Incontestável!

A liga é a mais dura da Europa, disso não há dúvida. Juventus e Roma fizeram campanhas excelentes, em termos de pontuação. E mesmo assim, ninguém conseguiu impedir um Milan estelar (tranquilamente mais do que o Real Madrid) de esmigalhar recordes, defesas e expectativas, como as dos (muitos) que davam a briga pelo título emntre Juventus e Roma.

Carlo Ancelotti merece receber os aplausos pelo título, junto com sua legião de craques. O “Milan-Champagne” da Liga dos Campeões do ano passado, era criticado pelo excesso de floreios (que, curiosamente, é elogiado no Real Madrid). Mas esta temporada mostrou um Milan cínico, objetivo, e cerebral, além da capacidade de encantar, já herdada do ano passado.

No torneio como um todo, o saldo é positivo. O futebol italiano teve uma de suas temporadas mais duras, em todas as zonas da tabela. Lutas por vagas européias e contra o rebaixamento, foram decididas no último suspiro. Quer dizer, se é que foram decididas, porque graças ao escândalo das apostas (grande mácula da temporada), alguns presidentes juram vingança no “tapetão”.

Também vale o destaque para as aposentadorias anunciadas de Roberto Baggio e Beppe Signori, dois grandíssimos do futebol italiano, ambos entre os maiores goleadores do pós-guerra. O futebol fica mais triste sem eles. Mas até que se inicie a próxima temporada, a esperança deles mudarem de idéia permanece viva.

Equilíbrio com toques de gênio

A chave para o 17o ‘scudetto’ milanista foi, sem dúvida, o equilíbrio. Nenhum outro time da Europa tem mais solidez que o Milan que acabou esta temporada. Não fosse pelo trágico tropeção em La Coruña, o Milan estaria na final da LC. O elenco ficou eufórico ao ver, um dia antes do desastre, as saídas de Real Madrid e Arsenal do torneio, e relaxou. Quando ainda não podia.

A defesa do time explica muita coisa. Dida pode ser um goleiro inseguro com o Brasil, mas atrás de uma zaga Nesta-Maldini, é um gigante. O começo da temporada levantou algumas dúvidas sobre a capacidade de Cafú voltar a jogar na defesa, depois absolutamente dissolvidas. E o veterano Pancaro não ficou nada a dever a Kaladze, que ficou quase toda a temporada machucado.

Com uma defesa dessas, o Milan tinha espaço para enriquecer o meio-campo. O refinado Pirlo era o primeiro homem no meio-campo, diante da zaga. Era ali que começaca o Milan cerebral. Pirlo, que tem um passe impecável, visão de jogo e classe, dava qualidade aà manobra ofensiva do time sem que houvesse flacidez na marcação, não só pela melhor da próprio Pirlo na marcação, como pela participação espetacular de Gattuso, um leão na recuperação de bolas.

Os críticos reclamam que Gattuso não consegue dar um passo de cinco metros. Os críticos não assistem aos jogos do Milan. “Rino” melhorou muito nesta temporada, e não à toa, jogava mais pela direita, onde um certo Cafú descia com frequencia ao ataque.

Oresto da escalação foi sempre variando. Rui Costa, Seedorf, Kaká, Tomassone Shevchenko (e, com um pouco menos de espaço, Ambrosini), davam a Ancelotti um leque gigante de opções. Três meias de ligação e um atacante; dois meias e dois atacante, ou as vezes, até mesmo o brasileiro Serginho como ponta. Toda esta variação acontecia porque, lá na defesa, tudo estava sempre seguro.

Muitos craques mais Kaká

Não dá para dizer qual é o melhor jogador do Milan. Os candidatos são muitos. Pirlo, com sua capacidade impressionante de armação; Rui Costa com seus passes filtrantes; o artilheiro Shevchenko; os gigantes Nesta e Maldini. Mas dá para dizer que, quem fez a diferença neste ano foi o brasileiro Kaká.

Quando Kaká estreou pelo Milan, contra o Ancona, o equilíbrio entre os times candidatos ao título era enorme. Podia-se passar uma régua entre eles e não se veria a diferença. Kaká (que teve seu nome ironizado pelo diretor da Juve, Luciano Moggi, ao chegar), rompeu o equilíbrio.

Durante quase todo o campeonato, Kaká foi titular, e Ancelotti não estava somente impressionado por seus dotes técnicos. É que o meia-atacante fazia com que o Milan tivesse um jogador que cobria dois espaços no campo: o de meio-campista e o de atacante. Sem a bola, Kaká defendia; com a bola, virava avante. E ninguém (exceto Mauro Silva, no desastre da Liga dos Campeões), soube como pará-lo.

Kaká já se garantiu como ídolo de primeira grandeza no Milan. Bateu o martelo no derby contra a Inter, quando levou uma intimada do argentino Kily Gonzalez, e respondeu com um empurrão. Tomou um cartão amarelo, mas a torcida milanista teve certeza: ali estava “uno di noi” (ou “um de nós”, como San Siro grita aos seus escolhidos).

Agora a meta é tudo num ano só

O novo desafio de Ancelotti é o de fazer uma dobradinha ‘scudetto’-Liga dos Campeões, e quem sabe, uma “tríplice coroa”, com uma Copa Itália extra. As chances? Pequenas. O Italiano é duro demais para poder oferecer resistêcia, sem descuidar da LC. Mas o Milan quer tentar.

Com a contratação de Jaap Stam, a defesa milanista passa a ser, de longe, a melhor do mundo. Stam é excepcional marcador e tem uma noção de posicionamento impecável. Se a linha defensiva for composta por Cafu, Stam, Nesta e Maldini, as chances do sonho milanista ganham corpo.

