Besta e bestial

Até duas semanas atrás, Roberto Mancini era uma espécie de “Ronaldo dos treinadores”. Era o homem que buscava o espetáculo. “O Zeman dos ricos”. Todos na Itália estavam empolgados com as vitórias da Inter e mais ainda com o jogo fluido que parecia se desenhar para o resto da temporada. “Se está assim agora, imagine depois”, pensavam os jornalistas, especialmente aqueles cujo coração bomba sangue ‘nerazzurro’.

Veio o empate com o Milan, sem gols. “Mas o Milan é o maior rival, e tem uma defesa sólida”. No meio de semana, um empate com o Lecce de Zeman. “Mas o Lecce tem o melhor ataque do campeonato”. No sábado, um empate com a Lazio. “Mas a Lazio é a asa negra da Inter, que não a vence desde 1996”. Não, esta última não serviu como desculpa. E como acontece todos os anos, o céu de Appiano Gentile começa a ameaçar cair na cabeça de Mancini. O mesmo que até outro dia era um “gênio tático”. Após o empate com a Lazio, Mancini bateu boca com o árbitro Trefoloni, dando a entender que o juizão tinha roubado. Conversa.

Vamos pianinho para todo mundo pegar a idéia. Sim, é verdade. O início de Mancini na Inter levantava boas perspectivas, só que a Inter de Cúper começou da mesma maneira. Cúper porém, pagava o preço de não ser italiano, não pregar o “jogo bonito” e de ter “mandado Ronaldo embora”.

Além da antipatia xenofóbica que Cuper despertava na crônica italiana, Mancini é um sonho interista há cerca de 15 anos. Ainda como jogador, o clube milanês cortejou o agora técnico em várias oportunidades. E neste verão europeu, finalmente conseguiu pesca-lo, para azar de Alberto Zaccheroni.

O que todos insistiam em não ver quando elogiavam a Inter a 3 x 4 é que nunca, na Era Mancini, a defesa funcionou. Se havia abundância no meio campo, onde o time podia até se dar ao luxo de deixar Davids mofando no banco, a defesa é o eterno calcanhar de Aquiles. E não é de hoje.

Mas onde foi que eu errei?

Ué, mas não foi a Inter que deixou Cannavaro ir embora? E para a Juventus? E não é a Juventus a melhor defesa e líder do campeonato, com 12 pontos de vantagem sobre o time de Mancini? Pois é. Por incrível que pareça, a Inter dispensou Cannavaro para ficar com Mihajlovic, 35 anos. Se o sérvio ainda tivesse o rendimento de Ferrara, Costacurta, ou Maldini, ótimo. Mas seu rendimento é de “ex-jogador em atividade”.

Qual o erro de Mancini? Vários. O primeiro foi o de se deixar enganar com os 14 gols de Adriano em 14 jogos, que maquiaram muita coisa. O técnico devia ter aproveitado a boa fase do brasileiro para acertar a sua defesa. E aí, Cannavaro faz falta. Falando nele, capitão da seleção italiana, deixa-lo ir embora para a Juventus com Capello foi um ato de profunda falta de inteligência. Muito profunda.

Outro erro foi o de, como já falamos acima, não reforçar a defesa, a sério. A Inter tem um zagueiro decente (Córdoba) e mais uma série de rascunhos. A desculpa para mandar Cannavaro embora era a de que ele e Córdoba tinham as mesmas características. Verdade. Mas então, por que não vender Materazzi, ou mesmo Gamarra, que raramente é utilizado, e contratar um nome para resolver o problema? Exemplo: levou meia Lazio para Milão, enquanto o Milan contratou Stam. Se resolver os problemas no tornozelo, Stam vale mais do que todos seus ex-colegas da Lazio.

“Mas Mancini acertou o meio-campo da Inter”. Meia-verdade. O interista copiou o esquema do Milan de Ancelotti, onde Cambiasso faz as vezes de Gattuso, Emre é “Pirlo”, Verón é “Seedorf” e Stankovic é “Kaká”. Sem problemas até aqui. Exceto que Cambiasso não é o trator que é Gattuso, e a defesa fica desguarnecida, embora o setor tenha ganho mesmo em qualidade.

