Sinal amarelo

No clima pesado da entrevista coletiva depois da eliminação da Inter de Milão na Liga dos Campeões na última terça-feira, o técnico Roberto Mancini entrou de cara fechada. Era de se esperar. O que caiu como uma bomba foi o anúncio do técnico de Jesi que sairia do clube ao final a temporada. “Creio que estes sejam meus últimos dois meses e meio na Inter”, disse Mancini, antes de se retirar e deixar a imprensa em polvorosa.

Para aumentar o ‘frisson’, os jogadores tinham acabado de saber das intençõesdo treinador e o presidente do clube, Massimo Moratti, soube do ocorrido pela imprensa, e não escondeu o aborrecimento. “Eu gostaria de ter sido avisado”, disse Moratti, quando questionado pela imprensa. Imediatamente imaginou-se que Mancini já estivesse acertado com outro clube. Segundo ele, sua decisão já tinha sido tomada “de antemão”.

No dia seguinte, Moratti chamou Mancini para uma conversa na sua empresa decidido a demiti-lo naquele dia, quarta-feira. Contudo, depois de uma longa reunião e de um pedido de desculpas público do treinador, os dois anunciaram que Mancini ficaria no clube. (“Eu continuo. Só precisava de um atestado de confiança”, disse o técnico). Mas a sensação de que alguma coisa estava errada continuava. E não era só uma sensação.

Saco cheio

Não se sabe se Mancini está ou não acertado com outro clube. O fato é que a sua atitude pode ter sido pouco inteligente, mas não foi à toa. O episódio desvelou um clima de desarmonia no clube que é exatamente o mesmo que o deixou tantos anos na fila: um clima de intriga, disputas de poder e privilégios que impedem qualquer trabalho sério.

A explosão de Mancini se deu, não coincidentemente, depois que Figo se recusou a entrar quando o Liverpool vencia por 1 a 0. “Agora eu não entro”, disse o português, que continuou a se aquecer. Aquela foi a gota d’água para o ‘Mancio’ que voltou a se ver com o problema de jogadores indisciplinados que recebiam afagos de Moratti (vide Ronaldo, Adriano, Recoba, Figo, etc).

Mancini também não se conforma com o fato de o mercado do clube ser feito por Gabriele Orialli e Marco Branca. Exemplo: o técnico queria um meio-campista para substituir Dacourt. Sugeriu Konko, do Genoa, mas Branca e Orialli contrataram Maniche, por indicação de Figo, que o treinador acha “inutilizável”.

Além disso, o técnico tem restrições a praticamente todos os níveis de poder no clube. Ele tem uma briga pública com Franco Combi, chefe da área médica, em quem não confia e com quem já teve diversas discussões. Em suma: Mancini acha – com razão – que há feudos de poder na Inter e que isso impede o trabalho de ser realizado normalmente. Somente Hector Cúper teve um grau parecido de independência com o que o ex jogador de Lazio e Sampdoria quer. E quando a Inter perdeu o ‘scudetto’ para a Lazio, no famoso “5 de maio”, todo o poder de Cúper também se desmanchou.

Sem saída

Na conversa com o técnico, Moratti exigiu um pedido de desculpas público, o ‘scudetto’ e um melhor relacionamento com outros membros da comissão técnica. Mancini não teve como dizer “não”. Até porque o presidente do clube lembrou a ele que o vínculo Mancini-Inter vai até 2011 e que até então, para se desvencilhar dele, é necessário o pagamento de um valor (que hoje estaria próximo dos €10 milhões).

O problema para clube e técnico agora é que não se sabe a extensão do estrago que aconteceu com o anúncio de saída. Mancini já tem alguns desafetos notórios no elenco (Figo, Crespo, Vieira, Maniche, Solari). Outros jogadores teriam se irritado com o episódio (Javier Zanetti, Julio Cruz) e com time remando contra não há técnico que dê jeito.

Na Inglaterra, quando um técnico anuncia que deixará o clube no ano seguinte, diz-se que o clube começa a sofrer da “Síndrome de Pato Manco”. Sabedores que o técnico está por deixar o clube, os jogadores perdem o medo de “ir para o pau”. É esse o temor que aflige a Inter neste momento: técnico e elenco ainda têm respeito mútuo?

A partida com o Palermo era aguardada por isso e teve um sinal positivo e um negativo. A Inter não jogou bem, mas demonstrou grande empenho, o que sugeriu que a indisposição com o técnico não é total. Mas quando substituído, Ibrahimovic não escondeu seu descontentamento. “Ainda bem que este m…vai embora logo”, disse Ibra, antes de se sentar no banco e continuar xingando.

Mancini tinha razões para um desabafo, mas certamente escolheu um péssimo momento para fazê-lo. O clima entre os jogadores é de tensão e os seis pontos de diferença para a Roma não são intransponíveis. O treinador está fechado com outro clube? Deve estar, mas provavelmente não contava com a prensa de Moratti. A extensão do problema será conhecida nos próximos confrontos. No entanto, se a Inter perder esse ‘scudetto’, para o qual ainda é franca favorita, esse será o ‘scudetto de Mancini’. E ironicamente, irá para a rival da Lazio – seu ex-clube.

Curtas

– Um episódio deu o que falar antes de Inter x Palermo.

– O ‘scudetto’ (pequena bandeira tricolor) que Patrick Vieira trazia no seu moleton no aquecimento caiu no gramado e um fotógrafo prestou atenção. “Seria um presságio?”, perguntaram-se os supersticiosos italianos. Que nada. Vieira fez gol e foi o melhor em campo.

– A derrota do Empoli para a Atalanta pode custar a cabeça do técnico Malesani.

– Esta é a seleção Trivela da 28a rodada:

– Frey (Fiorentina); Santacroce (Napoli), Stendardo (Juventus), Maldini (Milan), Accardi (Sampdoria); Vieira (Inter), Sissoko (Juventus) Aquilani (Roma); Kaká (Milan); Mutu (Fiorentina), Vucinic (Roma)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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