O inferno não é tão ruim

Se você gosta de futebol brasileiro, prepare-se. A CBF está orquestrando um golpe que dará a ela o comando completo do esporte profissional. Todas as evoluções dos últimos anos – campeonato por pontos corridos, estatuto do torcedor, melhoria das contas dos clubes, etc – estão para ir por água abaixo. O líder do levante conservador é o presidente do Corinthians, capacho da CBF em troca de favores políticos e financeiros. Falidos, acompanham-no os clubes do Rio de Janeiro e o Coritiba, que não faz parte dos protagonistas do futebol nacional há pelo menos duas décadas. Por mais que o C13 seja fraco, viciado e mal gerenciado, está contra a CBF. Só por isso, já dá para decidir qual o lado certo a se apoiar. Como disse Winston Churchill, “se Hitler invadir o inferno, cogitarei uma aliança com o Diabo”.

Peço ao leitor que se esqueça de elogios que possam ter sido feitos por mim à direção de algum dos “rebeldes” do Rio. Patricia Amorim revelou-se, além de ter compreensão escassa sobre futebol, possuir também uma orientação política digna das lideranças do PFL (o atual DEM). Depois de ter levado o Flamengo à construção de um time medíocre em 2010, aceitou suborno na forma de um Ronaldinho Gaúcho em seu elenco em troca de migalhas. Nem mesmo se ela estivesse defendendo seu clube por amor ao mesmo, isso seria aceitável. Sua aliança com o “Império” vai tragar o Rubro-Negro mais cedo ou mais tarde, assim como ocorreu na época das gestões de Kleber Leite e afins.

No que toca à minha profissão, o que mais me incomoda é a anuência de parte da imprensa como isso se tratasse de um processo político normal. Trata-se de um golpe. Ricardo Teixeira sabe que o governo federal ou de qualquer outra instância não tem coragem suficiente para enfrentá-lo às portas de uma Copa do Mundo – ou seja, que não se espere uma atitude de um ministro da estirpe de Orlando Silva. Hoje, um jornal de São Paulo, na cobertura do racha do C13, não mencionou nenhuma vez que o Corinthians estava atendendo interesses da CBF ou nem mesmo que era aliado de Ricardo Teixeira. É o medo de enfrentar a antipatia de uma torcida grande – um medo que não é permitido a quem quer fazer jornalismo minimamente decente.

O Flamengo está de quatro – inexplicavelmente, porque com sua força, a CBF não teria como enfrentá-lo. O Corinthians, rifado em sua política interna, está de quatro para atender os interesses de Andres Sanches. Os outros clubes cariocas idem, porque estão de pires na mão há tempos (o Fluminense também – só não demonstra porque tem um ‘sugar daddy’ que cobre o rombo gigantesco do clube). Palmeiras e Cruzeiro tendem a seguir este caminho por desespero financeiro no primeiro caso e por afinidades políticas no segundo. E assim, em 2012, podemos ter um campeonato em mata-mata, com queda vertiginosa de público, regulamentos toscos e todas as variantes do futebol do fim dos anos 80.

Não há espaço para uma leitura mais fria do processo do que a descrita acima. Também não trata-se de uma defesa do C13, nem do São Paulo (que com o episódio da briga por um troféu inútil, exemplificou como a burrice pode levar pessoas e entidades a prejuízos inestimáveis) nem de nenhum outro adversário da CBF. A oposição à entidade é um voto útil compulsório. Vota-se no lado menos nefasto, menos perigoso, menos retrógrado, menos carregado da cultura corrupta e indecente que nos últimos anos, está em busca de retomar o espaço que tinha perdido. Para quem não é idiota ou corrupto, não há lado para escolher. O Inferno é a melhor opção, por menos lógico que isso possa parecer.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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