Ingredientes finais da pizza

Esta coluna, como a maior parte da imprensa italiana, estarreceu-se com o escândalo do ‘Calciocaos’, revelado em maio passado. Sempre que possível, o objetivo aqui foi externar uma indignação que as palavras dificilmente conseguirão abranger. E honestamente, a sensação que se tinha antes da Copa era a de que, de fato, as punições seriam duras.

Hoje, faltando poucos dias para o final do ano, nós brasileiros podemos falar que, a exemplo do que a federação brasileira fez por tantos anos no futebol – mutretas, viradas de mesa, julgamentos repletos de pantomima, juízes subornados e afins – a Itália também assumiu a sua maior vergonha esportiva com uma capacidade de aceitação surpreendente.

O leitor pode alegar que houve punições. Mas, depois do abrandamento da pena de Adriano Galliani, que teve sua suspensão diminuída, a sentença final do processo foi similar a cobrar uma multa de mil reais por um genocídio como o de Ruanda.

Exagero? Vejamos: as primeiras avaliações feitas por juristas independentes desenhavam um cenário onde cairiam Juventus, Milan, Lazio, Fiorentina e Reggina. A Juve, por ter sido a maior beneficiada. Cairia duas divisões, enquanto Lazio, Fiorentina e Reggina teriam também punições em pontos para esta temporada. Os dirigentes envolvidos não só seriam banidos do esporte por toda a vida como alguns deles arriscavam cadeia e processos, assim como os empresários que mamavam no ‘esquema Moggi’.

Hoje o cenário vê a Juventus na segunda divisão, mas com uma promoção certa, provavelmente como campeã. Nenhum clube entre Milan, Lazio , Fiorentina e Reggina foi rebaixado, e as punições de todos – menos o Milan – foram reduzidas. Os únicos dirigentes que deixaram o esporte foram os dois juventinos, Moggi e Giraudo. TODOS os outros continuam na sua mesma toada.

As primeiras análises pós-denúncia também indicavam a certeza do surgimento de uma legislação draconianam, que tornaria o futebol italiano em uma instituição quase à prova de fraude fiscal e esportiva. Questões como dopagem, envolvimento com apostas, evasão fiscal e legalização de documentação seriam tratadas com rigor máximo. Nenhuma das medidas foi tomada. Nada.

Não são só os culpados (e não sentenciados) que tomaram parte no vexame. Clubes que não apareciam nas primeiras denúncias também fizeram parte do circo. A Inter ficou satisfeita com a carniça arrancada da Juventus e um bicampeonato quase certo; a Roma não teve nenhuma vantagem direta, assim como o Palermo, mas se tornaram os protagonistas do campeonato, aumentando bem suas receitas e sumindo – coincidentemente ou não – com seus problemas financeiros anteriores.

Naturalmente que esta coluna não está acusando nenhum entre Inter, Roma e Palermo de nenhum tipo de corrupção. Mas se a corrupção ocorre, também é pelo silêncio dos honestos. E esse silêncio veio de absolutamente todos depois da Copa do Mundo.

A revista britânica The Economist trouxe na semana passada um perfil de Guido Rossi, o executivo da Telecom Itália que comandou o processo de apuração dos fatos. “O futebol italiano não quer regras. Quer só que eu resolva os problemas”, disse Rossi, antes de renunciar o cargo de supervisão do processo. As maiores doenças deste país são a rejeição às regras e o medo de mudança”, disse Rossi, segundo a revista. Qualquer similaridade com países do hemisfério sul que também gostem de futebol é mera coincidência. Ou não.

Defesa florentina

Mesmo tendo se saído muito bem nos bastidores do lodo fétido e escapado de um rebaixamento que era mais do que merecido, a Fiorentina não está fazendo o campeonato que poderia ter feito se não estivesse melecada pela nojeira de ‘calciopoli’. Muitas são as razões, mas colocando-se à parte todas as várias morais e psicológicas, também há problemas em campo. Mais precisamente, na defesa.

