As culpas evidentes e advogados insuspeitos

Acabo de ler, com surpresa, a defesa de Adalberto Batista por Juca Kfouri, via blog do Victor Birner. Surpresa porque se é evidente que Batista não é o centro do descompasso tricolor, a defesa dele, sob qualquer medida, não cai bem. Ainda que respeite o trabalho tanto do veterano Juca quanto do colega Birner, me sinto numa posição diametralmente oposta em relação ao ex-diretor de futebol do São Paulo. Juvenal morrerá sozinho no naufrágio tricolor porque os culpados menores deixarão o barco antes, exatamente como fez Batista.

Antes de mais nada, um esclarecimento, Adalberto Batista naturalmente não deveria ter continuado no clube. Sua manutenção no cargo em 2013 já foi um erro, defendido por muitos advogados da situação que como no iompeachment de Collor, agora começam a falar grosso. Se é verdade que Batista não recebia salário (o que é errado, porque trabalho exige remuneração), não é verdade que ele trabalhava por 'amor'. O ex-diretor nutre pela exposição na mídia um apreço comum a 100% dos dirigentes 'por amor' do futebol brasileiro. Apesar de não ter renda direta, Batista apareceu mais em sua vida do que jamais aparecerá com seus hobbies de menino rico e com seu patrimônio pessoal que, queira Deus, proporcione a ele uma vida segura e confortável por muitos anos.

O dedo apontado para outros culpados – como Rogério Ceni, Ganso, Luis Fabiano, Lúcio e outros – é algo que chega a ser surpreendentemente para mim nos argumentos de Juca Kfouri. Exceção feita a Rogério, todos os outros chegaram ao São Paulo, pelo que me consta, pelas mãos do ex-diretor de futebol. E mesmo o goleiro, que visivelmente não deveria ter tido seu contrato renovado em 2012, continua no elenco pela sua (de Adalberto) anuência. Numa situação profissional, ainda que com o destempero semiesclerosado de Juvenal, Batista deveria ter colocado seu cargo à disposição caso o presidente insistisse em manter o capitão por mais um ano. Nenhum jogador com 20 anos de clube encerra a carreira por vontade própria. Fosse a direção de futebol mais profissional, Cenio hoje poderia até ter um cargo no clube, mas sem a camisa 1.

No mais, ainda que todos os erros estratégicos do São Paulo fossem responsabilidade do geronte Juvenal (o que naturalmente não é verdade, porque o mundo não é preto e branco, mas sim em tons de cinza – muito mais que 50), Batista estaria entre os culpados de primeira linha. As contratações do São Paulo são ruins há anos, mas nos últimos dois tiveram requintes de burrice quase artística. Luis Fabiano, para citar uma, foi rifado pelo Sevilha por conta de sua condição física e, fosse do São Paulo uma empresa, todo o departamento médico deveria ter sido demitido por dar tal anuência. Por vontade sua ou não, Adalberto estava à frente do departamento de futebol durante todo o desmantelamento da estrutura que é há anos o combustível da soberba sãopaulina: REFFIS, Carlinhos Neves, Luiz Rosan, Turíbio Leite, Wellington Valquer entre outros deixaram o clube sem uma razão muito clara, depois de participarem de anos de muita eficiência no clube.

Vale lembrar também que a obsessão de Juvenal para ver o CT de Cotia consagrado como uma Masia paulistana também custa caro ao clube. Treinadores chegam e saem do clube sob a espada de Dâmocles, obrigados a usar os jogadores de um centro de fomação que, sim, parece formar atletas tecnicamente aceitáveis, mas verdadeiros débeis mentais enquanto cidadãos. Para cada Lucas Moura que rende uma fortuna ao clube, há trezentos Casemiros que mal sabem fazer a barba mas se comportam como notívagos de carteirinha. Talvez Adalberto não tenha nenhuma culpa na misteriosa gestão de Cotia, que já despachou Raí e Renê Simões, ejetados por forças ocultas vindas de lá, mas, mais uma vez, na condição de diretor de futebol, ele precisava ter enfrentado o problema, mesmo que isso lhe custasse o cargo.

Para não dizer que discordo em 100% de Juca e Birner, concordo que muitos outros encostos continuam assombrando o futebol tricolor. É notória a incompetência e a vocação política de uma série de conselheiros cujo nome sempre circundam o futebol, ora com cargo, ora sem. Juvenal Juvêncio virou uma caricatura de si mesmo, sendo que mesmo em seu auge, não era um primor de dirigente – só encontrou uma estrutura azeitada. Em nome de uma vaidade narcísica, Juvenal varreu o São Paulo como um tsunami, e o resultado se vê em campo, com um time que parece de convalescentes, uma fogueira de vaidades e aquilo que deve conduzir o São Paulo à Série B: medo. Juvenal teve uma série de auxiliares em sua gestão estapafúrdia que andam pelas sombras (já o faziam em outros São Paulos de sucesso). Esses auxiliares mamaram muito do leite tricolor que agora está fazendo falta. Somente um milagre de muita habilidade interpessoal pode fazer com que Paulo Autuori evite um rebaixamento cada vez mais claro. Infelizmente, por causa de uma omertá asquerosa do mundo amador do futebol, não saberemos todos os nomes dos culpados pelo descarrilamento. O certo é que Batista – e Juvenal – estão entre eles.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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