seleção com “s” minúsculo e o Ronaldo de Vichy

Esperei para escrever este post depois dos dois jogos da Seleção para poder fazer um apanhado mais completo, incluindo sobre a capacidade brasileira e da CBF de organizar partidas de seleções. O resultado é bastante previsível: a CBF e sua corte de Larry, Curly e Moe não têm competência para organizar nem a quermesse da paróquia de Ribeirão Pires. E do futebol, os resultados são pouco melhores. Mas isso é irrelevante.

Vamos começar pelo que tem solução: o Brasil de Mano Menezes é tosco, mas tem conserto. Contudo, é ilógico pensar em algo diferente. Mano é um técnico modesto para padrões absolutos, bom para padrões brasileiros. Tem uma carreira em que venceu duas Copas do Brasil, dois Estaduais e duas promoções para a Série A. Apesar da emoção mediática das conquistas da “Batalha dos Aflitos” e da Copa do Brasil de Ronaldo, seus times jamais estiveram além do esforçado. Mano tem concepções táticas simplórias que se refugiam atrás de um discurso empolado que me recorda muito o de Tite. A diferença entre os dois (que são genéricos de Luis Felipe Scolari) está no tempo na praça: ninguém mais compra o discurso de Tite; Mano ainda não saturou. E para quem acha Mano um gênio, vale uma observação nos seus índices de aproveitamentos nos clubes que dirigiu – todos ao redor dos 60%, apesar de contarem com temporadas na Série B dirigindo titãs como Corinthians e Grêmio).

Assim, imaginar que um time de jogadores moídos por uma temporada europeia (e algumas lesões importantes) nas mãos de um treinador mediano poderia trazer um novo Barcelona é a típica esperança do Pacheco movido pelo ufanismo de Galvão Bueno. Nessa seleção, onde os – poucos – candidatos a craque estão cansados e/ou lesionados (Alexandre Pato, Ganso, Daniel Alves) ou ainda não conseguem se barbear direito devido à pouca idade (Neymar, Lucas, Leandro Damião), um futebol burocrático é o óbvio. Sim, claro, há a esperança vã dos Pachecos que Thiagos Neves, Elias, Freds, Robinhos e Ramires possam dar um passo adiante e se converterem nos nossos Messis. Sorte deles que existem cadeiras no mundo.

Digo que o resultado é irrelevante porque às vésperas da última Copa América, o futebol da seleção de Dunga variou entre o medíocre e o razoável. Só que, na final, bateu a Argentina. Daí, tudo de ruim foi para baixo da mesa e Dunga foi celebrado por Galvão Bueno e pela imprensa oficial do Estado como o homem certo para a conquista da Copa (opinião que se alterou quando Dunga passoua recusar exclusivas). Ou seja: o time de Mano pode jogar o mesmo futebol tosco, vil e biltre do de Dunga. Ganhando a Copa América, ele será um gênio e Pachecos embebidos em hormônios celebrarão a consagração de um novo estrategista. Até algo dar errado.

Por fim, a conclusão óbvia da organização digna dos Jogos Abertos do Leste da África envolvendo os amistosos contra Holanda e Romênia. Numa instituição que não tem profissionais em nenhum nível de sua organização, imaginar que existe um germe de capacidade para organizar uma Copa do Mundo desafia até os Pachecos mais desgovernados em seu puxassaquismo. Posto isso, ingressos a preços escorchantes, filas, empura-empurra e estádios risíveis, tudo estava dentro do normal. O símbolo desses dois amistosos, para mim, contudo, está em Ronaldo recebendo um presente de Ricardo Teixeira, seu mais novo ex-ex-amigo. Me senti como um francês vendo a posse do Governo de Vichy. Ronaldo tinha a obrigação de ter tido mais consideração com sua própria imagem. Como diria Boris Casoy: isto é uma vergonha.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top