A dor crônica de Kaká e do Milan

Um problema apontado por muita gente já há algumas temporadas – o da idade média avançada – se faz sentir no Milan mais uma vez neste ano. É ir contra a lógica imaginar que a diretoria virá a público assumir seus próprios erros – que existem, mas os problemas do “maior campeão do mundo” vão além de ter um time com muitos veteranos. Mas que ela errou, errou.

A questão da idade é certamente uma dificuldade, ainda que não a única. O elenco do Milan tem uma idade média de 29 anos e meio, mas aí vão inclusos garotos que raramente jogam como o defensor Darmián (19 anos) e os meio-campistas Cardacio e Viudez (21 e 19 anos, respectivamente). Sem os três e sem o pueril Pato, a média sobe em mais de dois anos. Idade elevada é quase sempre igual a maior número de contusões. O problema é ainda maior na defesa, onde a idade média é de 30 anos, mas sem Darmián, Bonera e Senderos, sobe para 34,5. No gol, os “meninos” têm 33 anos.

Em temporadas passadas, mesmo com presenças jurássicas como Costacurta, Cafu, Fiori e Serginho, o Milan se safava. A resposta, segundo o clube, estava no MilanLab, um centro de preparação física e tratamento de lesões “state-of-art”, que fazia com que só as contusões traumáticas (as causadas por uma pancada, por exemplo) tirassem seus jogadores de campo. Contudo, nos últimos dois anos, a quantidade de lesões por estresse ou preparação inadequada vêm sendo o calcanhar de Aquiles milanista. Na temporada passada, o técnico Carlo Ancelotti chegou a ter nove jogadores fora de combate. No momento, ele tem seis, e vários, como Emerson, Senderos, Ronaldinho e Pirlo estão em processo de recuperação.

A pior ausência é a de Kaká, cujos problemas físicos coincidem com o início das lamúrias do Milan, logo depois da final da LC de 2006/07. O esquema de jogo do time passa pela combinação de Seedorf e o brasileiro na união entre meio-campo e ataque. Sem Kaká, Ancelotti está tentando fazer uma coisa que não fez em sete anos de Milan: armar o time num 4-4-2 tradicional, com Seedorf e Ambrosini externos e Emerson e Pirlo na linha mediana.

A conseqüência é clara. O Milan sofre para maquinar as ações ofensivas, que sempre passam por Kaká e sem ele, precisariam ser organizadas pelas alas onde nem Seedorf nem Ambrosini são os homens ideais. Assim, é preciso que os laterais Zambrotta e Jankulovski se arrisquem e não é raro que os defensores fiquem desguarnecidos (ainda mais sem o guardião Gattuso à frente deles)

Nessa leitura tática, a chegada de Beckham ao time em janeiro é positiva. Anos atrás, Ancelotti disse que Beckham não se encaixava no jogo do Milan. Ele tinha razão. Jogador habituado a dar profundidade às manobras pelas laterais, Beckham teria dificuldade em jogar no 4-3-1-2 da época. Num 4-4-2, no entanto, o inglês torna-se uma excelente alternativa de jogada pela direita, deslocando Seedorf para a esquerda. Mais: o holandês e Jankulovski poderiam então se alternar nas descidas pelo setor, e com o tcheco indo à linda de fundo, Seedorf se deslocaria para o posto que mais gosta: o espaço atrás dos atacantes. Como Kaká faz.

E se Seedorf gosta de jogar no lugar de Kaká, por que Ancelotti não troca simplesmente um pelo outro, enquanto o segundo está machucado? Porque o técnico entende que o esquema com três medianos e um ‘trequartista’ só é tão eficiente no Milan graças a Seedorf, que consegue combinar grande pressão na marcação com qualidade no passe. Se ele faz as vezes de ‘trequartista’, nenhum dos substitutos consegue dar conta do recado sem outras mudanças no sistema.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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