Muito, mas muito mais relevante do que Gattuso xingando Leonardo, foi uma conclusão tirada por um magistrado de Napoli quase no mesmo dia em que estourou a “bomba” de Leonardo-Gattuso. A conclusão era inequívoca: segundo o juiz, há provas da manipulação de resultados por Luciano Moggi com um grupo de árbitros da Série A italiana.
De Santis, Bertini, Racalbuto, Dattilo e Pieri eram os árbitros envolvidos. Ele recebiam instruções de Luciano Moggi através dos designadores de arbitragem Bergamo e Pairetto (este último chegou até a apitar jogos do campeonato paulista na gestão Eduardo Farah para evitar “polêmicas”, ironicamente). Bergamo e Pairetto davam aos árbitros cartões telefônicos pré-pagos da Suíça, para que não fosse possível rastrear as ligações telefônicas dos homens de preto (bem, agora, às vezes de amarelo ou qualquer outra cor) com Moggi. Há provas, culpados e ainda assim, nada terminará em punições severas.
O desenrolar infinito do caso não deve levar ninguém a pensar em uma situação bem-contra-o-mal no escândalo. Sim, Moggi era o todo-poderoso com maior controle da situação, mas sua atuação não era pró-Juventus – era pró-Moggi. com solicitações para partidas de vários clubes (e não só da Juve), Moggi angariava “favores” que posteriormente se convertiam em benefícios para ele (quando fosse comprar um jogador, por exemplo), para seu filho (que é empresário de jogadores e um dos sócios da finada e malfadada GEA) e “até” para a Juventus, que quando vencia, valorizava sua atuação como dirigente.
Contudo, as investigações do PM napolitano Narducci (e dos magistrados anteriores) não deixaram de notar ingerências e pressões por parte de pessoas (e às vezes até dirigentes) ligados a Inter, Milan e Roma. Essas conclusões não são recentes, mas são pertinentes de serem feitas aqui para desmistificar o fato de que a Juventus vencia seus títulos só por causa de roubalheira arbitral e que Inter, Milan, Roma, Lazio, Fiorentina, etc, eram prejudicados. Giacinto Facchetti, braço-direito de Massimo Moratti, conversava com tanta freqüência com Bergamo e Pairetto quanto Moggi (e fazia as mesmas solicitações que Moggi fazia); a Roma presenteava os árbitros com relógios Rolex antes das partidas; Leonardo meani, funcionário do Milan, ligava aos árbitros pressionando e falando “em nome” de Adriano Galliani; Della Valle e Lotito trocavam “favores” com Moggi, uma vez que tinham menos influência no sistema. Não havia inocentes e por isso, também não havia vítimas.
Franco Carraro, provavelmente o dirigente mais poderoso do futebol italiano (além de ex-ministro, prefeito de Roma, deixou o cargo na Federcalcio, mas ainda é membro do conselho do grupo bancário mais poderoso da Itália, Capitalia, que teve participação fundamental na venda da Roma), continua como eminência parda no sistema; jornalistas envolvidos no escândalo, como Carlo Longhi e Enzo Biscardo, seguem nas suas profissões. ‘Calciopoli’ mantinha uma trupe criminosa no poder que, exceção feita a Luciano Moggi e meia dúzia de ábritros obscuros, ainda está exatamente no mesmo lugar de poder que tinha antes do escândalo. Adriano Galliani mantém-se no mesmo cargo que ocupa há décadas. Os personagens que não estão mais em cena sumiram por falecimento e por causas naturais. Corruptos e corruptores seguem no mesmo lugar.
O esquema falseava resultados, mas não determinava quem seria ou não campeão, pura e simplesmente. Interistas certamente hão de gritar contra e dizer que tinham suas chances alijadas, que mereciam ganhar os títulos, mas esquecerão de que teriam tido o rebaixamento certo por conta da utilização de Recoba com passaporte falso em mais de duas temporadas (situação na qual Franco Carraro socorreu Moratti), das mutretas contábeis feitas com o Milan “vendendo” jogadores da base por milhões de euros ou então nos benefícios que Moratti tinha na sua empresa petrolífera com as aproximações feitas por esse núcleo de poder comandado por Carraro (e por Cesare Geronzi, pai de Chiara Geronzi, uma das sócias da GEA). Romanistas idem, mas a entrada da Roma na Bolsa de Valores (que culminou no título de Capello e Batistuta) também só se deu com a mão de Carraro. Não é preciso lembrar aos milanistas que Berlusconi não governaria a Itália sem o apoio da antiga e corrupta Democracia Cristã (à qual Carraro era filiado), praticamente a base de seu poder político ou então do rebaixamento em 2006 evitado em troca de uma patética punição por pontos. Mesmo com arbitragens comprovadamente “compradas” (o famoso pênalti não dado para a Inter em Inter-Juve em 1998, ou o penal em Del Piero em Samp-Juve), no final das contas, todos se beneficiaram de alguma forma, em detrimento da paixão do torcedor – que esse sim, perdeu sempre. Tivesse o escândalo tido as proporções devidas em 2006, a Juventus teria sido rebaixada à terceira divisão, Milan, Lazio e Fiorentina, à segunda e a primeira divisão perderia tanta receita que exceção feita à Inter, praticamente todos os clubes quebrariam. Em vez disso, praticamente nada aconteceu.
