91, o número do gênio

Para a alegria de santistas e madridistas, o ano acabou e Messi não poderá fazer mais nenhum gol. Mas foram 91, um número que remete ao futebol de outras épocas, de um tempo em que a ausência da TV amplificava os mitos e criou lendas que ninguém viu, como Friedenreich ou que todo mundo diz que viu, como o gol de placa ou o gol da Javari, ambos de Pelé.

Lionel Messi
Lionel Messi (Photo credit: thesportreview)

Contudo, dos 91 de Messi, vimos – nós, o mundo – todos, um por um. Messi é o primeiro jogador desde que Pelé encerrou a carreira que pode, de fato, postular à coroa de melhor jogador de futebol de todos os tempos, um debate tão impossível quanto inevitável. E, opiniões à parte, que sorte a nossa, que podemos imaginar outros dez ou mais anos de carreira do argentino. Aliás, argentino não. Messi transcende seu passaporte (até porque a adoração dos argentinos por ele é infinitamente menor do que poderia). Messi deveria ter o primeiro passaporte onde no lugar da nacionalidade se leria “Terráqueo”.

A restrição a santistas e madridistas quanto aos recordes do geniozinho barcelonista, creio, são óbvias. Mesmo os santistas que só viram Pelé na TV ainda defendem com unhas e dentes o posto de melhor de todos os tempos ao Rei. Há um grande percentual de bairrismo (justo, por sinal) na defesa da manutenção do título na Vila Belmiro. Afinal, quando surge um novo craque na Vila, a pergunta “será o novo Pelé” é ouvida entre os torcedores do Peixe. Robinho e Neymar já tiveram seu momento de “novos Pelés”. O primeiro provou que na verdade não é nem mesmo o novo Juari; o segundo, craque em construção, pode realmente vir a ser um prodígio, mas deverá enfrentar o fato de ser da mesma geração de Messi, assim como Cristiano Ronaldo.

O pobre milionário português, que joga no outro time cuja torcida não celebra a magia Messiânica, visivelmente está tendo problemas sérios para enfiar a viola no saco e aceitar que ele é um craque, mas o rival barcelonista é de outro planeta. O ego do português está tão maltratado que as ONGs de direitos humanos acabarão fazendo alguma coisa, mais cedo ou mais tarde. Os madridistas devem sentir uma condição esquizofrênica. Por um lado, como não aplaudir um gênio claro, indiscutível enquanto ele assina suas obras de arte? Por outro, vamos admitir, é difícil aplaudir a genialidade de uma divindade sacrossanta cuja maior diversão é destruir seu time. Os próprios santistas já sentiram na pele ver as obras de arte de Messi sendo tecidas com a pele escalpelada dos jogadores do próprio time, na trituração da final do Mundial de Clubes de 2011. Sério dilema.

Para sorte do resto do mundo, é possível aplaudir Messi sem ressentimentos. Torcedores dos times que o enfrentam eventualmente devem concordar que vale a pena ser torturado por 90 minutos ou pouco mais que isso para poder ver um Michelangelo fazendo a Capella Sistina ou Da Vinci esboçando a Mona Lisa. Entre os 91 gols de Messi, nem todos são perfeitos e esculturais como aqueles que concorrem ao prêmio de gol mais bonito do ano, mas isso também faz parte do brilho do atacante. Neymar, craque ainda imaturo, sempre procura a jogada mais plástica – muitas vezes, conseguindo. Messi jamais procura o toque a mais. Ele busca sempre o gol. se para fazer o gol for necessário o modo mais seguro for fazer uma pintura, ele o faz; se o mais simples for empurrar a bola com o lado do pé, também. Messi tem a simplicidade dos gênios, uma capacidade de reduzir todas as possibilidades a um único toque – o mais eficaz.

Os 91 gols dele em 2012 não foram feitos em amistosos, peladas, campeonatos cariocas, Paulixões nem ligas amadoras. Ele os fez contra os maiores times e seleções do mundo. Aliás, é o futebol das seleções a última trincheira de Pelé na defesa de sua coroa. Messi precisa vencer uma Copa do Mundo para pensar em destronar Pelé. Uma vitória argentina no Brasil, em pouco mais de um ano, faria o argentino ultrapassar o último obstáculo e agendar no seu calendário o confisco da coroa. Com uma CBF tão criminosa, corrupta e irresponsável de um lado e uma narrativa tão digna do mito do herói do outro, o torcedor brasileiro – santistas inclusos – teria mais um dilema para enfrentar durante a Copa. Como não torcer para ver a história ser escrita?

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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