A defesa viola não é particularmente ruim. Sofreu 15 gols em 15 jogos e é somente a 7a melhor, o que não é um desastre, mas certamente é o setor que tem as possibilidades mais contadas. Entre os oito defensores (Ujfalusi, Dainelli, Kroldrup, Gamberini, Pasqual, Potenza, Brivio e Tagliani), somente os seis primeiros atuaram. E uma rápida olhada deixa claro que, mesmo não havendo nenhum perna-de-pau, está longe de ser uma lista empolgante.

Além da qualidade do elenco, a torcida se queixa taambém de uma falta de garra que combina com um grupo recente (todos estão no clube há menos de três anos). Os 15 gols sofridos até aqui são iguais aos gols sofridos depois de 16 rodadas no campeonato anterior, mas o número de falhas que a defesa fiorentina tem tido é muito maior neste ano.

A culpa nem pode ser creditada ao esquema do técnico Cesare Prandelli. Ele trabalha muito a fase defensiva e não somente com os defensores, o que resulta em uma Fiorentina normalmente equilibrada quando consegue fazer a bola rolar. É verdade que o esquema de três atacantes, bastante usado por Prandelli nesta temporada, tende a deixar a defesa desguarnecida, mas isso não altera o fato dos gols que o time sofre saírem habitualmente de falhas individuais.

Como se solucionar esse problema? Prandelli poderia optar por uma formação mais cautelosa, mandando um meio-campista a campo, mas o dinamarquês Jorgensen é importante no seu esquema – Toni e Mutu jogam sob qualquer circunstância. Mas não será surpresa se o clube levar ao Artemio Franchi mais um ou dois nomes capazes de dar consistência ao setor.

Mudanças a vista

Segundo a Roma, o brasileiro Mancini é ‘invendável’. O jogador, vital para o esquema de jogo de Luciano Spaletti, é o elemento que faz a Roma ter um meio-campista a mais na defesa e um atacante a mais no ataque. Os cortejos de Inter, Milan e outros europeus são inúteis, jura. A mesma coisa vale para o francês Philippe Mexés.

Só que o clube dá sinais de que pode rever suas posições depois que o mercado de janeiro se reabrir – embora negue isso terminantemente. O clube de Trigoria está negociando com o chileno Jiménez, que ano passado jogou pela Fiorentina, mas que tem passe preso à Ternana. Jiménez é um atacante, mas que pode atuar aberto no meio-campo. Entraria no lugar de Mancini ou Taddei, com o atual esquema.

Além disso, também dá-se como certa a contratação por empréstimo de Raúl Bravo, do Real Madrid, que foi encostado definitivamente pro Fabio Capello. Bravo, que já foi o vice-Roberto Carlos em Madrid, também sabe jogar como zagueiro central. Ambas posições estão cobertas na Roma, no momento.

Embora se saiba que a Roma tem sido renitente em relação a vender jogadores, é certo que o time precise levar mais um atacante para o elenco. O escolhido seria Francesco Tavano, do Valencia. Mas Tavano custa é €10 milhões, dinheiro que a Roma não tem. E a esse argumento, não tem como resistir.

“Os treinadores deveriam se encaixar no projeto do clube como se estivessem chegando a uma empresa e não desnaturar esses projetos. Ao contrário, são como as mulheres. Antes de casar fazem tudo, mas depois sempre têm dor de cabeça. Para dar certo, teria de fazer contrato com eles três vezes por semana”

A frase filosófica e politicamente incorreta foi dita pelo presidente de um grande clube italiano que teve problemas com seu treinador nas últimas semanas.

Dá para ver…

Esta é a seleção Trivela da semana – a da 16a rodada:

Peruzzi (Lazio); Maggio (Sampdoria), Dossena (Udinese), Rezaei (Livorno), Mesto (Reggina); Mancini (Roma), Dessena (Parma) e Rosina (Torino); Di Natale (Udinese), Lucarelli (Livorno) e Gilardino (Milan)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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