A Série A voltou. E daí?

Depois de um final de semana onde aconteceu o indizível, muita discussão e promessas de rigor na punição dos culpados acabaram no seguinte: os estádios que não cumpriam as regras de segurança não puderam receber seus torcedores. Qualquer ser humano com QI acima de traço se perguntará se o fechamento desses estádios não é nada além do mínimo óbvio, que já deveria estar vigorando desde sempre. E aí é que se percebe como a sandice tomou conta da Bota.

Sim, a bola rolou e alguns jogos, como Milan x Livorno foram até muito interessantes de se ver. Mas a grandíssima verdade é que a tese do “show tem de continuar” é uma mentira na qual dirigentes, jogadores e imprensa se arvoraram para não aumentar os seus prejuízos. E mesmo sem brigas (ou quase), uma turba de animais da torcida da Roma vaiou durante o minuto de silêncio em homenagem ao policial assassinado em Catania.

“A partida entre torcedores e marginais foi vencida pelos torcedores”, disse o comissário da Federcalcio, Luca Pancalli, responsável pelo encaminhamento das punições. A frase de Pancalli é uma jogada para a torcida; um drible indo para longe do gol. A ‘partida’ não foi vencida pelos torcedores. Na prática, além de muita conversa, não se fez nada. As torcidas organizadas continuam organizadas e as restrições impostas são a chamada ‘groselha’.

O governo falou em “revolução”, mas a verdade é bem mais modesta. Maior rigor na venda de ingressos, proibição de entrada em estádios para os baderneiros, melhorias nas instalações, mas tudo com definições muito vagas. Na prática, depois de toda a presepada no enterro do policial, a situação geral continua uma ‘semi-terra-de-ninguém’.

Se a Itália estivesse falando séria consigo mesma, faria uma varredura militar nas ‘organizadas’, ficharia seus líderes como perigosos marginais – que eles são – proibiria clubes de ‘patrocinar’ essas organizações, imporia pesadas punições a ‘hooligans’ e clubes e definiria responsabilidades para que na próxima vez que ocorresse um evento como o de Catania, fossem para a cadeia, imediatamente, autoridades, dirigentes, marginais disfarçados de torcedores e quem mais que estivesse no meio.

Mas não. As organizadas servem aos clubes politicamente; jogadores fazem promoção gratuitas para muitas delas venderem camisetas, gorros e cachecóis para poderem contar com seu ‘apoio’ e a imprensa também não se mete porque afinal de conta eles são consumidores de seus produtos. Aparentemente, todo mundo ganha, mas na verdade, todo mundo perde.

Risivelmente, a Itália nesta semana anunciou que deve anunciar oficialmente o plano de sua candidatura para sediar a Eurocopa de 2012. Se trata de uma piada, porque com a propaganda negativa que o corruptíssimo futebol italiano deixou para o mundo nos últimos meses (e em especial depois de Catania), as chances da Itália sediar a competição são menores do que as de Malta ou Ilhas Faroe. Porém, como disse o jornalista Beppe Severgnini em um texto para a revista inglesa The Economist, “a Itália é como um transatlântico de luxo sem ninguém pilotando, mas a verdade é que quem está dentro também não está muito preocupado”. A pergunta é: o que será que fará os italianos se preocuparem de verdade?

Ronaldo

Estádio Giuseppe Meazza, Milão, 11 de fevereiro de 2007, 16h23. A Itália parou para voltar sua atenção para San Siro neste momento. Era o momento em que o brasileiro Ronaldo, ídolo interista, entrou em campo com a camisa do Milan, voltando ao futebol que o impulsionou rumo à ribalta.

Para quem está sem ritmo de jogo e passou boa parte dos últimos meses contundido, Ronaldo jogou muito bem e quase fez um gol. A sua forma física dificlmente lembrava um jogador de futebol gordo, como muito se ironizou. Talvez esteja mais para um boxeador ou halterofilista, mas certamente não gordo.