Agora, começa-se a escutar ‘genialidades’ do tipo “parece que a Inter não vai lutar pelo título”, e “talvez Mancini seja muito novo para um grande time como a Inter”. A velha profecia do acontecido. A Inter mudou demais para conseguir se acertar já no primeiro ano. Mancdini é um bom técnico, mas não é um nome consagrado como Capello, por exemplo. E mesmo Capello, como veremos no trecho a seguir, ainda deve sofrer mais adiante no campeonato. Nenhuma análise definitiva pode ser feita na 9a rodada. Imagine: tem gente já dizendo quem é campeão desde a segunda jornada…

Juve a todo vapor, mas sem ‘turnover’

Oito vitórias e um empate em nove jogos (recorde depois que cada vitória vale três pontos); melhor defesa do torneio (uma marca de Capello), com somente 2 gols sofridos (média de 0,222 por jogo); melhor ataque do torneio (ao lado do Lecce), com 20 tentos realizados (2,222 por jogo); liderança com cinco pontos sobre o segundo colocado. Um começo digno da Juventus.

Não há contestação aqui. A Juventus de Fabio Capello (que até ano passado jurava sobre a Bíblia que jamais sentaria no banco do time de Turim) é uma locomotiva. E é fácil apontar as turbinas. Uma defesa impenetrável e que se conhece há anos (Buffon, Cannavaro e Thuram jogaram por várias temporadas no Parma), um lateral-esquerdo que avança tranqüilo, consciente da cobertura que tem (Zambrotta); um Nedved que dedica suas energias somente ao clube (aposentou-se da seleção); meio-campistas que deram um aporte de solidez notório (o criticado Emerson, Blasi e Appiah), a velocíssima adaptação de Ibrahimovic e até um crescimento mais rápido do que o esperado de um Del Piero sempre cobrado. Ufa!

Agora, vamos anotar: ainda estamos em novembro. E a Juventus já joga desde julho, sempre sem poupar os titulares. O fôlego juventino tem limites. O time começou a preparação antecipadamente por causa da fase eliminatória da Liga dos Campeões. Num primeiro momento (como se vê na tabela), isso é um belo ‘boost’. Mas mais adiante, o time de Capello vai cair de rendimento. Claro, se dirá que “Del Piero está acabado”, que “Nedved não é mais o mesmo”, e que “Ibrahimovic é um grosso disfarçado”. Não ligue. É, como sempre, gente falando bobagem.

Enquanto a imprensa italiana tenta costurar o ‘scudetto’ na camisa juventina na virada de outubro para novembro, o próprio Capello chama a diferença que o separa do Milan de “fuguinha”, porque sabe que seu time vai ter de baixar o ritmo uma hora, para depois voltar ao normal. É fisiológico. Não é uma opinião. ‘Don Fabio’, raposa velha, sabe disso e provavelmente vai apostar na solidez da defesa para segurar as pontas quando isso acontecer (provavelmente na virada do ano, ou nas últimas semanas do torneio). Muita água vai passar por baixo da ponte. É ver para crer.

Recorde estabelecido pela Juventus nesta rodada

Nenhuma equipe, de quando o campeonato é disputado a três pontos por partida, tinha conseguido antes a proeza de fazer oito vitórias e um empate em nove rodadas

Nedved comemorou com um golaço a sua 100a partida na Série A pela Juventus

Também chegou à presença de número 100 o goleiro da Udinese, Morgan De Sanctis

97 delas foram com sua atual equipe e 3 com a Juventus

Vincenzo Montella, com seus dois gols no Cagliari, passou a ser o jogador em atividade com mais gols na Série A, além de assumir a ponta pela artilharia do torneio

Esta é a seleção Trivela da 9a rodada da Série A

Buffon (Juventus); Chiellini (Fiorentina), Dellas (Roma), Talamonti (Lazio) e Kroldrup (Udinese); Blasi (Juventus), De Rossi (Roma), Obodo (Fiorentina), Nedved (Juventus); Montella (Roma) e Chiesa (Siena)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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