Duas bolas dentro e uma bola fora

Tostão é um comentarista muito acima da média. Como ex-jogador, é uma sumidade cósmica, cuja distância em relação a seus pares é a mesma entre os dois extremos do universo. Na última semana, o colunista da Folha deixou duas opiniões que foram muito pertinentes e uma que está no nível de boleiros mais reles que fingem saber escrever.

A primeira bola dentro de Tostão foi em relação a Messi. Tostão tratou do caráter introspectivo do argentino em relação à cobrança feita a ele em seu país. Não concordo com o desfecho da coluna de Tostão, na qual ele acha que um verdadeiro craque precisa ser “malandro”, citando Nelson Rodrigues no elogio da imodéstia de Pelé como condição para se atingir a esfera da genialidade. Acho que nem o próprio Tostão crê nisso. Senti que ali ele falava de si mesmo – o craque sensível e introspectivo que sofria com a rudeza do mundo. Tostão e Messi certamente têm muito a ver e não tivesse nascido na geração de Pelé, Tostão teria entrado para a estirpe dos monstros sagrados. Messi terá a consagração se sua  – tosca – seleção deixar. Individualmente, ele está a um passo de um Olimpo que somente Pelé conseguiu (sim, eu acho Messi melhor que Maradona, embora saiba que para superar o falastrão Dieguito, Messi terá de vencer a Copa do Mundo). Contudo, se não vencer uma Copa do Mundo, não passará do degrau de Zico, um craque incompleto em termos de títulos. Tostão, ao meu ver, filtrou com sua sensibilidade a própria frustração em ver Messi pecar daquele que ele julga ter sido o seu pecado como jogador. Mas não foi um pecado. O brasileiro valoriza essa malandragem por causa de um traço nefasto de sua cultura. Messi não é menos gênio por causa disso. Nem era Tostão.

A segunda bola dentro foi em relação a Kleber. Tostão argumentou que não contrataria o palmeirense, que é bom jogador, mas rigorosamente problemático. Eu adicionaria: Kleber jamais fez um time seu se transformar numa máquina de jogar bola. E olhe que isso é uma coisa que até jogadores comuns fazem eventualmente, baseados em dedicação e liderança. Com seu temperamento desequilibrado edmundiano, Kleber não tem a genialidade do ex-vascaíno nem o talento necessário para desequilibrar sistematicamente. A única coisa na qual Kleber é constantemente excelente é em receber cartões e arrumar brigas. No resto, alterna altos e baixos.

A bola fora foi em dizer que Pato só é bem considerado na Itália porque a referência do país são Inzaghis e Luca Tonis. Primeiro, porque fica claro que Tostão não só não acompanha o campeonato italiano (e por isso deveria se abster de comentar a respeito) como não conhece a carreira de Inzaghi. Pato, quando não se contunde, no Milan, é um atacante fora de série mesmo, porque se movimenta de uma maneira diferente da Seleção e porque não é levado a crer que dribles e firulas são o must do futebol. No Brasil, tudo o que se quer ver é um drible no meio-campo e o boneco estúpido da Globo. O futebol italiano não “engole” qualquer perna-de-pau como argumenta Tostão.  Se, de fato, Inzaghi e Toni não são gênios da técnica, são goleadores que contam, seus gols em partidas oficiais e não em churrascos de amigos como se faz no Brasil. E além disso, para cada Reinaldo e Romário mencionados pelo colunista como exemplos de qualidade, a Itália assistiu um van Basten, um Maradona e um Zidane. Ao fazer generalizações dignas de Neto nos circos sensacionalistas do meio-dia, Tostão atravessa o universo e se reencontra com seus colegas ex-boleiros na Rua da Mediocidade, número xis. Esse não é o endereço dele.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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