Na Itália se comenta que no vestiário do Milan, um colega, ao ver o físico de Ronaldo, teria dito: “E dizem que você está gordo? Pelo amor de Deus! Vou tirar uma foto com o celular e mandar para a imprensa para eles verem”. A tal da foto nunca apareceu (naturalmente), uma vez que nesses tempos, imagens conseguidas desta forma normalmente dão pano para manga. Mas parece certo que o Ronaldo do Milan está a léguas do Ronaldo da Copa, que estava visivelmente obeso.

A torcida milanista acolheu Ronaldo passando uma borracha em seu passado interista. Ele foi ovacionado e teve seu nome gritado enquanto esteve em campo, ainda que não tenha feito aquilo para que foi contratado. Mas ficou clara a satisfação de Carlo Ancelotti, seu treinador, com o modo como o atacante se movimentou. Salvo problemas futuros, tudo parece indicar que Ronaldo vai seguir a escola Zagallo e obrigar muita gente a engolí-lo.

Olha a guilhotina aí, gente!

Entre as séries A e B, já são 12 os treinadores da Itália que receberam o cartão vermelho de seus clubes. Levando-se em conta que são 45 rodadas entre as duas divisões, o número não é de se assustar. Contudo, esta semana pode ser bastante angustiante para pelo menos mais cinco deles. Juventus, Palermo, Torino, Bologna e Parma estão todos com seus técnicos no fio da navalha.

Na Juventus, apesar dos planos de alcançar a promoção estejam absolutamente sob controle, o clima no vestiário é terrível. Metade do elenco detesta o treinador Didier Deschamps, que jamais foi uma pessoa que os colegas covidam para um café. Com Camoranesi e Trezeguet à frente do batalhão ‘anti-Didi’, a Juve já começa a estudar hipóteses para um acesso imediato com alguém que já comece a lapidar o time para a próxima temporada. A menos que Deschamps não faça a Juventus deslanchar rapidamente, sua carreira de ‘Émerson Leão francês’ corre o risco de ver mais um divórcio.

No Palermo, a tendência ‘guidoliniana’ de descendente depois de uma largada fabulosa se confirmou. O time não vence mais e o perigoso ‘candidato ao scudetto’ de setembro agora se satisfaz com uma vaga na Copa Uefa. Com a perda do brasileiro Amauri, tudo ficou mais difícil. O técnico Francesco Guidolin está sendo criticado diariamente pelo presidente do clube. Vale lembrar que as demissões dos últimos três treinadores do clube (o próprio Guidolin, Luigi Del Neri e Giuseppe Papadopulo) ocorreram todas na reta final do campeonato.

As situações de Parma, Torino e Bologna são mais compreensíveis: Parma e Torino têm de se salvar e o Bologna precisa subir para a primeira divisão. Como os resultados não estão chegando, os dirigentes começam a ficar com coceiras. No caso de Silvio Pioli (Parma), há uma certa injustiça, porque o clube, ainda muito endividado, fez pouquíssimas contratações no começo desta temporada. No Torino de Alberto Zaccheroni, as críticas não são totalmente injustas. No Bologna, finalmente começa-se a perder a paciência com Renzo Ulivieri, que é um treinador bastante limitado mesmo.

Entre os cinco primeiros colocados na artilharia do Italiano, somente dois estrangeiros, empatados em quinto lugar com o atalantino Doni: o argentino Crespo e o sueco Ibrahimovic.

A cada quatro pênaltis, o goleiro Pagliuca pára um. Neste final de semana, ele defendeu o 23o de sua carreira, em 90 cobranças.

Nedo Sonetti, treinador do Ascoli, completou mil partidas como treinador profissional neste final de semana.

Esta é a seleção Trivela da 23a rodada do Italiano:

Storari (Milan), Maggio (Sampdoria), Comotto (Torino), Kuffour (Livorno) e Jankulovski (Milan); Gattuso (Milan), Volpi (Sampdoria) e Codrea (Siena); Reginaldo (Fiorentina), Bianchi (Reggina) e Adriano (Inter).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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