Ressurreição

Sim, esta coluna não deixa de ser uma espécie de “erramos”. Semanas atrás, no início de dezembro, o clube de Bergamo encontrava-se numa situação desesperadora. Quatorze rodadas já tinham se passado e a torcida do ‘Atleti Azzurri D’Italia’ ainda não tinha visto seu time vencer. Sim, esta coluna cravou que a Atalanta já estava praticamente rebaixada.

Na verdade, justificativas sejam dadas, havia motivos para crer em tanto. A diferença entre o clube lombardo e o primeiro fora da zona de rebaixamento era de seis pontos. A diretoria resolveu demitir o técnico Andrea Mandorlini e contratar Delio Rossi. A situação era tão crítica que o contrato de Rossi foi feito a valores extremamente baixos, mas caso ele conseguisse salvar o time, o valor se multiplicaria. “Evitar o rebaixamento vai valer a Rossi seu peso em ouro; se ele conseguir, ele certamente merece”, escreveu a Gazzetta Dello Sport sobre o assunto, à época.

E é possível que Delio Rossi consiga mesmo o sonho de receber seu peso em ouro. A Atalanta aplicou um 3 a 0 no também ameaçado Chievo (exatamente o primeiro time fora da zona de rebaixamento na tabela) que comprovou a reação atalantina, nascida basicamente do trabalho de Delio Rossi e do apaziguamento da situação política dentro do clube, que gerava muitos protestos da torcida bergamasca, condiderada uma das mais violentas da Itália. Afastado o presidente Ruggeri, a pressão baixou e Rossi pôde trabalhar com mais calma.

No campo, Rossi alterou completamente a Atalanta. O 4-4-2 de Mandorlini pregava um futebol baseado em passes, marcação por zona, apoios dos laterais e outros atributos bastante técnicos. Rossi mudou tudo porque achava que o elenco da Atalanta não era tecnicamente o suficiente para impor o jogo aos adversários da Série A. Grosso modo, achava que seu time tinha de deixar de ter vergonha de jogar como time pequeno quando fosse necessário.

Do 4-4-2, passou para um 3-5-1-1, alterando a marcação entre homem e zona, jogando com um defensor sempre na sobra, dois alas fortes fisicamente para suportar o trabalho de marcação e apoio e somente o nigeriano Makinwa (melhor amigo do interista Obafemi Martins). Makinwa, que chegou à Itália pensando em se tornar engenheiro, está se revelando a sensação do segundo turno. Fortíssimo fisicamente (1m86 e 78 kg), o nigeriano foi um dos poucos jogadores a conseguir mandar em tilt a dupla Nesta-Maldini.

Com o nigeriano agindo como um prego no centro da defesa adversária, Rossi ganhou espaço para seu meio-campo pressionar; sem a bola, a Atalanta se encolhe toda e consegue o contra-ataque graças à velocidade do nigeriano. Além de Makinwa, Rossi também firmou na equipe titular vários produtos da divisão de base bergamasca, como os defensores Motta e Capelli, os meio-campistas Bernardini e Montolivo e o meia-atacante Lazzari.

A Atalanta está salva? Não, longe disso. A luta contra o rebaixamento na Itália é a mais dura da Europa, de longe. Brescia, Siena, Chievo, Fiorentina e Parma ainda estão todos no rebolo, mas além da Atalanta, também Brescia, Fiorentina e Parma demonstraram novos recursos depois das últimas rodadas. Mas nem que seja só pelo que mostrou até aqui, a Atalanta já mostrou uma capacidade de reação incomum. E isso, na Itália, é algo para se levar em conta.

Fascismo rompante na Curva Norte

Quem vai ao estádio Olímpico e se coloca diante da tribuna Monte Mario (e olhando para a Tribuna Tevere) tem, à sua direita, a Curva Nord, o reduto da torcida da Lazio. Passados os anos de vacas gordíssimas da gestão dos Cragnotti, um fantasma volta a assombrar. O fantasma do fascismo.

Provavelmente você já ouviu falar que a torcida da Lazio é racista e tal. Não é mentira. Boa parte das torcidas organizadas da Lazio é composta por facções da extrema-direita. O ponto é que também na torcida romanista, grupos de marginais externam sua raiva nas arquibancadas quando deveriam estar se organizando de uma forma onde dessem a face e não se escondessem na multidão.

A derrocada do ‘status’ de clube ‘grande’ da Lazio nos últimos anos provocou um movimento comum, que é o afastamento do torcedor comum do campo, e deixando as arquibancadas para as organizadas. O que acontece a seguir é uma radicalização das torcidas, que têm comando, diretrizes e desejos bem claros – e não têm nada a ver com a bola rolando.

