Nem tudo é futebol

Esse é um blog de futebol e não pretende deixar de ser. Mas uma polêmica criada no blog do Juca Kfouri me chamou a atenção para um fato ao qual já tinha atentado na semana passada: o do desrespeito do leitor para com as opiniões que um jornalista escreva.

A questão que Juca Kfouri colocou era a respeito de Aécio Neves. Segundo Juca, o governador teria esbofeteado a sua namorada em público, mas a notícia não “vazara” por uma certa proteção da imprensa a um candidato à presidência em potencial. No entanto, o comportamento errático e eventualmente autoritário de Aécio já seria conhecido de todo mundo, a exemplo do que ocorria com Fernando Collor, desde sempre um sabido playboy revoltadinho e mandão. Apesar do CV democrático, o político mineiro tem atitudes dignas de um Médici ( tanto faz se o ditador brasileiro ou o soberano fiorentino). Por exemplo: a carreira de Jorge Kajuru foi destruída por obra e pressão de dois políticos incomodados por ele, o próprio Aécio e o goiano Marconi Perillo (eu tinha escrito Maguito Vilela, mas fiz a correção observado por um atento leitor). Isso não é discutido abertamente, mas é um fato de domínio público.

Juca tem razão numa coisa – independente de gostar ou não do governador. “Off the records”, todo mundo sabe que Aécio não é o príncipe que sua assessoria de imagem pinta. Não cabe a ninguém entrar na intimidade das pessoas em geral, mas quando o cidadão pretende ser presidente da república, é natural que a invasão seja inevitável. Esclarecer o que é ou não de domínio público é controverso, mas certamente nem Aécio nem ninguém conseguirá escapar disso.

Independente do que se ache de Aécio, Maguito, Perillo ou seja lá o que for, o meu ponto é que a democracia que a Internet proporcionou ao leitor exige dele uma responsabilidade que ele não tem. Ninguém tem a obrigação de aguentar a falta de educação, escrotidão ou frustração de alguns leitores que têm opinião diferente. A democracia exige maturidade e respeito. Senão, não é democracia.

Há no Brasil uma tradição da “democratura”, deformação da democracia criada pela mistura sórdida de uma esquerda burra com uma tradição escravocrata. Os “democratários” são a favor da sua livre expressão, desde que você concorde com eles. Quer um exemplo? Vá a um congresso da UNE e tente defender algum personagem de direita. Você não terá direito de falar e se tiver, será vaiado até desistir. É a liberdade do Politburo travestida mal e porcamente de uma ágora moderna.

No caso do Juca (e até no meu mesmo, quando opinei sobre um assunto ridiculamente mais irrelevante que eram as chances do Galo no Brasileirão), boa parte da audiência, munida de uma capacidade de responder inédita antes da Internet, se acha no direito de contestar a opinião alheia com a agressividade que julgar conveniente. Mas esse direito não existe. O leitor não é um “cliente” que sempre tem razão. O leitor é um ser humano normal, cuja liberdade acaba onde começa a do outro. O leitor não está numa classe especial, como a que o presidente Lula queria dar a José Sarney,  a de que “não deve ser tratado como uma pessoa comum”. O leitor tem todo o direito (e quase dever) de contestar, opinar e até criticar, desde que mantendo o respeito e a civilidade. Gente escrota, mal educada, frustrada, socialmente míope tem única e exclusivamente o direito de se manter atada à própria insignificância.

Se Juca Kfouri está certo ou errado, realmente não importa. Opiniões opostas podem ser igualmente certas – ou erradas. O fundamental é compreender a maior responsabilidade trazida pela democracia, especialmente num país que tem uma tradição escravocrata, oligárquica, autoritária e elitista. O diálogo e o debate são extremamente bem vindos e positivos, mas não devem servir como terapia para desocupados covardes.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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