Barcelona x Santos, a imprensa

“Foram muitas as comparações entre Barcelona e Santos, Messi e Neymar. Mas a distância entre eles foi enorme: 4 a 0 e um show”. Este é o abre da matéria do caderno de esportes da Folha de hoje, falando sobre a chacina de Yokohama. O texto simplesmente joga embaixo do tapete uma consideração importante que a imprensa não vai se fazer: foi ela que fez as comparações entre Barcelona e Santos e Messi e Neymar, motivada por incompetência ou interesse. Não seria o caso dela se retratar?

Durante todo este ano (aliás, desde o ano passado), “jornalistas” equiparavam o campeão da América e o campeão europeu, dizendo que seria um jogo parelho. Não faltou gente (aliás, muita gente) que afirmou que Neymar era melhor que Messi. Agora, assim como o texto da Folha faz, simplesmente se esquece que a imprensa abriu mão de suas obrigações e condena o derrotado. É Justo?

Não, não é. Os jornalistas que equiparavam Santos e Barcelona, Neymar e Messi, se dividem em três grupos, não necessariamente exclusivos – os incompetentes, os não-profissionais, os marqueteiros. No primeiro grupo, extremamente populoso, estão os que, por incapacidade profissional, realmente achavam que entre o décimo colocado do Brasileiro e o bicampeão europeu o hiato era pequeno. São profissionais mal-formados, que não estudam o assunto que abordam, seguem os clichês. Esses são filhotes da necessidade de uma “Semana de Arte Moderna no jornalismo esportivo brasileiro”, como disse José Trajano num seminário feito por ocasião do lançamento (sem trocadilhos) do diário Lance!, em 1997.

O segundo grupo, que se mistura fortemente  com o primeiro, conta com os opinionistas que fazem outra coisa da vida e falam de futebol porque “de futebol todo mundo entende”. São os cantores, cozinheiros, agitadores culturais, empresários e torcedores declarados que se imbuíram da missão messiânica (novamente, sem trocadilho) de entrar na própria negação, equiparando Piqué a Durval e Iniesta a Arouca. Aqui, em muitos dos casos, houve mais paixão e não-profissionalismo do que maldade.

O terceiro grupo é daqueles que disseram que o Santos era bom o suficiente para vencer o Barça para ficar de bem com a torcida. Afinal, dizer a verdade no jornalismo esportivo custa popularidade, algo que hoje, no mercado, vale mais do que exige a profissão. Um exemplo: neste ano, ouvi um colega dizer no rádio que acreditava sim no título do Botafogo, quando off the records, ele reputa o Botafogo como sendo “o time mais fracassado do mundo”. No episódio do Mundial, o marketing campeou, a ponto de um outro jornalista, dizer que “Messi era reserva de Ronaldinho“, uma verdade torta, que sugeria que ele não seria páreo para Neymar. Esses mantiveram a pose, ficaram “de bem” com a torcida e que se dane a quantidade imensa de santistas que realmente se decepcionaram porque acreditaram nas palavras desses “profissionais”.

Tendo trabalhado muitos anos cobrindo esporte, eu digo que para mim, isso ou não não é jornalismo ou é jornalismo mal-feito. Certamente houve outras, mas a única voz que eu me lembro afirmar desde sempre que o Barcelona era amplamente superior foi Tostão. A chance de sucesso do Santos existia, até porque a Inglaterra já perdeu para um time amador americano, o Real Madrid perdeu para o Alcorcón e a Itália para a Coreia do Norte. Contudo, não fazer uma leitura desinteressada para fazer moral ou ganhar jornal é uma síntese do jornalismo de hoje, como dizia uma orientadora minha, infotainment. Aos santistas lesados ontem, porque realmente acreditavam num jogo parelho, sugiro exigir perdas e danos aos profissionais que forneceram maus serviços. É mais do que justo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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