temporada garantiram-lhe o recorde de gols feitos na Série A por um jogador do Parma

O recorde anterior era de Hernán Crespo, com 22

Lippi encerrou sua carreira na Juve com o número redondo de 200 vitórias

Esta é a seleção Trivela da derradeira jornada da Série A desta temporada

Hedman (Ancona); Cesar (Lazio), Coly (Perugia), Maldini (Milan) e Cafu (Milan); Kaká (Milan), Gattuso (Milan) e Stankovic (Inter); Adriano (Inter), Gilardino (Parma e Miccoli (Juventus)

Na semana que vem, juntamente com o balanço do torneio, você conhecerá a seleção TRIVELA do torneio desta temporada

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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