Quase três anos depois de ter recusado uma proposta do Chelsea em um valor altíssimo, mas em pé com as transações do futebol europeu (35 milhões de euros), a saída de Neymar é anunciada de modo mais ou menos oficial (estas linhas estão sendo escritas num momento em que o Santos ainda não aceitou oficialmente a proposta). Ao permanecer três anos a mais no Santos, Neymar certamente ganhou um bom dinheiro (embora menos do que ganharia tendo ido para a Europa) e teve uma vida de popstar. Tirando a Rede Globo, que fez de Neymar o seu principal ‘asset’ nas transmissões do Brasileiro e Seleção, todos os outros envolvidos – Santos, Seleção e a carreira de Neymar – perderam com o negócio. Aplaudir a decisão de renovação do contrato do santista em 2010 é negar que o rei estava nu. E ele jamais esteve de outra forma.
Neymar sai do Santos num momento ruim sob todos os aspectos. A pequena estrela se sente injustiçada com a cobrança exagerada, com a apatia de colegas que ganham no máximo 10% de seu salário, com a perseguição frenética da mídia (que ele, na sua empolgação juvenil, ele curtiu por um tempo). Também se ressente o Santos, que nos últimos dois anos, não teve o jogador em cerca de 30% dos jogos, devido a compromissos que iam dos compreensíveis e justificáveis jogos com a Seleção até sessões de fotos com fotógrafos badalados em endereços do jet-set internacional. Ah, claro, a Seleção. Esta, com o fantástico tino gerencial de Mano Menezes, tentou colocar nas costas de um jogador de 18 anos, rigorosamente embasbacado com a fama, uma incumbência que faria os maiores nomes do futebol de todos os tempos transpirarem de ansiedade: vencer uma Copa do Mundo no Maracanã, 64 anos depois do ‘Maracanazo’, um evento tão marcante que deixou marcas fundas na identidade do povo brasileiro. Pelé foi o encarregado de fechar as feridas do ‘Maracanazo’ nos dando três Copas (duas como protagonista absoluto). CBF, Nike, Rede Globo e santistas ufanados, tentaram (e ainda tentam) esperar que Neymar eliminasse as cicatrizes daquele evento.
O atacante santista, contudo, não é Pelé – e diga-se o óbvio, ninguém mais é. O pachequismo do brasileiro, que tem sido bombado nos últimos anos por uma figura populista como a de Lula, com a escolha para sediar Copa & Olimpíada e com o renascimento de Neymar como a versão Dalai Lama de Pelé na Vila Belmiro, geraram um ambiente quase insano de hype em torno da Copa do Mundo com Neymar. Evento e personagem tornaram-se marqueteiros um do outro. Mas em campo, se o jogador criava pérolas de beleza contra Linenses e rascunhos ridículos de grandes clubes como o do Flamengo do 5 x 4, falhava invariavelmente nos momentos de dificuldade. Do Barcelona genial de Messi (que não trucidou o Santos por oito ou nove a zero graças ao cansaço e à falta de necessidade) até os tantos embates com o Corinthians (inimigo mortal que o Dalai Lama de Pelé certamente teria estendido no tapete), Neymar sentiu falta da retaguarda de colegas para dividir a responsabilidade.
Os principais nomes da Seleção de 2014 – Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Adriano – são frações do passado. O meia do Real Madrid, por conta de lesões; o ex-gremista, por ter perdido a noção do que é a vida de atleta; o último, porque se perdeu como ser humano. Neymar não podia chegar a 2014 com a responsabilidade de liderar. Assim como Pelé em 1958, Ronaldo Nazário em 1994 ou Ronaldinho Gaúcho em 2002, o santista tinha de ser preservado. E não foi. Agora, terá a duríssima missão de se adaptar imediatamente ao futebol europeu, fazer uma grande temporada e ainda ir bem nos amistosos da Seleção para não chegar ao Rio de Janeiro no ano que vem como Daniel na cova dos leões. Este roteiro – adaptação imediata à Europa + show na Seleção – é um feito que nenhum jogador brasileiro fez (talvez o ex-romanista Falcão).
O Santos pega uma parte ainda pior do osso. O clube tem um elenco que não é tão ruim que possa correr risco de rebaixamento, mas certamente que não vai render o possível, mesmo com a saída de Neymar. Não há um jogador santista que não se sinta menosprezado pela atencão dada ao atacante. Além disso, a quantidade de jogadores com salários fora da realidade – Arouca e Marcos Assunção para citar só dois – colocam o Peixe no pior dos mundos: um elenco entre medíocre e razoável, pago como um elenco de ponta e onde o treinador é visto como a causa do problema, graças ao pífio marketing do tal “DNA santista”, uma criação que mistura ufanismo com marketing desonesto para adoçar a boca da torcida e exigir somas maiores dos patrocinadores.
Por mais novo que seja, Neymar também tem parte da culpa – assim como seu pai, que é chefe de uma família sustentada pelo filho desde que esse ainda estava longe da maioridade. As escolhas de um adulto fazem ou deixam de fazer dele um homem desde o primeiro momento após o fim da adolescência. Todos os envolvidos em situações difíceis – Neymar, Santos, Seleção – podem se recuperar e evitar que a ressaca que a separação entre Neymar e Santos tenha conseqüências sérias. A pergunta, contudo, é: por que os envolvidos precisavam ter se colocado numa situação difícil dessas sem necessidade? Nos próximos 14 meses, certamente eles vão se fazer essa pergunta mais de uma vez.