Ex-jogador e técnico, água e óleo

Numa coluna feita em janeiro, o jornalista Jonathan Wilson, do Guardian, em seu blog, fez uma aposta: “Zico precisará de mais do que simples firulas brasileiras para dar certo como técnico do CSKA. Se ele conseguir, validará os sucessos que conseguiu em outros clubes e tirará de seus críticos os argumentos contra ele; se falhar, ele próprio será um absurdo, assim como a dos dez brasileiros no Arsenal Tula”.

A história do Arsenal Tula é a seguinte: Yevhen Kucharevskyi, técnico de futebol russo, após a queda do regime soviético, contava a história de que a diretoria do Arsenal Tula, pequeno clube russo era obcecada pelo futebol brasileiro e lhe deram um dinheiro para vir ao Brasil e contratar cinco jogadores aqui. Quando voltou a Tula, Kucharevskyi tinha consigo 10 jogadores brasileiros – que acabaram na reserva.

A grande verdade é que a grande maioria dos jogadores brasileiros está acostumada a fazer as coisas com seu instinto, que por uma série de razões antropológicas, dá mesmo ao jogador brasileiro um grande arsenal. Contudo, uma coisa é ser o cavalo e outra é ser o jóquei, como dizia Arrigo Sacchi. Um técnico hoje que não tenha preparação e estudo dificilmente se sairá bem. A demissão de Zico no CSKA é a enésima prova disso, mas não só. É também a diferenciação entre o jogador e o ex-jogador à qual Sacchi se referia, uma distinção que no caso dos brasileiros é mais radical do que em outros lugares como Itália, Espanha ou Holanda.

Zico é a epítome do craque que não compreende o futebol fora do espectro do campo. Nem tudo é tão óbvio que não se ensine e a visão de jogo que ele tinha da mediana adversária em diante é muito oposta à da que ele tem do banco de reservas. A mesma coisa vale para a questão do preparo físico e desenvolvimento fisiológico.

Mais do que isso, Zico, de certo modo, cometeu o mesmo erro de Scolari: foi pra um país de uma cultura alienígena para o brasileiro sem entender sua cultura, sem falar a língua e sem conhecer o futebol local. Era nítido, como Wilson apostava em janeiro, que Zico tinha muito mais chances de fracassar do que de dar certo. Scolari, em Portugal, estava quase em casa, mas em Londres, se chocou com uma metrópole distantíssima da cultura à qual estava habituado. E fracassou.

O episódio deixa uma sugestão no ar sobre o destino dos técnicos brasileiros em mercados competitivos de futebol. Ligas como as do Japão, Oriente Médio e afins não significam verdadeiramente um avanço. Uma outra mostra disso é o que está ocorrendo com Leonardo no Milan, para o qual uma derrota nos próximos dois jogos pode significar a degola. “Se ele fizer metade como técnico do que fez como jogador estará ótimo”. Como a experiência provou, uma coisa não tem rigorosamente nada a ver com a outra.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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