Vestígios de uma Copinha


Houve uma época em que a Copa São Paulo de juniores era um torneio sério. Mesmo. Os clubes investiam nas divisões de base. Na verdade, os clubes eram mesmo “clubes”, onde os sócios se reuniam em torno de uma comunidade e assim, seus filhos e conhecidos acabavam sendo assimilados pela vida da agremiação. Aliás, o verbo “agremiar”, segundo o dicionário Houaiss, significa “reunir (pessoas) em grêmio, assembléia, corporação ou agremiação; tornar(-se) associado; ligar(-se), reunir(-se), agregar(-se)”.

O tempo fez com que os clubes se distanciassem dos sócios e das torcidas. Passaram a ser instituições dominadas por uma oligarquia interna onde a prática de esportes não interessava. O dinheiro é que era importante. Daí, as divisões de base “à antiga”, onde crianças se divertiam e talentos se apuravam, desapareceram. Vieram as divisões de base dominadas por interesses políticos. Eu mesmo conheço um caso de um jogador de um grande clube paulista que foi cedido a um clube do exterior com a condição que o filho de um diretor também seguisse para o clube comprador, na Inglaterra. Hoje, as categorias de base pertencem na maioria a empresários, que pouco se lixam com o bem-estar da criança, sua formação moral e intelectual e mesmo física. Querem vender. Se para isso precisarem colocar crianças em risco, dane-se.

A degradação dos clubes e de suas categorias de base transformou a Copa São Paulo numa piada. Catadões de moleques, muitas vezes até mal-alimentados, vestiam camisas de times que não existem, clubes de mentira. Um deles, o Roma (que hoje é o malfadado Grêmio Barueri, que infelizmente chegou à primeira divisão do Brasileiro), foi até campeão da Copinha e depois, viu-se na condição de acusada de usar garotos irregularmente.

A piada da Copinha atual tem 88 clubes, onde pouco mais de 10 são realmente sérios, com investimento de profissionais capazes e que cuidam também da formação pessoal dos jovens atletas. Os que fazem isso com mais decência mostram serviço no torneio. E para nossa sorte, alguns deles realmente impressionam, com times e jogadores cheios de potencial, como há muito não se via. Mesmo sendo uma piada organizacional para atender empresários, essa edição 2009 tem vestígios dos bons anos da Copinha.

Não tive como ver todos os jogos da Copinha, mas entre os que eu assisti, fiquei impressionado com sete deles. Cruzeiro, Grêmio, Internacional (o de verdade, gaúcho), Portuguesa, Santos, São Paulo e Vasco da Gama. Não vi os jogos de Figueirense e Vila Nova (que tiveram resultados expressivos) e apesar de ter jogado muito bem, o Palmeiras enfrentou um time muito, mas muitíssimo fraco, o Cuiabá. A grande maioria dos outros clubes não existe – são farsas armadas por empresários. Algumas até conseguem resultados expressivos, mas não merecem nota.

Todos eles têm nomes que aparentam ter potencial. João Paulo e Rafael Forster no Inter, Piraju (Lusa), Murilo (Palmeiras), Neymar e Choco( Santos), Wesley (Grêmio), Bernardo (Cruzeiro), Oscar e Bruno Formigoni (São Paulo) são alguns deles, para citar nomes desses times. O que me incomodou – muito – foi ver que alguns garotos que ainda não tem 18 anos já fazendo gols e se preocupando em aparecer para as câmeras ou comemorando como craques consagrados. É fácil perceber que alguns deles estão fadados ao fracasso, mesmo com talento. Outros ainda carregam o germe da esportividade, comemorando muito e com os colegas.

O saldo, contudo, foi bom. Cruzeiro, São Paulo, Internacional e Santos têm os melhores times até agora. O São Paulo me pareceu o mais completo e com jogadores mais formados, no geral. Cruzeiro e Santos têm grandes valores individuais (como Bernardo e Neymar), mas ainda podem melhorar o coletivo. Duas coisas têm de ser lembradas aqui: 1) “Craques” de 17 anos existem aos cântaros; craques aos 20 são raros, ou seja, nada de glorificar crianças por um jogo bom contra o Cene ou Castanhal. 2) Acompanhe os clubes que têm os times mais bem arrumados (especialmente se você torcer para um deles). Há 99% de chances desses clubes arrancarem rumo à “Nova Elite” do futebol brasileiro puxados pelos lucros na produção honesta de atletas. As farsas empresariais desaparecerão. Infelizmente, outras virão depois.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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