A ferida que não se fecha

Na mente do torcedor milanista, a derrota de Istambul para o Liverpool foi uma tragédia que o tempo trataria de enterrar. Afinal, não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe. Logo, pensaram os membros da ‘Fossa dei Leoni’, o monolítico grupo de Milanello estaria novamente unido para buscar mais uma fornada de troféus.

Mas não é bem assim. O clima no Milan não se assentou mais e ainda está em ebulição, embora ainda não seja uma crise grave. O que acontece no Milan hoje é que a harmonia do grupo foi quebrada. Alguns jogadores têm críticas a outros (como Gattuso em relação a Seedorf e Cafu); alguns jogadores crêem que seu ciclo no Milan terminou (Shevchenko); o técnico Carlo Ancelotti é frequentemente criticado por Silvio Berlusconi e, por fim, o lendário Paolo Maldini acena com uma aposentadoria antecipada – na melhor das hipóteses, no ano que vem.

Há diversos sinais do mal-estar milanista. A discussão de ‘Sheva’ com Ancelotti na pré-temporada; a reclamação pública de Gattuso depois de ficar fora do jogo contra o Ascoli; uma carta aberta de Zvonimir Boban (milanista histórico), na Gazzetta Dello Sport, criticando Berlusconi pela sua ingerência na gestão de Ancelotti.

Todo o mal-estar ainda é resultado da tragédia do Bósforo. O Milan acreditava ser um time imbatível e a final estava ganha. Foi um daqueles eventos lendários, que fazem do futebol o esporte mais apaixonante de todos, que tirou a vitória dos italianos, e o golpe de acabar a temporada de mãos abanando depois de acalentar o sonho da ‘tríplice coroa’ trouxe à tona assuntos mal-resolvidos.

Gattuso não tem nada contra Cafu nem Seedorf, mas acha que é preciso que os dois se envolvam mais na marcação (o que é a mais pura verdade). Shevchenko teve uma oferta ignorante do Chelsea (teve mesmo, não é boato), e isso, mais a chegada de Gilardino e Vieri, mais a derrota de Istambul, fizeram com que ele passasse a considerar um adeus.

As críticas de Berlusconi a Ancelotti já vêm de longa data. O primeiro-ministro italiano mete o bedelho na escalação do time mais para ganhar espaço na mídia do que outra coisa, mas o fato é que, num momento de ‘stress’, os ânimos se acirraram. Ancelotti disse que não há problema algum, mas certamente não achou ruim a carta na qual Boban repreendeu Berlusconi. Por fim, pensar em um Milan sem Maldini depois de mais de duas décadas é mesmo assustador.

O Milan está fadado a uma derrocada? Não, mas desde a chegada de Ancelotti, jamais esteve sob uma pressão do gênero. Agora, não é mais necessário só vencer. Além de ganhar, o Milan precisa fechar as feridas entre os jogadores para voltar a ser um grupo coeso. Como? Vencendo e jogando bem. Caso consiga superar essa crise, dificilmente não vencerá nada nesta temporada. Se não o fizer, veremos um Milan ultra-reformulado depois da Copa do Mundo de 2006.

Uma ‘Azzurra’ que não convence

Vamos lá: apesar da Escócia não ser uma maravilha, um empate em Hampden Park, num jogo onde os escoceses ainda lutavam pela vaga (na verdade, ainda lutam, precisando bater a Noruega nesta quarta) não chega a ser assim uma tragédia. O dramático é a Itália não convencer nunca. E há anos.

A escalação feita por Marcello Lippi para a partida contra os escoceses foi uma boa escolha. Peruzzi (Buffon está machucado); Zaccardo, Cannavaro, Nesta e Zambrotta; Gattuso, Pirlo e De Rossi; Totti, Vieri e Iaquinta. Exceção feita a Iaquinta (Gilardino parecia a escolha mais óbvia), nenhuma dúvida.

O grande problema de Lippi é o de não conseguir fazer a bola rolar no meio-campo. E há homens de extrema qualidade para isso. Pirlo é um armador entre os melhores da Europa; Zambrotta era um ‘camisa 10’ antes de chegar à Juventus; Totti é decantado em prosa e verso, e o próprio De Rossi não se limita a recuperar a bola. O que acontece então?

O drama de Lippi é que se joga com um volante só, a defesa fica vulnerável (especialmente na faixa de Zambrotta, muito ofensivo); se joga com dois, Pirlo não tem com quem dialogar, uma vez que Totti fica muito à frente, e os laterais não dão conta de fluir o jogo, como conseguem, por exemplo, Cafu e Roberto Carlos.

O que a Itália mais precisa é de treino. Pirlo tem de ter passe livre no meio-campo para poder distribuir o jogo, com Totti por perto; De Rossi e Gattuso são os dois responsáveis por garantir que Zambrotta e Zaccardo possam chegar à frente. No ataque, as opções são satisfatórias (Gilardino, Vieri, Del Piero, Toni, Cassano), desde que a bola chegue até lá.

-Gattuso ficou chateado por ter ficado de fora da primeira partida do Milan, mas na verdade outros fatos colaboram.
– O Manchester United tenta contratar o volante ha algumas temporadas, mas Gattuso sempre permanece fiel ao Milan.
– Nesta temporada, Alex Ferguson continua ligando para o agente de Gattuso, e o jogador não parece mais tão fechado a novas ofertas.
– O diretor milanista Adriano Galliani desconversa sobre as insatisfações de Gattuso e Shevchenko.
– “Sheva classificou seu time para a Copa do Mundo, ganhou a Bola de Ouro e seu filho está completando um ano; não há porque não estar feliz, e ele o merece”, disse Galliani, na festa de batismo de Jordan Shevchenko, em entrevista à Gazzetta Dello Sport.
– “O desabafo de Gattuso não me surpreendeu; já conversamos disso muitas vezes”, disse.
– O Genoa, mesmo depois da sarrafada que o levou da Série A para a Série C1, parace continuar bobeando.
– Agora, por causa do uso de um zagueiro suspenso na partida contra o Ravenna, pode voltar a perder pontos.
– Por um descuido, a seleção Trivela da primeira rodada do campeonato não saiu na semana passada, mas ei-la, antes tarde do que nunca.
– Peruzzi (Lazio); Negro (Siena), Terlizzi (Palermo), Chivu (Roma) e Cufré (Roma); Brocchi (Fiorentina), Cambiasso (Inter) e Donati (Messina); Chiesa (Siena), Lucarelli (Livorno) e Adriano (Inter).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top