Ainda se espera mais um golpe de mercado do Milan neste verão europeu. Fala-se em um nome para o ataque, provavelmente um centroavante de presença de área, opção à velocidade de Sheva e Inzaghi, que deve ser o “plus” do início de temporada do Milan, já que não disputará o Europeu e terá tempo para se preparar bem.

O armador Vikash Dhorasoo já foi contratado, junto ao Lyon. Dhorasoo chega como reserva, mas tem qualidade suficiente para causar ainda mais disputa no riquíssimo meio-campo do time

Com o Coliseu nas costas

Não deu para a Roma desta vez, e quem analisasse o time no começo do ano, antes de que se começasse o torneio, já poderia ter idéia disso. Os nomes do elenco eram quase contados; o ala Candela passou praticamente toda a temporada machucado, assim como Montella, e Zebina tinha ido mal na temporada anterior.

Só que a Roma tinha Francesco Totti. E Totti jogou como nunca. O armador romano e romanista foi um trator para a Roma. Bateu seu recorde de gols numa só temporada (20), fez Cassano jogar sua melhor temporada na Série A (e não arrumar encrenca), lançou, assistiu, comandou. Tanto que, para variar, diz-se que o Real Madrid estaria interessado nele.

Se o meia jogasse na Inter ou na Juve, a Roma teria dificuldade até para conseguir uma vaga na Copa UEFA. Mas a 10 ‘giallorossa’ foi assombrosa para torcedores e adversários. Totti tem a virtude de Kaká: se tranforma de meia em atacante automaticamente. E com a vantagem de que tem muito mais experiência.

Seu destino está ligado à condição financeira da Roma. Se o clube contratar para reforçar o elenco, ele fica. Senão, nem todo seu amor pelo clube vai fazer com que ele fique no Olímpico, alijado de conquistas mais importantes. Totti é um símbolo romanista, mas quer virar um astro europeu de troféu na mão.

Tiros e bombas. Mas o Parma resistiu

Quando explodiu a bomba atômica na Parmalat, todos pensaram: “O Parma é a nova Fiorentina. Ou pior”. Havia bons motivos para isso. O débito astronômico da empresa, o outro débito (também bem grande), do clube com a empresa, a insegurança dos jogadores, tudo sugeria uma dêbacle.

Para piorar, o Parma vendeu, à força, alguns de seus principais jogadores, como Adriano, Júnior e Nakata. Aí entrou a mão de um técnico capaz não só taticamente, mas também excepcional motivador e lapidador de jovens promessas. Cesare Prandelli foi quem segurou a barra em campo.

Prandelli conseguiu manter um grupo unido, não fazer contratações (a não ser como “brinde”, quando vendia um de seus astros). Dessa maneira, quasae levou o Parma a uma inacreditável vaga na Liga dos Campeões. Ficou com a vaga UEFA com muito mérito, e um time apinhado de promessas.

Morfeo, Bonera, Ferrari. Paolo Cannavaro, Marchionni, Bresciano. Todos esses estão sendo cobiçados por quase toda a Itália. E além desses, Alberto Gilardino, vice-artilheiro do campeonato com 23 gols, e a revelação da temporada. Gilardino deu conta do recado, quando da saída de Adriano, para a Inter. E o fez com folgas. Se o Parma se salvar financeiramente (e tudo indica que, apesar do cinto apertado, as coisas vão se encaixar), esse grupo merece boa parte do mérito.

Fracasso Juve: “só” um terceiro lugar

Alguns clubes sofrem com o próprio gigantismo. É exatamente o caso da Juventus. Depois de comemorar o bicampeonato italiano na temporada passada, mas amargar a perda da Liga dos Campeões nos pênaltis, a Juve estava determinada a ganhar tudo o que fosse possível.

Tanto é assim que, depois da campanha de reforços, onde foram apresentados nomes como Appiah, Legrottaglie e Maresca (que estava emprestado), Marcello Lippi chegou a anunciar: “Esta é a Juve mais forte que eu jamais treinei”.

Lippi não estava tão errado, mas foi vítima de alguns problemas, como algumas contusões (Del Piero, sobremaneira), o envelhecimento de sua defesa, a cessão de Davids (fundamental para a espinha do time) e a perda de brilho de Nedved, que no ano de 2003 fez chover, mas de janeiro para cá, demonstrou visível fadiga.

Curtas

A média de gols do italiano deste ano subiu de 2,57 para 2,66 por partida

Nas outras grandes ligas européias, a Inglaterra obteve os mesmos 2,66, a Espanha ficou com 2,65, e a Alemanha, com 2,96

Pela ducentésima milésima quarta vez, constata-se que nas quatro grandes ligas, não há uma que tenha muito mais gols

E, curiosamente, a espanhola foi a de menos número, embora a diferença seja desprezível

Esta coluna vai se abster de falar de boatos de mercado, ou o internauta enlouqueceria

Entre as mudanças relevantes até agora, estão a passagem de Walter Samuel, da Roma para o Real Madrid, Johnathan Zebina, da Roma para a Juventus, e de Jaap Stam, da Lazio para o Milan

Mas esta lista vai crescer muito ao final do Europeu

Esta é a seleção Trivela da temporada 2003-2004 do Campeonato Italiano

Frey (Parma), Stam (Lazio, Nesta (Milan), Samuel (Roma) e Maldini (Milan); Gattuso (Milan), Pirlo (Milan), Kaká (Milan); Totti (Roma), Baggio (Brescia) e Shevchenko Milan).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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