Mergulho no fel

A semana passada começou até com um certo otimismo para Juventus e Inter. A primeira tinha perdido para o Arsenal por 2 a 0, mas em se tratando da Juventus, tudo é possível; a Inter então, tinha até um resultado favorável embaixo do braço quano viajou para Villarreal, que convenhamos, está longe de ser um time de dar medo. Mesmo assim, a semana se encerrou para os dois times encerrados numa profunda e cava depressão, como diria Nelson Rodrigues.

Na terça, a Inter que se apresentou na Espanha foi de dar dó. Não, não era só preparo físico. O time estava visivelmente pouco a fim de dar a vida pela vaga na semifinal – Adriano incluso. Com um Recoba abjeto, a Inter sucumbiu a um Villarreal modesto como se o time espanhol fosse fantástico – e não é. E como Roberto Mancini reagiu tendo um time tão morto nas mãos? Mandando a campo Sinisa Mihajlovic, zagueiro de 37 anos para tentar um gol de falta.

No dia seguinte, o problema foi em Turim. A eliminação da Juventus no Delle Alpi é ruim em si só, mas o modo como ocorreu deixou a coisa mais séria. Finalmente a forma física brilhante de toda a temporada apresentou sua conta e o Arsenal teve sorte ao ter de jogar com a Juve mais morta da temporada na hora de decidir uma vaga para a semifinal da LC. Além disso, Ibrahimovic – um dos mais apáticos em campo – ganhou a antipatia da torcida e foi vaiado a plenos pulmões.

O problema interista teve desdobramentos mais sérios. Quando voltou a Milão, o time foi vigorosamente xingado no aeroporto de Malpensa, em Milão, por cerca de 500 torcedores – o que é absolutamente aceitável, diante do desdém mostrado em campo. Mas depois da partida em Ascoli no sábado, cerca de 50 marginais disfarçados de torcedores encurralaram os jogadores na saída do mesmo aeroporto e partiram para a agressão física, com Cristiano Zanetti sofrendo escoriações.

Na casa ‘bianconera, a torcida foi civilizada mas não muito razoável. Afinal, sim, o time estava literalmente acabado contra o Arsenal, mas convém lembrar que ainda é líder do Italiano e que até 40 dias atrás mantinha uma forma assustadora. Não era preciso ser um gênio para saber que mais cedo ou mais tarde o cansaço ia bater feio no time. Para azar de Fabio Capello, bateu numa hora incrivelmente inadequada.

Mergulhando no fel, mas em diferentes níveis

À parte a coincidência de terem sido eliminados na mesma semana, as similaridades entre Juve e Inter não existem. A Juventus é um time formado, com uma base sólida, dinheiro, um técnico plenamente no comando, vários jogadores que fazem a diferença e a menos que algo muito sério aconteça, com o título italiano praticamente ganho.

A Inter, em contrapartida, é um time deficitário, com uma diretoria perdida, um técnico com a autoridade alquebrada, sem títulos importantes desde a Copa Uefa de 1998 e sem perspectiva de melhora a curto prazo. E para piorar, com algumas centenas de torcedores que mereciam um extenso período de reflexão no xadrez por incidentes seguidos (agressão nas quartas-de-finais da LC do ano passado, abusos racistas contra Zoro, etc).

O fel juventino se concretizou numa greve de silêncio contra a imprensa. A diretoria anunciou a retaliação porque considera que a imprensa foi excessivamente rigorosa com um time que faz a campanha que a Juve faz. Talvez a medida não seja a mais adequada, mas certamente a Juventus não merecia ser escalavrada por causa de uma queda de produção que era previsível. Já começaram os boatos dando conta da saída deste e daquele e de contratações fantasiosas como as de Gerrard (Liverpool) e Henry (Arsenal). Menos, por favor.

Com a Inter, se assiste a anual tragédia de fim de temporada. Todo mundo tem um pouco de culpa no clube, mas curiosamente o treinador é menos culpado do que a maioria. O clube está assentado em alicerces podres e só uma renovação total que desabite os ex-boleiros e empresários que se alimentam do sangue interista pode indicar outro caminho. Mais: tal renovação precisa de tempo. Em um ano, não vai se fazer nada, contrate-se quem quiser. Demitir o técnico e contratar outra fornada de jogadores vai adiantar por mais onze meses. E em abril de 2007, a novela estará no mesmo ponto mais uma vez. Triste.

Treviso: primeiro no caixão

Não é uma grande surpresa o fato do Treviso ser o primeiro rebaixado da temporada. O time volta à Série B depois de ter ganho a sua vaga no tapetão, com as derrocadas de Torino e Genoa por motivos extra-campo. O clube começou a temporada ainda montando o time. Caiu.

Merecia? Bem, o fato é que era o time com menos cara de time de Série A entre todos os 20 participantes. Exceção feita ao belga Baseggio (que está numa fase péssima da carreira), todos os outros jogadores tem um passado muito mais ligado a times de divisões menores do que qualquer outra coisa.

Se a diretoria ‘trevigiana’ teve visão, pode ter acumulado algum dinheiro para ajudar o time a fazer boas temporadas futuras na Série B, que é o lugar mais adequado à estatura do clube. Por outro lado, se o clube fez contratos exorbitantes para tentar uma permanência na elite, pode ter iniciado um período muito duro em termos de existência.

– O Milan atrasou sua partida contra o Chievo em dez minutos em solidariedade aos jogadores da Inter, que foram atacados pela sua torcida.

– Do meia milanista Seedorf a respeito da agressão sofrida pelos ex-companheiros da Inter.

– “Está na hora de alguém prestar queixa policial contra isso e levar até o final. É um absurdo, mas os jogadores (em geral, não só da Inter) têm sua culpa já que dificilmente ustentam suas posições”.

– E ‘justificativa’ dada pelo presidente do Livorno, Aldo Spinelli, para as agressões contra os interistas foi realmente brilhante!

– “É culpa do Bosman, porque agora os jogadores trocam de clube para ganhar milhões e isso revolta os torcedores”, referindo-se ao fato de Cristiano Zanetti já ter anunciado sua passagem à Juventus a custo zero para o clube de Turim.

– Os adjetivos que Spinelli merece pelo confuso raciocínio são impublicáveis.

– Qualquer torcedor tem todo o direito de questionar os jogadores que vão mal, assim como todos jogadores têm direito de ir jogar em qualquer lugar.

– Os marginais que atacaram os interistas merecem cadeia. Nada mais.

– Abbiati (Juventus); Zambrotta (Juventus), Nesta (Milan), Mihajlovic (Inter) e Chivu (Roma); Seedorf (Milan), Candela (Udinese) e Bresciano (Parma); Kaká; Del Piero (Juventus) e Toni (Fiorentina) formam a seleção Trivela da 33ª rodada.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top