A Europa que faz mal

Nos dez jogos da quarta rodada da Série A, somente dois não tinham nenhum time envolvido em copas européias: Udinese x Reggina e Torino x Siena. Nos outros oito, um dos times vinha de uma longa semana, onde seja na Liga dos Campeões, seja na Copa Uefa, o bicho tinha pegado.

A constatação que podemos fazer com todos os jogos concluídos é inegável: dos oito italianos com vaga continental, somente o Palermo venceu os dois compromissos (Cagliari e Mlada Boleslav – TCH, ambos em viagem). Todos os outros deixaram pontos pelo caminho e cedo ou tarde, terão de se ver com o fato.

Quem saiu pior da última semana foi a Inter, que tomou um baile do Fenerbahce em Istambul e esteve opaca também em Livorno. Milan, Empoli e Roma venceram na Europa, mas empataram na Série A – o contrário da Fiorentina. A Lazio empatou na Grécia, mas perdeu em Bérgamo, enquanto a Samp empatou seus dois jogos.

“Pelo nível apresentado pelos adversários dos times italianos na Uefa, creio que talvez fosse melhor jogar com o time reserva no meio de semana”, opinou o jornalista Italo Cucci, na transmissão da RAI de domingo. Apesar do viés claramente pró-italiano, a colocação de Cucci não é totalmente despropositada. A Europa, até aqui, parece mais um entrave do que uma vantagem para os clubes peninsulares.

O problema não é novo nem simples de se resolver. Elencos de 25 jogadores já têm dificuldades de gerenciar duas competições. Imagine então quando não chegar a 20 nomes. Mas pior ainda do que o desgaste físico é manter a concentração alta nos dois torneios.

O clássico entre Roma e Juventus foi um exemplo nítido de como a semana de trabalho influi no resultado. A Juventus é inferior à Roma tanto no time titular quanto no banco, mas sem o desvio de atenção do meio de semana, conseguiu manter-se na partida mesmo com inferioridade no placar, diante de uma Roma exaurida. Em Milão, os campeões europeus também quase deram a vitória ao Parma no final, quando já não eram mais tão lúcidos.

A percepção do problema será determinante para a sorte do título. Mesmo que a Roma tenha saído melhor, terá problemas em outro momento da temporada; o Milan sofre com seus atacantes ao menos até janeiro (veja abaixo) e a Inter dá indícios de reviver seus males crônicos. A única ‘grande’ isenta do problema é a Juventus, que por outro lado, tem um elenco nitidamente inferior. Os favoritos na Itália ainda terão de ser definidos.

Um raio cai sim duas vezes no mesmo lugar

No Italiano passado, aquele que começou maculado pelo escândalo do futebol, o Milan iniciou sua temporada sem saber direito qual o caminho de casa. Assustado pela possibilidade de rebaixamento, perda da vaga da LC e de uma eventual ida de Kaká para Madri, o clube titubeou e iniciou o torneio com várias falhas no elenco.

O ataque milanista, setor mais carente, tinha Gilardino, Inzaghi, Ricardo Oliveira e Borriello. Na janela de janeiro, o Milan foi desesperado buscar reparos e acabou fechando com Ronaldo, que teve excelente rendimento até a sua contusão. “Pelo menos os caras aprenderam”, era a esperança da torcida do time. Era.

Com a possibilidade de jogar com somente Kaká mais um atacante na frente, o Milan decidiu ficar só com Ronaldo (teoricamente, o titular), Inzaghi e Gilardino, mais Alexandre Pato a partir de janeiro. Só que de repente, se viu com Ronaldo parado até outubro, Pato sem poder jogar, Gilardino em fase lamentável e Inzaghi, aos 34 anos, como única alternativa à altura da situação.

Na temporada passada, a fase excepcional de Kaká maquiou um pouco a situação. Com o brasileiro cruzando e correndo para marcar de cabeça, o Milan não se deu tão mal até porque num torneio sem Juventus e com Lazio e Fiorentina com pontos a menos. Só que esta temporada, o buraco é mais embaixo.

A situação ainda não é desesperadora, porque o time tende a crescer fisicamente no decorrer das competições, mas mesmo assim é bem séria. Inzaghi não tem fôlego para jogar duas vezes por semana “a la Inzaghi” e Gilardino, mesmo evoluindo no seu normal (nas duas últimas temporadas entrou em forma só de novembro em diante), não tem futebol suficiente para ser o único atacante do Milan.

A conclusão óbvia leva a Ronaldo. Do nosso “Gordo” dependem as chances milanistas na Série A. Na LC, o clube tem como arrumar uma classificação mesmo jogando mal, mas na Itália, uma brecha muito grande para o líder pode ser um problema insanável. Ronaldo jogando não tem concorrentes e arrasta qualquer time para a ponta da tabela. Mas qual a extensão da sua lesão?

Tudo indica que não é seríssima, mas ainda assim, teria de se alternar com Inzaghi e jogar uma vez por semana – o que não é pouco – ao menos até Gilardino conseguir fazer sua cota aceitável de 15 gols por temporada. Sem Ronaldo, não dá para ver o Milan em condições de lutar pelo ‘scudetto’ quando Pato estrear.

É a Juventus, mas tem problemas

Diante da Roma atual, poucos times conseguiriam buscar um empate no Olímpico e menos ainda um time mais fraco. Só que a Juventus é a Juventus e com uma patetada risível de Cicinho, Iaquinta arrancou à fórceps um empate que valeu como uma vitória para ser levada para o Piemonte.

Infelizmente para a massa ‘bianconera’, nem com toda a tradição, a Juve pode deixar de lado o fato de que seu time desta temporada é visivelmente inferior ao dos outros candidatos e endossa a opinião do goleiro Buffon e do técnico Ranieri, que colocam a classificação para a LC como meta para este campeonato.

A partida do Olímpico também foi sintomática para apontar os problemas juventinos. No primeiro gol, o promissor zagueiro Criscito falhou escancaradamente, mas não dava para culpar o treinador Ranieri: as alternativas no banco de reservas eram Boumsong, Legrottaglie, Zebina e Molinaro. Como se vê, nenhum Scirea. No ataque, algo parecido: quando Del Piero precisava sair, claramente cansado, Ranieri só tinha Palladino para mudar o jogo. A lesão séria sofrida por Jorge Andrade só agrava o quadro de um time que tinha um desnível claro em relação aos outros ‘grandes’. A Juventus precisará ir ao mercado para buscar mais um defensor e não deve sobrar dinheiro para uma contratação que faça diferença.

Subir de divisão é uma tarefa árdua para todo mundo – até para um clube da estirpe da Juventus. Refazer todo o elenco é impossível e assim, parte dos jogadores continuam a ser de um nível abaixo. Esta é uma temporada de transição para a Juve e não dá para um time ser promovido e lutar pelo título num campeonato decente. Isso acontece no Brasil? Bem, talvez isso diga bastante sobre o nível atual do Brasileirão.

Curtas

– Seleção Trivela da 4ª rodada:

– Sereni (Torino); Zaccardo (Palermo), Talamonti (Atalanta), Zapata (Udinese) e Dellafiore (Torino); Morrone (Parma), Migliaccio (Palermo); Totti (Roma); Iaquinta (Juventus), Zampagna (Atalanta) e Di Natale (Udinese)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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