A quase uma semana de distância do evento, ainda não engoli a discussão sobre a saúde do ex-presidente e suas alternativas de tratamento entre seus seguidores sebastianistas e os críticos que querem vê-lo morto. A cada dez observações sobre o tema que vi, nove tinham duas coisas em comum: a intolerância e uma necessidade irracional de popularidade na rede. No fim, praticamente nada se salvou.
De um lado da briga estavam os que defendiam que Lula se tratasse no SUS – cuja tradução significa dizer que queriam que ele morresse, porque essa é a leitura da saúde pública no Brasil. Fosse uma indignação recorrente a todos os políticos, seria pertinente, mas não foi. A crítica nasce de um grupo grande de pessoas – não a minoria que os lulistas sugerem – que mastigam a frustração com as próprias vidas, enraivecidos pelo sucesso vulcânico de um brasileiro semialfabetizado que passou a ser o maior líder político depois da ditadura. A ódio da Lula nascido dessa cepa é comum e extremamente perigoso. Foi de um sentimento assim que se geraram movimentos políticos como o nazismo. Tomado pela frustração, uma sociedade pode se encaminhar ao caos ou, pior, à insânia. Das Weisse Band (no Brasil, A Fita Branca), um filme do austríaco Michael Haneke, trata do assunto com propriedade.
O backlash foi imediato. A condenação ao ataque a Lula foi vigorosa nas redes sociais, com o argumento de que o desejo era somente um ataque a um líder popular e que isso não se deseja a ninguém. O problema é que esse discurso, apesar de aparentemente democrático, só se deu porque se tratava de Lula. Caso o ataque fosse a um político fora do espectro petista, seria visto com schadenfreude. Poucos dias antes, o linchamento/curra com cutelaria ao vivo de Muammar Gaddafi não gerou um centésimo dessa indignação. Na realidade, a defesa messiânica de Lula teve muito mais um caráter reacionário do que democrático, como um todo. O debate político está tão viciado que nenhum dos dois lados (o que em si já é uma coisa ruim, porque sociedades desenvolvidas não têm somente dois pontos de vista) percebe que já reage por instinto, não por raciocínio.
Por fim, houve a necessidade mediática de 99% das externações de revolta. Os textos – quase todos – que eu li buscavam unica e exclusivamente o aplauso fácil. Imediatamente me lembrei dos ciclos de debate da FFLCH, a faculdade de ciências humanas da USP, que jamais leva pensadores liberais para discussão e fica numa eterna masturbação sociológica ou então dos debates da UDR onde os fazendeiros defendem derrubar florestas para lucrar mais sem consultar um especialista em meio-ambiente. Os opinionistas – lulistas e anti-lulistas – falavam somente para o seu coxo ideológico, recebendo congratulações, “Likes” e agressões. Um único texto dentre as dezenas que eu li tinha um caráter propositivo de alguma forma, e mesmo que condenando somente um dos “lados” da discussão, atentava para o fato de que o ódio inerente à discussão não tinha nada de positivo.
Instintivamente, pensei em responsabilizar o Brasil, que é um país autoritário, anti-democrático, completamente avesso à discussão e à democracia (inclluindo esquerda e direita, que tem um apego ao poder e uma incapacidade de se remodelar segundo críticas dos oponentes rigorosamente iguais). O Brasil é tudo isso, mas uma rápida análise mostra que essa doença não é daqui. Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Espanha e várias outras sociedades que já foram democráticas estão se afastando da democracia para uma característica bipolar esquizóide. Não há discussão nem debate, só acusação. Você tem de escolher um lado. A alternativa é ser inimigo de todos.
