Barcelona x Santos, o jogo

Naquilo que era para ser uma partida ridiculamente alcunhada de “O Jogo do Século”, não houve partida. Nem jogos das primeiras fases da Copa do Brasil, que opõem times grandes a ficções esportivas, o massacre é assim cruel. O Santos e os santistas tiveram uma dimensão da diferença entre os dois times com a partida mais devastadora dos últimos anos. Depois do vexame que o pífio time do Internacional fez diante do Mazembe, o mediano time do Santos se ajoelhou e chorou diante daquele que deve vir a ser o maior time de todos os tempos.

Não é possível falar em partida. Como disse Casagrande, na transmissão, não dava para saber se o Santos estava jogando mal porque o Santos nunca tinha a bola. As estatísticas do jogo são dignas de amistosos de pré-temporada contra o time da igreja local. Eu não me lembro de outra partida em que um dos times tenha acertado 95% dos passes. Disse durante todo este ano que o Peixe tinha chances se o Barça estivesse num dia muito ruim e se os santistas fizessem um jogo épico. O que se viu foi o Barcelona no seu melhor contra um Santos jogando dentro de suas possibilidades.

Raramente critico Muricy, mas sua passagem pelo Japão foi vexatória. Primeiro, ao afirmar que Guardiola só seria o melhor técnico do mundo se ele vencesse com um time brasileiro; depois, de cometer o erro risível de escalar três zagueiros contra um time que consegue se abrir para a faixa lateral do campo com meia dúzia de jogadores. Por fim, ao sugerir que o esquema do Barcelona seria criticado no Brasil. Pensar que Durval pudesse parar Messi foi, provavelmente, o maior erro tático numa única partida jamais cometido em sua carreira. Muricy se perdeu na arrogância neste episódio e deixou isso levá-lo a decisões péssimas. Acontece e mesmo assim, ele ainda é o melhor treinador brasileiro em atividade.

Sem falar de Neymar (que abordo no post seguinte), o Santos foi subjugado por um time que, graças à qualidade do passe, não precisa correr e gasta suas energias trocando de posição. É diabólico de uma maneira que Deus aprecia. Além da avaliação da besteira tática de Muricy (que certamente não teria como vencer a partida nem que fosse uma mistura de Rinus Michels com Telê Santana), não há nada a se dizer.

Apesar da dor dos meus muitos amigos santistas, o resultado simplesmente explicita o que a obviedade mostra desde sempre, que o futebol sulamericano está sucateado pela gestão nociva do futebol argentino e brasileiro. Vencer a Libertadores é uma conquista relevante, mas não prova necessariamente um ótimo nível técnico (a mesma coisa vale para o Brasileiro e para o Argentino). Um sucesso do Santos teria auxiliado o processo goebbeliano de se contar uma mentira mil vezes para que ela vire uma verdade ou a prática stalinista de retocar as fotos para retirar pessoas e se recontar a história, que, no nosso caso, significa equiparar o potencial técnico do Brasileirão às melhores ligas do mundo.

O próprio Santos é protagonista nesse processo, cúmplice (e quase artífice) da mentira da “unificação dos títulos”, que está intimamente ligada à operação teixeiriana de convencer o Brasil de sua onipotência no futebol dentro de seu mandato. Em sua dor, o santista agora tem de voltar as recortes de jornal para se acreditar octacampeão e se convencer de ser um time à altura do Barcelona. Como no conto de Andersen, o imperador estava nu e a maioria das pessoas aceitava a verdade por causa do conluio de mentiras. Messi fez o papel do menininho que grita: “Mas ele não está vestindo nada!”.

 

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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