Santos certo ou Santos errado?

A diretoria chegou tirando um oligarca do poder, com suas heranças luxemburguísticas, paternalistas e mal-explicadas. Todo mundo saudou a ascensão da “nova” diretoria santista, especialmente com uma safra da divisão de base que parecia empolgante. Hoje, um ano depois, a sensação explícita entre torcedores e jornalistas, é positiva, mas alguma coisa não desce, não se encaixa. Tirando uma inquestionável e brilhante conquista – a da reforma do estatuto que deve democratizar o poder na Vila – a gestão santista me parece uma série infinda de erros. Alguns feitos e alguns por vir.

Começando do começo: o Santos se posicionou sistematicamente a favor da CBF. Isso, por si só, já invalidaria qualquer possibilidade de uma avaliação positiva da gestão. Contudo, política e decência raramente andam de mãos dadas. No cenário do poder político do futebol brasileiro, onde o crime e a legalidade dançam de rosto colado, o alinhamento com a ditadura sangrenta da CBF poderia fazer sentido, se visto com os frios olhos da realpolitik. Aos olhos da história, contudo, o alinhamento aos ditadores não se apaga nem se justifica, ainda mais quando oferecidos em troca de esmolas como as que o Santos recebeu.

No fronte negocial, o Santos também faz sombrancelhas levantarem. A ida de Robinho à Vila por alguns meses em 2010 teve a chancela de figuras ligadas a Kia Joorabchian, uma espécie de vilão de final de fase do mundo do futebol. A proximidade pode até ser compreendida no âmbito da amoralidade do poder, mas, mais uma vez, não tem nenhuma identidade possível com um discurso de modernidade e transparência.

A proximidade com o mundo das trevas do agenciamento futebolístico levou o jogador comercialmente mais promissor do time a se aproximar de um dos agentes mais poderosos e inescrupulosos do mundo, Pini Zahavi e à renovação de um contrato que sempre me pareceu desvantajoso para todos menos os intermediários. Neymar devia ter ido para o exterior para amadurecer, o clube faturaria e não correria riscos desnecessários. O Santos não teve, em campo, nenhuma conquista que não teria acontecido sem que ele estivesse jogando até aqui e sua cabeça notoriamente não está focada no clube. Hoje o Santos tem um jogador impagável que compreensivelmente sente o peso da responsabilidade e não produz o que pode quando precisa. Ao mesmo tempo, fascinado com uma exposição absurda para o que já fez no futebol, colaborou em muito na derrubada da maioria dos sete técnicos que já teve como profissional.

Falando em técnicos, não bastasse o erro de ter forçado a saída de Dorival Júnior no ano passado quando o time visivelmente evoluía (embora estivesse longe do Santos de Pelé que a maioria dos siderados diziam ver), o Peixe fez a mesma bobagem com Adilson Batista e no cerne das demissões estava a mesma coisa – a necessidade do espaço vital para alguns jogadores dentro do time (notadamente mais para a estrela ascendente de Neymar) Compreensivelmente,  ele hoje se sente o dono das cartas na Vila Belmiro, a ponto de destoar do resto do grupo pedindo a chegada de Muricy Ramalho.

Muricy faz parte da lista de erros do Santos, mesmo antes de uma possível chegada. No ano retrasado, o Palmeiras aguardou por várias semanas para podr contratar Muricy e seduzi-lo a aceitar um clube rival daquele com quem ele tem maior identificação, embora fosse um erro anunciado (dada a situação do clube, elenco, pressão, etc). Hoje, depois de demitir Adilson porque ele “não tinha o DNA ofensivo do Santos”, a diretoria do clube refaz o trajeto equivocado do Palmeiras de aguardar Muricy e tentar seduzi-lo a aceitar um quadro espinhoso. E não é preciso dizer que, até quem, como eu, acha Muricy o melhor técnico do Brasil, não tem como argumentar que ele pregue um futebol vistoso e com tração anterior, o que o imaginário do discurso da diretoria prega como o ideal para o Santos.

Retornando ao início, a única real conquista de uma diretoria que chegou tremulando as bandeiras da transparência foi mesmo a alteração do estatuto do clube, que paradoxalmente diminui o poder dos conselheiros no que diz respeito à perpetuação do poder e aumenta o poder dos mesmos no que diz respeito à fiscalização do gerenciamento do clube. O estatuto foi feito por um dos melhores escritórios de advocacia de São Paulo e coloca o Santos numa vantagem inequívoca a médio e longo prazo em relação aos clubes mais conservadores, que são uma minoria, e a maioria esmagadora jurássica (como Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Fluminense, etc), onde o futebol é gerenciado por meia dúzia de caciques, que são na verdade os capitães do mato desses clubes. Assim que o futebol brasileiro se livrar de Ricardo Teixeira e do entulho autoritário que ele deixa como sua única herança ao futebol, o Santos terá vantagem para gerir um clube mais saudável. E aí, uma última contradição: é exatamente Teixeira e seu entulho que o clube da Vila fortalecem em troca de troféus de papelão.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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