Um domingo de futebol Brasileiro

Duas partidas da Seleção Principal no mesmo dia e nenhuma surpresa . Na vitória e na derrota (sim, porque empatar com a Venezuela não é bem um empate), o Brasil não decepciona (ou melhor, não decepciona, mesmo quando decepciona, porque o que se espera dele sempre vem). E mesmo com todos os atenuantes, dá paa ver que a mediocridade da Era Dunga, na verdade, não era dele – é da gestão teixeiriana. E essa mediocridade, que teve um breve hiato durante a presença de Scolari no cargo, continua forte. E abaixo, seguem algumas notas sobre o cinzento domingo de futebol.

– O Brasil não é equivalente à Venezuela, assim como a Argentina não é a mesma coisa que a Bolívia (embora, entre Buenos Aires e La Paz haja menor distância do que entre Caracas e Brasília – não geograficamente, bem-entendido). O time não se conhece, não tem um treinador à altura da técnica de seus jogadores, não tem motivação e boa parte dele vem de uma temporada extenuante. Ademais, a Copa América e nada são quase a mesma coisa.

– Não adianta vociferar que é preciso ter motivação para jogar pela Seleção. Os jogadores brasileiros não são gênios, mas mesmo em sua simplicidade intelectual, é impossível não se dar conta que enfrentar o Manchester United numa final de Liga dos Campeões não é a mesma coisa que pegar uma Venezuela – isso, sem falar do cansaço físico. Se jogadores chegam à Copa do Mundo mentalmente estafados e jogam mal, imagine para disputar uma Copa América.

– Dirigentes santistas, treinadores empenhados em vendê-lo ao exterior e o “estafe” particular de Neymar deveriam dar alguma atenção, ao menos, às observações dos rivais sobre ele. Se TODOS os adversários pelos quais Neymar passa o acusam de ter uma conduta antiesportiva (seja no clube, seja na Seleção), é bastante improvável que eles façam parte de um grande complô global contra o Santos (sei que parte da torcida acredita nsso, mas garanto que não é verdade). Grandes craques como Zico, Pelé, Ronaldo, Kaká e Ronaldinho Gaúcho foram criticados por alguns adversários, mas elogiados por outros. Neymar tem uma técnica inacreditavelmente apurada, mas é a mente que rege o corpo. Seu desenvolvimento passa por uma maturação sob o ponto de vista humano e, convenhamos, com o assédio que ele sofre, isso é praticamente impossível sem ajuda.

– A Seleção de Mano foi montada para colocar Ganso no time titular a qualquer custo. Não há ninguém que admire mais o meia do que eu, mas escalar como titular absoluto um jogador que deve ter jogado meia dúzia de partidas nos últimos 12 meses é incompreensível. O craquíssimo santista não tem ritmo de jogo e reinseri-lo às pressas por comprometer sua recuperação (que não está encerrada somente porque ele voltou a jogar). Além disso, não é o jogador ideal para atuar com mais três atacantes, porque perde espaço em sua movimentação natural. Muito mais eficiente seria jogar com um centroavante e um atacante que partisse da intermediária. Mano aparentemente não enxerga isso, – algo que não surpreende. Para jogar com Ganso, o Brasil precisa do 4-3-1-2 porque o meia santista é afeito a esse tipo de jogo. Se quiser usar o 4-3-3, Mano terá de abrir mão dele e dar a criação das jogadas a jogadores mais fortes fisicamente no meio-campo. Na sofrível partida com a Venezuela, a entrada de Lucas tentou corrigir isso dando mais um meia à Seleção, mas ainda assim não funcionou. Vejamos quanto tempo Mano levará para concluir o óbvio – sacar um Ganso fora de forma ou deixá-lo jogar como pode render mais.

– Numa entrevista dada à Folha no sábado, Robinho diz estar ciente de que pode perder seu lugar para Lucas, mas na realidade, seu lugar já está perdido e é para Neymar. Mesmo com toda a sua imaturidade psicológica e tática, o neocampeão da Libertadores já é muito mais eficiente do que Robinho, por sua vocação para partir rumo ao gol em contraste com a tendência do milanista de parar a jogada para tentar o drible. Neymar deve tomar Robinho como exemplo: o ex-atacante do Real Madrid é aquilo que ele – Neymar – se tornará se não amadurecer, mesmo sendo mais talentoso. Robinho pode estar rico e famoso, mas não é sombra do que seus entusiastas achavam que ele poderia ser.

– É muito legal ver o futebol feminino ganhando maior exposição e rumando para uma consolidação como esporte, mas como espetáculo, ainda não dá. Sei que bastante gente se empolga com o futebol da meia Marta e de fato sua capacidade é assombrosa, só que creio que o futebol feminino ainda precise ser tutelado antes de ser vendável como atração para valer, assim como ocorre com o vôlei, o tênis ou as competições de atletismo feminino. Sem o Brasil ter uma liga regular, durante uma quantidade considerável de anos em seqüência, ficaremos sempre com a sensação de que a união em torno das meninas tem um caráter paternalista – e não precisa nem deve ser assim. Não dá para tratar o esporte como amador o tempo todo e exigir dele qualidade profissional durante campeonatos mundiais. Ou melhor: dá, mas não é justo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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