Porque um treinador é treinador

No primeiro jogo de Fabio Capello como treinador da seleção, em fevereiro do ano passado, um 2 a 1 chorado em cima da Suíça em Wembley, ele foi muito criticado. Ao usar só um atacante – Rooney – e três meias, teve seu esquema comparado às seleções de Eriksson e McClaren. “Eu gostaria de ver a Inglaterra jogando com o “tempo” da Premier League. O time está muito lento”, dizia o ex-atacante Alan Shearer.

Capello naturalmente não se incomodou com as críticas. A Inglaterra vinha de uma desclassificação para a Eurocopa e ele era mais um estrangeiro no comando da seleção, coisa que Shearer, Mark Lawrenson, Alan Hansen e dezenas de outros ex-boleiros – ingleses – abominam.

Com Lampard machucado, o técnico pôde escalar só Gerrard, mas a cobrança inglesa era a de que os dois jogassem juntos – ainda que ninguém soubesse explicar como. E sem um centroavante goleador, entre outras carências, foi fazendo experiências até chegar ao massacre da Croácia na quarta – ironicamente, a mesma Croácia que tirara a Inglaterra da Eurocopa passada.

Pouco mais de um ano depois, a Inglaterra tem uma seleção – a melhor que eu me lembre desde a década de 80. Capello encaixou Gerrard e Lampard, adiantando o segundo e deslocando-o para a esquerda nas ações ofensivas; encontrou em Gareth Barry o primeiro volante que precisava e em Aaron Lennon o sucessor de Beckham na direita. E sem alternativa de goleador, achou no improvável Emile Heskey o parceiro de ataque de Rooney.

Heskey é o jogador inglês mais odiado por sua mania de se jogar quando recebe uma falta. Um “enganador”. Mas sob Capello – assim como era sob Eriksson – é fundamental. Muito grande fisicamente, o italiano sacou que podia tirá-lo da área, onde ele se jogava à toa e arrastá-lo para a meia lua. Lá, jogando como Aloisio fazia no São Paulo, prende a bola com seu 1m88, dando tempo para Gerrard, Lampard e Lennon se aproximarem e para Rooney se posicionar.

Apesar de ter bons jogadores em várias posições, a Inglaterra era capenga em várias delas. Não tinha um meia esquerda, um centroavante de área, um primeiro volante e um goleiro. Capello reinventou Gerrard para não precisar de um meia canhoto, puxou Heskey da área para suprir a ausência de um centroavante (como a Hungria fazia com Hidekguti nos anos 50), improvisou Barry como volante (ele é lateral-esquerdo de origem). A Inglaterra seguem sem um goleiro confiável, mas isso não dá para inventar.

Tamanha capacidade de improvisação mostra como Capello é um bom técnico. Criar um time com um elenco vasto á disposição não é difícil, vide Dunga. Embora o brasileiro tenha seus méritos na parte disciplinar, ele não é um treinador ainda. Poderá mostrar isso quando sair da seleção e for para um clube. Quando amadurecer, pode vir a ser um Capello.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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