Sorteando a própria imagem

A “festa” de sorteio das seleções para a Copa de 2014 não precisa de uma quantidade maior de comentários em relação à sua performance enquanto “evento”. A atenção do mundo aos resultados teria tido o mesmo efeito caso tivesse sido feita numa saleta da antiga sede da CBF na Rua da Alfândega, no Rio. A diferença é que a Rede Globo lucrou R$30 milhões pagos pelo contribuinte. Além disso, foi possível ver, em alguns casos, com grande desapontamento, a quantidade de personagens que apoiaram a pantomima da CBF no assalto vergonhoso aos cofres públicos.

Alguém pode argumentar comigo que, num caso como o de Cafu, ex-capitão da Seleção e jogador com a  maior quantidade de partidas pelo Brasil, não seria possível recusar participar. Eu digo que, não só seria possível, como se Cafu tivesse recusado participar e afirmado que não compartilha dos mesmos princípios da CBF, estaria prestando um grande serviço à nação, porque atrairia grande atenção da mídia. Mas Cafu não fez isso. Naturalmente preferiu continuar subserviente à CBF, na esperança de conseguir um empreguinho do tipo auxiliar técnico da Seleção sub-12. Em relação a meninos como Neymar e Lucas já é mais difícil exigir algo. Eles sabem que hoje a CBF detém um poder grande demais para ser desafiada. Mas Cafu – e Zico, para citar mais um – têm mais importância para o futebol brasileiro do que seus comportamentos subservientes fazem crer. Não têm noção da grandeza de suas histórias e preferem circular em torno do poder do que comprar brigas incômodas.

De Ronaldo, Bebeto e Zagallo, acho difícil que alguém esperasse algo diferente, além da servidão incondicional no incestuoso jogo de poder imposto por Ricardo Teixeira. Ronaldo deu, anos atrás, uma entrevista dizendo que não queria ser amigo de Teixeira, mas hoje, atraído pelas possibilidades de negócios, tornou-se um grande (e esférico) cabo eleitoral da CBF – e que se dane o mal que ele causa ao Brasil. De Zagallos, Bebetos e outros cortesãos não se pode esperar nada além de que sigam suas próprias naturezas. Muito menos das autoridades presentes ao evento, como Orlando Silva, Sergio Cabral e afins, cujo envolvimento com o establishment do futebol brasileiro é atávico e natural. Para não dizer que há exceções, dentre todas as decepções, consegui ter algum alívio no evidente desconforto da presidente Dilma Roussef, que me deu uma parca esperança de ter alguém poderoso disponível para dar um basta à sanha de Ricardo Teixeira.

Todos os envolvidos no evento de ontem – incluindo os jornalistas das empresas ligadas à Rede Globo – tiveram um papel claro e incontestável no suporte à CBF bem como ao modus operandi da entidade na gestão do evento e do futebol de um modo geral. Em algum momento, no futuro, esses personagens irão tentar dissociar suas imagens da CBF, porque mais cedo ou mais tarde, os acintes e indecências que Teixeira vem impondo ao Brasil irão vir à tona e gerar conseqüências. Aqueles que não decidirem se colocar publicamente contra o Império CBF/Teixeira (como fez Milton Leite em seu blog), serão – justamente – lembrados como partidários da infâmia teixeiriana. A todos vocês – incluindo jornalistas e “jornalistas” que endossam a CBF, cantoras que aceitam participar da campanha para obter um faturamento extra, cuidado e congêneres, cuidado. Pode até demorar, mas uma hora a casa – de todo mundo – vai cair.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top