O exílio de um mito

Uma excelente entrevista com Paolo Maldini, mito milanista e italiano, foi publicada na semana passada pelo jornal italiano La repubblica. Embora Maldini não tenha feito críticas diretas ao comando do Milan, fica clara a mágoa dele com a diretoria e com os rumos que o clube tem tomado. A tristeza do jogador que mais disputou partidas na Série A na história é um lembrete de como o clube está com seus rumos atados ao destino de um político esclerosado e decadente e aos seus servos. Poucos clubes no mundo poderiam ter um mito como Maldini na sua cabine de comando. O Milan, pelo contrário, o afronta. E vive capturando seus Traorés e Boneras.

Fazendo uma observação histórica: Berlusconi deu muito ao Milan, por mais vil, mal-intencionado, inescrupuloso e egocêntrico que seja. Na sua entrada no comando do clube na década de 80, Berlusconi percebeu com inteligência que o Milan tinha um potencial muito maior, especialmente na exposição no exterior. Durante duas décadas, o clube esteve à frente das maiores e melhores contratações do futebol, enxertando jogadores realmente de relevância ao clube. Não à toa, tratou-se do período dos recordes: oito finais de Liga dos Campeões (com cinco títulos), o único scudetto invicto da história, maior seqüiencia de partidas sem derrota e por aí vai. Esse Berlusconi não existe mais. Sua decadência física, política e econômica trasformaram o político poderoso e demagogo, mas inteligentíssimo num rascunho esclerosado de dirigente, cuja postura envergonha a Itália e claramente não tem dinheiro para competir com os novos megarricos do futebol, cujas fortunas estão assentadas em reservas intermináveis de petróleo, cartéis mafiosos russos e atividades ilícitas menos conhecidas.

Maldini não saiu simplesmente do Milan. Ele foi afastado por conta do poder que seu nome tem. Adriano Galliani, cuja fidelidade a Berlusconi é digna de nota, mantém Maldini à distância porque sabe que o nome do ex-zagueiro poderia ofuscar seu poder. Na entrevista, Maldini afirma que tanto leonardo quanto Max Allegri queriam-o em Milanello, mas misteriosamente se afastaram. Enquanto isso, uma revolução interna viu dezenas de saídas (a maioria delas, justa) com pouquíssimas entradas à altura do clube. Vender Ibrahimovic e Thiago Silva pelo valor oferecido por eles não foi um erro; buscar jogadores como Traoré e Mesbah e renovar contratos como os de Bonera (que ganha inacreditáveis €2,5 milhões anuais) sim, denotam perda de direção. Isso sem falar no relacionamento incestuoso com uma torcida organizada, liderada por um tumor cujo nome não merece ser mencionado.

O afastamento de alguém como Maldini, assim como a distância que a Inter tomou de Orialli, para dar espaço a Marco Branca, personagem cuja proximidade dos empresários de jogadores é notória, são sintomas de uma doença que tem início na gestão depravada que Berlusconi fez na Itália, tornando um país de ponta em uma estrutura negocial decadente, burocrática, que não abre espaço para novos negócios nem cria empregos para os jovens. O futebol é apenas uma réplica do atraso no qual a economia está enterrada. Maldini deveria procurar investidores para guiar umaoferta para comprar o Milan. O clube e o futebol italiano precisam dele e de outros com a sua clareza e inteligência. Galliani, Berlusconi, Abete, Moratti, Zamparini, Preziosi e outros mumificados  do futebol italiano precisam ser derrubados para que o futebol mais rico do mundo renasça. Como Maldini cita na entrevista, o exemplo de gestão do Bayern de Munique é esse, de pessoas ligadas ao clube sendo capacitadas para gesti-lo. O desaparecimento de Berlsuconi no cenário político e esportivo será uma bênção para a Itália, para o Milan e para todo o futebol. Vamos aguardar para que isso seja rápido.

 

 

 

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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