Chupa, torcedor!

Outro dia, eu estava me lembrando de como era quando eu assistia futebol quando criança. Meu pai e meus familiares se reuniam em casa para assistir futebol aos domingos, preocupados com o time para o qual a maioria da minha família torce. Nas minhas lembranças de infância, não me lembro de, nenhuma vez, ter ouvido algum adulto xingando um outro clube quando celebrava um gol. Celebrava-se somente o nosso time (e a regra era a mesma para torcedores de outros clubes). A felicidade era pela vitória, não pela desgraça alheia.

Nas vizinhanças da casa onde morei até o ano passado, reside um cidadão. Esse cidadão é corintiano. Em rigorosamente todas as partidas dos campeonatos brasileiros (incluindo os estaduais), esse cidadão celebrava os gols do Corinthians e também os gols que São Paulo e Palmeiras sofriam, gritando da janela de seu apartamento. Contudo, ele nunca, durante o período de dois anos em que morei na sua vizinhança, celebrou “Corinthians!”. Sempre mandava sãopaulinos e palmeirenses “chuparem”. Era possível saber quando o Corinthians fazia gols ou quando São Paulo e Palmeiras sofriam tentos pelo update dado pelo vizinho. Eu não tinha dúvidas de que meu vizinho de rua não passava de um ser humano profundamente infeliz e frustrado. Apesar de ter um time seu, sua grande alegria era agredir os torcedores de outros clubes.

Esse cidadão frustrado torce para o Corinthians, mas a sua doença é uma doença moderna que se divide entre torcedores de todos os clubes. Perdeu-se a capacidade de se celebrar o gol pelo gol, a alegria de comemorar o que o próprio time fez. “Chupistas” sãopaulinos, flamenguistas, gremistas e cruzeirenses dão o tom em maioria esmagadora quando se sentam em frente a uma TV. E a alegria de ir ao estádio ou reunir os amigos sumiu, dando lugar unica e exclusivamente à “tiração de sarro”, um esporte que o brasileiro parece adorar, mesmo que isso o transforme num escroto. Sei que há muita gente boa que vê na gozação uma coisa positiva, mas o que eu sempre achei é que o brasileiro jamais soube ser razoável. A gozação quase sempre acaba em humilhação e hoje, mais do que nunca.

Não sei medir até onde há responsabilidade da mídia, até onde há responsabilidade dos jogadores ou de quem quer que seja. Com certeza, há alguns tumores visíveis, como por exemplo, cartolas que não perdem a oportunidade para acirrar a rivalidade entre dois clubes, ou jogadores – que já não são os indivíduos mais inteligentes da natureza – dando demonstrações de “apego” aos atuais empregadores que passam por humilhar adversários. No fim, acho que a culpa é mais do torcedor mesmo, que está sendo cada vez menos gente e cada vez mais irracional, algo que se encaixa bastante com o tipo de gente que quer que Lula morra de câncer sem atendimento e daqueles que se indignam quando atingidos, mas dão de ombros quando o ataque é nos outros.

Hoje, em cidades densamente populadas como São Paulo, o horário do futebol brasileiro é o horário de se ouvir xingamentos. Ponha a cabeça para fora da janela, e você verá os “chupistas” em ação, xingando furiosamente o adversário, como meu ex-vizinho. Ele não se dá conta de que seu time é mediocre, que a CBF retomou todo o poder que tinha perdido nos últimos anos, que a Copa do Mundo será paga com o dinheiro do contribuinte indo para o bolso dos empreiteiros. Nada. Ele não se dá conta de nada. Esse torcedor tem mesmo é de chupar – e muito. O desesperador é que todo mundo acaba chupando também.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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