Céu de brigadeiro

“Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe”. A prova de que o dito popular é verdadeiro é a temporada deste ano da Internazionale. Depois de anos e anos de temporadas ridículas (entremeadas com uma ou outra lufada de esperança), o clube ‘nerazzurro’ sempre sofria para não se afogar. Hoje, viaja a força total.

Com uma liderança de quatro pontos sobre a vice-líder Roma, seis sobre o Palermo – considerado por muitos um candidato ao título – e principalmente, 22 pontos na frente do Milan, o clube de Massimo Moratti simplesmente parece não ter adversários no âmbito doméstico. E mesmo na Europa, a semana passada molhou os lábios da Inter com mel. Com a vitória sobre o Sporting Lisboa, a vaga européia também foi assegurada.

Cabe uma pequena distinção aqui. Apesar das chances européias serem concretas, o ringue continental é muito mais pesado do que uma Série A acolchoada com algumas punições para Milan, Fiorentina e Juventus. Na Itália, a Inter não tem adversários que não vistam azul e preto – não é referência à Atalanta – mas na Europa, pelo menos dez times são mais confiáveis do que a Inter – inclusos os rivais rubro-negros de Milão.

O curioso é que todas as fraquezas da Inter dos últimos anos ainda estão em Appiano Gentile: a falta de um líder, um elenco pouco coeso, uma defesa irregular (é somente a sétima do torneio) um clube que não dá segurança ao técnico e um técnico que não dá segurança ao clube. O que aconteceu então?

O que aconteceu é que a vantagem imediata do começo do campeonato (correndo só com Roma e Palermo) fez com que a Inter conseguisse esquecer por algum tempo todo o peso psicológico mastodôntico que ela carrega. Assim, está agora abrindo uma vantagem que faz com que a obrigação de vencer pareça menos assustadora.

Mas em campo também houve alguns acertos. Por exemplo: depois de dezenas de nomes, finalmente um lateral dá alguma solidez à parte esquerda da defesa; Vieira deu a Stankovic a condição de ordenar o meio-campo e Ibrahimovic, mesmo com uma arrogância que faz José Mourinho e Romário juntos parecerem humildes, é um jogador que faz quase qualquer ataque funcionar.

E o que realmente dá calma à Inter é que quem poderia botar medo está fora da jogada. A Juventus, porque joga outro campeonato, e o Milan, porque vive o que os itlianos chamam de “stagione storta”, mais ou menos “temporada ferrada”.

O maior inimigo interista desde seu último ‘scudetto’, ainda com Lothar Matthäus, sempre foi seu ambiente em ebulição. Intrigas de empresários e jogadores, diretores metidos e comissões técnicas que nem sempre remavam para o mesmo lado. Mesmo com as extraordinárias condições nas quais este campeonato começou, é inegável que a Inter joga um bom futebol. O que vai dizer a extensão do sucesso interista é a sua capacidade de colocar os próprio nervos no lugar com a ‘calmaria extra’. Os rivais? Só a própria Inter pode levantá-los do caixão antes de junho de 2007.

Inferno de Java

Há dias em que as coisas não dão certo. Às vezes, os dias viram semanas. De vez em quando, as semanas passam a ser meses. E quando os meses também passam dos 30 dias, aí a temporada – no caso de um clube de futebol – foi mesmo para o espaço.

Hoje, última semana de novembro, o Milan já pensa no campeonato como uma competição na qual o quarto lugar seria extra-comemorado. O ano futebolístico milanista se resume à Liga dos Campeões e no projeto da próxima temporada.
Nos últimos meses, as coisas estão dando tão errado para o clube que até o que sempre foi ‘a jóia da coroa’ agora está sob suspeita.

Dida, Serginho, Gattuso, Favalli, Costacurta, Cafu, Ambrosini e Kaladze são os jogadores que estavam no departamento médico na última sexta-feira. Isso em um clube que tem um laboratório de última geração – o MilanLab – exatamente para evitar lesões desnecessárias.

Então quer dizer que o MilanLab é o culpado? Não. Os exames laboratoriais feitos pelo clube visam evitar as chamadas ‘lesões por stress’, ou seja, aquelas que acontecem por excesso de jogos ou esforço, e que são diagnosticáveis por alterações metabólicas (como em exames de sangue, por exemplo). Contudo, nada pode evitar lesões traumáticas, como se um jogador tomar uma pancada (por exemplo, como aconteceu com Gattuso) ou cair de mau jeito (Dida).

Mas o verdadeiro vilão foi bem explicado por uma frase de Carlo Ancelotti. “As lesões não estão acontecendo por causa do MilanLab ou porque a preparação foi mal feita, mas sim porque não houve preparação nenhuma”. Ancelotti se refere ao fato de o Milan ter começado a jogar 20 dias antes do previsto, o que obrigou o time a pular a parte da preparação física que dá aos atletas resistência física para ir direto à parte da preparação que dá velocidade – porque o time teria de enfrentar o Estrela Vermelha, caso quisesse continuar na Liga dos Campeões.

O resumo da ópera é que boa parte do elenco milanista está fazendo a preparação agora e, com sorte, a partir de janeiro, o rendimento do time subirá (como aconteceu em 2002/03). O único jogador que não se enquadra no retrato é Kaká, cujo preparo físico é estarrecedor. O tamanho da miséria aumenta quando se coloca o fator sorte em campo. O time acertou a trave rival nada menos do que 13 vezes até aqui no Campeonato Italiano, mais do que o dobro que a Roma (6), um número muito acima da média.

Será que todas as explicações plausíveis servirão para evitar estragos maiores, como uma vontade de Kaká de ir para o Real Madrid ou uma pressão que custe a cabeça de Ancelotti? Ainda é difícil cravar, mas quando o Milan depende de um gol de cabeça de “El Cid” Maldini para vencer o Messina em casa, é porque tem mosca na sopa.

Baixa audiência

Se os efeitos do ‘Calciocaos’ não se faz`em sentir na pele de dirigentes e empresários traquitanas, em outras áreas ele é implacável. Falamos de um deles, a queda de público na Série A (cerca de 10% em comparação com 2005/06) na semana passada, mas os espectadores que vêem os jogos pela TV no exterior tambem dão sinais de estar de saco cheio.

Um bom exemplo disso é o que ocorre na Inglaterra. O canal de Tv a cabo Bravo, que é disponível aos assinantes da Sky Itália, decidiu que fará em 23 de dezembro as sua última transmissão de Football Italia, um programa tradicional sobre o ‘calcio’ que já tem mais de dez anos de vida. Motivo óbvio: baixa audiência. Segundo o próprio canal, o programa é assistido por menos de 20 mil espectadores, baixo mesmo para um canal de TV dedicado ao público adulto masculino (inclusive com uns filminhos pornô).

Talvez a notícia suscite um “e daí?” dos mais desavisados. O problema se fará sentir para os clubes na próxima negociação de direitos de transmissão. Certamente o valor do que as emissoras pagam aos clubes cairá. Isso, em clubes que trabalham no limite de seus orçamentos, é uma dor de cabeça quase que certa.

Esta é a seleção Trivela da 13a rodada:

Júlio César (Inter); Panucci (Roma), Zoro (Messina) e Chivu (Roma); León (Reggina), De Rossi (Roma), Rosina (Torino) Vieira (Inter); Totti (Roma) e Kaká (Milan); Ibrahimovic (Inter).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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