Daí, eu pensei: Meu [sim, eu sou paulista, não consigo nem pensar sem esse “meu” garoado], que bosta de mundo é esse, onde as pessoas só querem ganhar mais dinheiro, ganhar mais “Likes”, ser “curtido” e parecer ser legal? Que lugar a gente está fazendo que uma senadora pecuarista vem falar, do alto da sua ignorância, que proteger a natureza é crime lesa-humanidade? Que o governo desautoriza o IBAMA a tentar impedir a sanha descontrolada das empresas? Que bancos cobrem tarifas para desempregados receberem seguro-desemprego? E onde qualquer idiota polemista escreve textos para ganhar “likes”, sem se dar conta de com o aquilo se amalgama em mais ódio coletivo? (não tenho como linkar nada aqui porque não consegui achar o “pior” texto).
Não cheguei a nenhuma conclusão além da de que mesmo muitas das pessoas sensatas que eu conheço (e são poucas) foram cooptadas pelo trend da intolerância, confundem democracia com democratura, acham que existe a opinião delas e as opiniões erradas. Aqui, não se trata de achar isso ou aquilo (por isso nem vou bater na tecla do que eu acho do ex-presidente). Para nosso azar, o SUS não atende quem está com o bom senso em coma.
Ah, eu tenho “Das Weisse Band” gravado aqui faz um tempo, obrigado por me lembrar de vê-lo.
Belo texto, sintetiza muito bem o que ocorre não só aqui, mas no mundo. É só olhar pros EUA, onde um jornalista teve a coragem de afirmar que quem não paga muitos impostos por ganhar pouco é sortudo.
Depois do imenso lixo que foi a campanha da eleição de 2010, não me surpreendo com mais nada em relação à política brasileira. Cada vez mais, penso que a única solução pra isso aqui é alguém ir destampar o ralo para deixar escoar toda a lama que cobre esse país, assim como a tinta da caneta cobre a festa dos ricaços na abertura de ‘Deus nos acuda’. E que Deus nos acuda…
“O debate político está tão viciado que nenhum dos dois lados… percebe que já reage por instinto, não por raciocínio.” Este trecho também define, e bem, o cenário político dos E.U.A. onde resido. Parabéns pela análise.
Só pra ficar claro, não sou a favor e contra o Lula. Só acho que a discussão está num nivel dos mais baixos, pra deixar os debates eleitorais com inveja do tom…
Se o Lula de fato fosse se tratar no SUS, os mesmos que dizem para ele se tratar lá iriam dizer que ele estaria “roubando” o lugar de uma pessoa que não tem condições financeiras de se tratar em hospitais caros e etc.
E amigo, intolerância e necessidade de popularidade estão em alta como nunca estiveram antes.
Aqui também estou na outra extremidade. Venho acompanhando essa discussão toda na web e lamento muito pelo tom de alguns comentários que andei lendo lá pelo início desta semana. Eu sou daqueles que acreditam que o drama humano prevalece sobre todo o resto que experimentamos em nossas vidas. Assim, espero que o ex-presidente Lula consiga superar esse momento e possa prosseguir sua vida da melhor forma possível.
No entanto, também preciso dizer que, embora condene os ataques – é absolutamente covarde o ato de se atacar uma pessoa fragilizada por qualquer motivo – que ele sofreu/vem sofrendo na web, considero-os de certa maneira compreensíveis. Lula, ao longo de toda sua carreira política, fez pouco ou mesmo nenhum esforço no sentido de dialogar com uma parcela da população. Ao contrário! Não raros foram os momentos em que, de maneira absolutamente gratuita!, ele elevou o tom do debate, exacerbando o clima de Fla x Flu que toma conta da nossa política já tem algum tempo.
É óbvio que uma coisa absolutamente não justifica a outra, mas o ex-presidente não pode agora bancar a vítima.
Mas em uma coisa concordo contigo: essa questão toda diz muito – muito mesmo – sobre a sociedade que criamos. Não é de hoje que acho que, como canta a Joss Stone, less is more.
Nesse caso ele morreu pela boca:
http://www.youtube.com/watch?v=Sb2hoU-1AHU&feature=player_embedded#!
Dá até vontade de ficar doente pra ser atendido.