O grande drama do futebol italiano parece muito com a sua situação política: as velhas e arcaicas estruturas de poder de Moggi, Berlusconi, Moratti, Carraro e afins sufocam quaisquer renovações que tentem surgir. O resultado é um sistema podre (tanto sob o ponto de vista dos princípios como de sustentação). Politicamente, a Itália vive uma situação que os ingleses chamam de stalemate, um impasse, onde o status quo governa, mas com uma vantagem tão frágil que impede reformas desesperadoramente necessárias. No futebol, ‘Calciopoli’ teria feito a varredura necessária, mas o sucesso da Copa do Mundo manteve todos os poderosos em seus lugares (o mesmo que ocorreu no Brasil com a vitória em 2002). Lá, como aqui, a corrupção parece ainda segura demais no poder para se ver ameaçada, e por isso, as mudanças parecem uma miragem, mesmo com conclusões e provas da culpa dos envolvidos. A verdade e a justiça vem sendo lentamente esganadas e sufocadas desde 2006 e com ela, as chances do calciode se recuperar. O retorno da força do futebol italiano passa por esta renovação. E ela pode levar décadas para acontecer.
Michel
aquela Inter era limitada, Ronaldo era o diferencial. Muito inferior a Inter dos últimos anos.
Clarissimo! Abs
O roubo naquele jogo foi mesmo muito descarado (não só pelo pênalti dado, mas pelo pênalti não dado um minuto antes). Mas aquele time era medíocre sim. Sim, tinha o Ronaldo e tinha o Djorkaeff que era razoável. Todos os outros citados, contudo, são no máximo, médios. Sei da sua adoração pelo Zanetti (compreensível, dada o apego dele à camisa do time), mas tecnicamente, ele não é mais que esforçado, assim como eram os outros. Independentemente disso, a Inter manteve o passo ao lado de uma Juventus realmente excelente (Davids, Zidane, Del Piero, Inzaghi, Montero) e teria sido campeã se não fosse o assalto do Se Santis. abs
Cassiano, eu não chamaria aquela Inter de ridícula. Não com jogadores como Pagliuca, Zanetti, Winter, Djorkaeff, Simeone e Zamorano mais o citado Ronaldo em momento fantástico. E, mesmo se fosse ruim, isso não invalidaria o roubo descarado em favor da Juventus. abs
A justiça italiana é muito parecida com a brasileira em termos de trâmites. Há esses órgãos, mas a limitação entre rês pública e rês privada limita a ação possível. Além disso, os prazos são longos demais. A Uefa está tentando fazer a legislação do fair play para aumentar a transparência, mas é difícil proque gente demais ganha grana com isso. abs
Não basta, Boni. É como o locus social do Durkheim. O ladrão não é ladrão porque quer, mas porque a organização social cria um espaço que acaba obrigatoriamente sendo preenchido por alguém. Se eles morrerem, entram outros no lugar. A situação, para mudar, precisa de uma cisão, uma ruptura – exatamente a que Calciopoli teria trazido. abs
Para mim, ele sai da Fiorentina; Milan, Inter e Juve disputam ele, com a Inter em primeiro lugar colada na Juventus. abs
Eu vejo da seguinte maneira: o Moggi sim era o mais culpado e a Juventus se beneficiava indiretamente. Mas se você participa e se aceita favores de um esquema corrupto, não pode se queixar dele em termos de resultados. É nisso que eu me fio para colocar todo mundo na mesma bacia. Também é verdade que Inter e Milan facilitavam (afinal, contratar craques como Domoraud, Brncic, Gilberto e Jose Mari não montam grandes esquadrões). O problema lá era a aceitação da corrupção pelo sistema. É como o Zeman dizia: “Moggi tem o mérito de comandar o futebol italiano. Mas tem a culpa de fazê-lo mal”, disse o tcheco pelo menos dois anos antes do escândalo, em 2004. E em 1998, o time interista também era ridículo (Cauet, Galante, Bergomi versão Tutancâmon, Moriero, Fresi, Milanese – mas tinha o melhor Ronaldo de todos os tempos, que lhe valeu o apelido de Ronaldo Fenômeno). abs
Giuliano, sim a crise é grave e sistêmica, mas não é de se perder as esperanças. Afinal, desde Roma que a península passa por crises e mais cedo ou mais tarde, sai delas. abs
O problema é que os grandes cartolas da Itália se acham maiores do que as instituições do futebol italiano. Eles que fazem as regras… Estão acima do bem e do mal.