Neste final de semana, na vitória sobre o Livorno, as organizadas da Curva Nord voltaram a dar espetáculos deprimentes. Não bastassem os gritos fascistas e vaias racistas, faixas da torcida exibiam suásticas e dizeres políticos. È bem verdade que o fato do adversário ser o Livorno – cuja torcida é historicamente de esquerda – empolgou os radicais ‘biancocelesti’ a empunharem suas armas. A explicação não justifica de forma alguma e o time da capital pode perder mandos de jogo por causa dos excessos.

Vale lembrar que o atacante da Lazio, Paolo Di Canio, no derby contra a Roma, jogou lenha na fogueira ao fazer a saudação fascista para a Curva Nord depois da vitória sobre a Roma. Não há como negar que o gesto do capitão do time incentivou alguns radicais menos corajosos a darem as suas caras.

“A manifestação dos direitistas da Curva me entrsitece como torcedor da Lazio”, declarou o jornalista Sandro Curzi, do diário de esquerdista ‘Liberazione’. “Se trata de gente derrotada historicamente, inclusive recentemente”, ironizou Curzi, em relação à maciça derrota da direita italiana nas últimas eleições regionais italianas.

A crescente presença política nos estádios europeus é um reflexo profundamente complexo da situação econômica do continente e do resto do planeta. Avaliar como “lamentável” é muito simplista, porque o buraco é muito mais embaixo. Na verdade, independente das cores que o leitor carregue ou não, o fato é que o estádio não deveria ser um local para se fazer política, e a cada vez que isso acontece, a natureza do esporte se perde um pouco. Tomara que a punição seja cada vez mais severa.

Milan agressivo para o derby de volta

Antes dos 2 a 0 do jogo de ida pela Liga dos Campeões, Milan e Inter tinham adotado posturas bastante diversas em relação ao jogo. Enquanto o Milan adotou a linha macia, falando em equilíbrio, respeito ao adversário e afins, a Inter falava somente em vitória, vingança e troco.

Para o segundo jogo, o Milan parece ter ido à arena. O mito milanista Paolo Maldini se colocou à disposição do técnico Ancelotti para o jogo (estava em dúvida por dores no joelho) e provocou: “Este Milan parece ter sempre algo a mais que a Inter. Estamos mais do que prontos para o jogo”.

Na boca de Maldini, as palavras têm um peso diferente, porque o capitão é sempre comedido. O que causou a alteração de ânimo foi, provavelmente, a sensação milanista de que vários titulares poderiam ficar de fora (além de Maldini, Nesta e Gattuso – este confirmado, por causa de uma suspensão), e também a manutenção do discurso interista. Maldini saiu em defesa de suas cores, também para evitar o aumento da euforia ‘nerazzurra’ com o retorno de Adriano.

A aposta da Inter para o jogo de volta deve ser no uso de um atacante com três meias ofensivos: van der Meyde, Verón e Stankovic. A idéia é tirar do Milan a referência de marcação dos dois atacantes, que sempre falharam contra o gol de Dida nas últimas partidas. O risco é falta de hábito do sistema e a condição física do sérvio Stankovic, que sofre com uma hérnia.

A contra-ofensiva milanista deve ser conservadora, como Ancelotti gosta: Nesta contra Adriano, Stam em Verón e os alas travados no meio-campo por Cafu e Maldini, mais Ambrosini (provável substituto de Gattuso) no primeiro combate. Palpite? Em derby, é 50/50, quase sempre. Mas para a vaga, a Inter precisa de um milagre. O Milan não sofre dois gols sem marcar nenhum desde o desastre de La Coruña no ano passado, quando o Milan perdeu a vaga na semifinal da LC. Exatamente o jogo que está na cabeça dos dois milaneses: do lado ‘nerazzurro, o exemplo a ser seguido; do ‘rossonero’, a lição a não se esquecer.

– Já é certo que Bruno Conti volta às divisões de base da Roma no próximo mês de julho.

– O clube sonda os nomes que podem assumir o pesado fardo deixado por Fabio Capello.

– Os mais cotados são os de Serse Cosmi (Genoa), Zdenek Zeman (Lecce) e Carlo Mazzone (Bologna).

– O primeiro já disse “não, obrigado”.

– Prefere ficar num Genoa que deve subir e que terá dinheiro para um projeto de crescer à longo prazo.

– Zeman soa como a escolha mais provável, no que depende do clube, mas é um profissional odiado por meia Itália, e a Roma não sabe se pode lidar com isso.

– Na semana em que a Atalanta deu sua primeira prova de força de vontade de não cair, a seleção Trivela se pintou de ‘nerazzurro bergamasco’.

– Curci (Roma); Wome (Brescia), Motta (Atalanta), Bellini (Atalanta) e Chiellini (Fiorentina); Dabo (Lazio), Pizarro (Udinese), Rui Costa (Milan) e Morfeo (Parma); Ibrahimovic (Juventus) e Makinwa (Atalanta).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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