Nos últimos meses, as candidaturas brasileiras para a Copa e a Olimpíada geraram em certa parte do Brasil uma espécie de ufanismo patriótico. A conquista do direito de sediar os eventos foi vista como uma prova de amadurecimento do país, suas instituições e sua gente. Consequentemente, a crítica aos mesmos foi taxada de impatriótica, coisa dos ranzinzas que são contra tudo e contra todos.
Digamos o seguinte: não acho que ninguém deveria compartilhar da minha opinião – que é, como era a de que o Brasil não deveria sediar os eventos. Acho que cada um tem direito de achar o que quiser. Contudo, nós não vivemos em uma sociedade naturalmente democrática. No Brasil, ser “democrático” signfica tera opinião similar à vigente. É um conceito típico de países ditatoriais ou que experimentam a democracia há pouco tempo. Vivemos numa espécie de “democratura”.
Vi vários jornalistas, nos últimos dias, se “defendendo” por não terem abraçado as candidaturas de 2014 e 2016. O argumento geral era o do “na verdade, não sou contra, mas sou contra a bandalheira com o dinheiro público”. Acho, sinceramente, que esta postura é leviana, para não dizer pusilânime. Eles não devem – ou não deveriam – ter de sentir a necessidade de se desculpar por ter opinião. Especialmente porque quando vierem à tona as denúncias de fuzarca com o dinheiro público, eles voltarão, com certa razão, dizendo “eu já tinha dito”.
O Brasil tem capacidade técnica e intelectual de sediar esses dois eventos, claro. O que falta ao Brasil são instituições sólidas para garantir que não haja farra com o dinheiro público nem uma imprensa forte e desinteressada o suficiente para fazer a pressão necessária para garantir lisura. Tivemos um exemplo disso no Pan, teremos outro na Copa e um terceiro na Olimpíada. Isso não é conjectura: é fato.
A matemática de botequim demonstrada pelos gestores das candidaturas, de que só há benefícios num evento do tipo, convenientemente não levam em conta, por exemplo, os índices de corrupção no Brasil. Nosso país está numa vergonhosa 70a. colocação, atrás de potências como El Salvador, Namíbia, Jamaica e Seychelles. Também não levam em consideração nosso péssimo histórico (recente e não) de punição em casos de desvio de dinheiro ou o fato de que o governo vem, paulatinamente, aumentando o gasto com folha de pagamentos e tal medida tem impacto nas contas a médio prazo. Isso para não dizer o mais simples: eu não confio em pessoas da estirpe de Ricardo Teixeira ou Carlos Nuzman para conduzir empreitadas do gênero.
Ninguém vai falar sobre o assunto porque não é interessante para nenhum grupo de mídia abordar o fato que seus clientes/anunciantes estão envolvidos em possíveis situações de corrupção. De uma maneira geral, o tratamento dado à questão é o do “silêncio prudente”, do tipo “sim, vamos fazer porque é legal, mas fiscalizando”. Aqueles que preferirem uma opinião diversa têm garantida a antipatia dos patrões – o que é dificlmente uma condição agradável.
Sim, Copa e Olimpíadas são chances para o Brasil ter grandes ganhos. Só que não é por isso que o presidente da república apoia o evento, nem porque os meios de comunicação decantam as vantagens de ser uma sede nem nada. Lula está cimentando o seu retorno ao poder, no melhor estilo dos políticos que ele criticou até 2002. O Brasil terá um legado desses eventos. E nem todos serão nefastos, como um estádio ridículo para fantasmas em Manaus nem praças esportivas que ficarão às moscas (vide Panamericano) no Rio. Certamente, teremos ganhos. O único, grande, gigantesco problema, é que o preço que nós pagaremos por eles será dezenas de vezes maior do que o devido. A diferença será embolsada pelos tubarões de sempre, aqueles que vivem há séculos do suor alheio – no fim, uma característica coerente para uma nação forjada na escravidão.
Como funcionário público, já cansei de ver obras que superam e muito a realidade, desde a reconstrução de uma escola estadual de porte médio na pequena Antônio Carlos que vai custar 1,1 milhões de reais até o absurdo e faraônico centro administrativo orçado em mais de 1 bilhão que o governador Aécio Neves constrói em Belo Horizonte.
Tudo isso me faz ter a certeza de que boa parte da quantia destinada à Copa 2014 e aos Jogos 2016 vai parar nos bolsos já abarrotados dessa gente e que o legado desses projetos deve ser muito menor do que se promete.
No entanto, uma conversa com dois amigos mais velhos me fez ver a situação também por outro ângulo. Eles enfatizaram os muitos empregos diretos e indiretos que as obras e os eventos vão gerar e constataram o óbvio: Independente da realização ou não, os estupros aos cofres públicos vão continuar acontecendo de uma maneira ou de outra. Se não acontecerem nesses eventos, vão acontecer na construção de estradas, escolas, pontes, viadutos e em tudo que estiver envolvido o dinheiro do contribuinte.
Não tive como discordar. Como administrador, sei bem como essa engrenagem funciona. Além disso, não é possível negar o bem que abrigar competições desse porte pode fazer à auto-estima do brasileiro e perceber quanto crédito nosso país tem hoje no mundo, sobretudo por se tratar de uma nação cuja economia não para de crescer e que no futuro deve se alinhar perfeitamente às cinco maiores do planeta.
Assim, só resta torcer para que a fiscalização de ONGs e imprensa seja a melhor possível e que o povo possa desfrutar – pelo menos pela TV – dos espetáculos que o seu dinheiro suado estará patrocinando.
Não posso falar rigorosamente nada acerca da imprensa brazuca. Mas é ruim que esteja nesse nível. Como diria um antigo professor que tive em Marketing Estratégico, devemos tentar sempre evitar a “água morna”.
E se puder acrescentar algo ao teu texto, diria que nos falta também uma melhor experiência de gestão pública de projetos. Infelizmente a LRF – que obriga o gestor público a criar o PPA e nele colocar as diretrizes, objetivos e metas de seus projetos – foi criada apenas nove anos atrás e agora é que começa realmente a ser bem entendida. E a culpa disso é da nossa sociedade, que não conhece a própria Constituição.
Quanto ao que pode acontecer, qualquer pessoa com razoável conhecimento de como as coisas funcionam no Brasil sabe que algumas pessoas não devem ter dormido de ontem para hoje, já festejando a montanha de dinheiro que irão receber em decorrência das inevitáveis obras que serão realizadas para receber os jogos. Mas não creio que será uma coisa epidêmica. A conferir…
Cassiano, ainda estou me recuperando da notícia. Minhas complicações gástricas ainda vão me manter de cama por algum tempo. É sério cara, ufanismo é doença e eu tenho que consultar um médico, sei lá, porque já deve existir algum câncer no meu estômago de tanto oba-oba.