Cassiano, e aí, tudo bem?
Que triste acontecerem essas coisas na Itália, um país de primeiro mundo, que teve a liga mais charmosa da Europa uns anos atrás. Eu sempre imaginei que na Europa até pudesse ter casos de corrupção, mas que a punição fosse mais exemplar.
Mas então, não conheço o sistema jurídico italiano, mas lá tem algum órgão como o Ministério Público, que fiscalize e denuncie esse tipo de coisas? Porque essas acusações são graves, e além da reputação dos clubes, acaba abalando o futebol italiano como uum todo. E a UEFA, não pode tomar alguma providência, no sentido de exigir maior transparência?
Enfim, esperemos por dias melhores no calcio, e que os clubes italianos façam um bom futabol na UCL e na Liga europa.
Concordo, só depois do falecimentos dos Berlusconis, Gallianis. Moggis e Sensis as coisas irão melhorar, mas a esperança é que essa cultura de bastidores mude, aí é que eu acho dificil, essa cultura de bastidores mudar.
Só para sair do assunto: Você sabe alguma coisa de uma possível contratação do Montolivo pela Inter?
Concordo que não havia ninguém inocente nessa história, mas existe o mais culpado: Moggi era o regente do esquema e, não por acaso, sua Juventus foi o time mais beneficiado durante o período. Inter e Milan, só para citar os maiores rivais, foram claramente prejudicados em confrontos diretos que decidiam títulos em 98 e 2006. Enquanto isso, a Juve (praticamente) nunca foi roubada no período.
No mais, concordo com o Gílson sobre a mediocridade das versões interistas durante o reinado Moggi. Excetuando 98, quando o scudetto foi verdadeiramente decidido no apito.
Abraços.
Cassiano,
eu não tinha a idéia da dimensão (descomunal) desse esquema. Até por ter um contato maior com o país(já estive lá por duas vezes e trabalho em uma empresa italiana) e imaginava que o buraco era mais embaixo do que tinha sido noticiado sobre o Calciopoli, mas nunca imaginei que a coisa fosse tão colossal. Fica difícil ver uma luz no fim do túnel para o futebol italiano diante disso tudo, como você mesmo diz, uma mudança de paradigmas provavelmente levaria décadas.
Se eu já tinha perdido as esperanças em relação ao futebol brasileiro, depois desse retrato que você acaba de pintar, também as percos pelo querido calcio.
🙁
Verdade para as duas coisa. Leandro Meani e 1998 (campeonato 97/98). abs
É isso aí. Mas é preciso dizer que estou chocado com o fato dos “honestos” não serem tão honestos assim. Meu mundo acaba de cair – pela enésima vez! 😛
E sempre defendi que o título de 2006 a Juve ganhou no campo, pois era bem melhor que a concorrência. Os erros de arbitragens naquele ano foram normais. Em 2005 é que creio ter ocorrido um descalabro, com um número muito grande de favores pró-Juventus na reta final daquele campeonato.
Nas temporadas anteriores, quem montava boa equipe ganhava. Roma e Lazio estão aí para provar. A Inter não ganhava porque tinha um elenco inundado de gente como Choutos, K. Gonzalez, Cauet, Almeyda etc.
Também defendo faz tempo a tese de que os árbitros envolvidos no Calciopoli não eram lá tão inteligentes assim. Pela quantidade de relógios que receberam durante aquele período – além da Roma, existe a suspeita de que o Milan também brindava os homens de preto, amarelo, azul etc. com esses mimos – , deveriam ter largado logo o apito e mudado para o comércio. Arnaldo César Coelho seria fichinha perto desse pessoal. 😀
Para finalizar, dois rápidos adendos: o nome do testa de ferro do Milan no Farsopoli não é Leandro Meani, em vez de Leonardo Meani? Ah, e o ano daquele celebérrimo encontro Ronaldo-Iuliano foi 1998, e não 1999.