Cinco anos de angústia

O internauta pode estranhar que na semana onde o jogador mais importante da Itália quebra a perna, a manchete é de um georgiano. Mas há um porquê. Na semana passada, o FBI concluiu as investigações sobre o seqüestro do irmão do defensor milanista Kakhaber Kaladze após confirmar que um corpo encontrado nove meses atrás numa vala comum em Tbilisi era o de Levan Kaladze.

Recapitulando: Em 2001, Levan Kaladze foi levado por seqüestradores na capital georgiana num seqüestro aparentemente visando levantar fundos pra os rebeldes da Chechênia. Contudo, o episódio foi apenas um dos primeiros a abalar a credibilidade do então primeiro-ministro Edward Shevarnadze, que veio a ser deposto em 2003.

O jogador do Milan e sua família criticaram duramente o governo da Geórgia pela falta de atitude. Por outro lado, Kaladze e sua família receberam apoio total do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi (que também é o dono do Milan), que colocou a estrutura diplomática italiana para pressionar a Geórgia por um desfecho rápido da situação.

Contudo, o desfecho jamais veio. Nesse meio tempo, Kakha Kaladze ameaçou abandonar a seleção georgiana, foi campeão italiano, venceu a Liga dos Campeões, viu o governo de Shevarnadze cair, perdeu uma final da LC, mas nem uma linha a respeito de seu irmão foi emitida pelos seus seqüestradores depois de um pedido inicial de resgate – pago prontamente (cerca de € 180 mil).

Durante os últimos cinco anos, por incrível que pareça, Kaladze e sua família tinham esperanças de reencontrar Levan, um estudante de medicina de 21 anos, com vida. No final de 2003, o atleta deu uma entrevista dizendo que as autoridades de seu país tinham “99%” de certeza de que Levan estava vivo. Contatos com rebeldes, informantes, membros da inteligência georgiana e italiana, tudo foi feito para resolver o problema, sem sucesso.

Quando veio a notícia de que um corpo encontrado em Tbilisi nove meses atrás, poucos torcedores do Milan ainda se lembravam de que a situação de Kaladze ainda estava sem desfecho. Indícios da morte de Levan estavam no ar, mas a comprovação do FBI, feita com um exame de DNA, foi a pá de cal que a família precisava por no assunto.

Respeitosamente, a imprensa italiana pouco abordou o assunto além de noticiar a conclusão do FBI. Kaladze jogou normalmente a partida contra o Cagliari poucos dias depois de receber a confirmação.

Será que dá para Totti?

Estádio Olímpico bombado, céu azul e um adversário frágil como o Empoli. Um cenário perfeito para a torcida romanista assistir seu time chegar à décima vitória consecutiva comandado pelo capitão Totti, um dos maiores jogadores da história do clube.

Tudo ia bem até que aos 10min do primeiro tempo, o zagueiro toscano Vanigli chega atrasado numa bola e pega forte ‘il capitano’ que começa a gritar antes de chegar no chão. Médicos, maca e tudo mais antes de Totti ser removido de campo para dar lugar a Montella. Já no vestiário, o diagnóstico: fratura do perônio esquerdo com os ligamentos do tornozelo afetados. Operação imediata com o país acompanhando o suspense.

Rapidamente a pergunta que começou a circular nos meios futebolísticos foi a respeito do tempo de recuperação. Noventa dias, disseram os médicos. E enquanto isso, uma enxurrada de homenagens e telefonemas para o jogador: desde o técnico da Azzurra, Marcello Lippi, até o rival ‘laziale’ Paolo Di Canio, todos entraram em contato para confortar o craque.

Com uma matemática rápida, se conclui que Totti estaria recuperado no dia 20 de maio de 2006, mais ou menos duas semanas antes do início da Copa do Mundo. E aí? Aí que, racionalmente, a Copa do Mundo deu adeus a Totti – ou vice-versa. Se Totti jogar uma partida inteira pela primeira vez em 20 de maio, dificilmente atingiria condições ótimas para começar a Copa como titular da Itália.

Entram em campo – lá como no Brasil – os futurólogos. Comparações entre as recuperações de Baggio, Ronaldo e Totti já se acotovelam, sem levar em conta que cada lesão foi num lugar diferente. E as profecias medicinais já começam a fazer as contas com Totti se recuperando em metade do tempo previsto, o que de fato tornaria sua participação na Copa bastante viável.

Infelizmente, a natureza não pode ser enganada assim tão fácil, de modo que a visão de Marcello Lippi sobre a questão pareceu a mais ponderada. “Qualquer conjectura agora é infundada; vamos esperar por ele acompanhando sua recuperação”. Não há dúvida nas palavras de Lippi: Totti tem lugar na Azzurra se estiver em forma. Caso contrário assistirá a Copa pela RAI.

…e será que dá sem Totti?

No pior dos cenários – o que seria bastante dramático para a operística Itália – a pergunta passa a ser: quais as chances italianas se Totti? Ao contrário do Brasil que tem um bom leque de opções para o ataque e uma defesa no conta-gotas, a Itália na tem um reserva para Totti, e caso o jogador se machuque, mudará o modo de jogar.

Com Totti, Lippi tende a usar o 4-2-1-2, ou 3-4-1-2, dependendo das suas alternativas de momento. Sem o romanista, o número “1” infamemente popularizado no Brasil por Zagallo na sua gestão pós-94, deixa de existir. Del Piero se cansou de dizer que não joga na posição de Totti. Uma tênue possibilidade de substituição seria com Cassano fazendo as vezes de um papel que não é seu desde que deixou o Bari há quatro anos.

No campo, uma possível ausência de Totti significaria um time sem um armador de ofício, o que aumentaria a responsabilidade dos alas Zambrotta e Camoranesi. Pirlo seria o mentor dos ataques da equipe pelo meio e uma boa aposta seria na entrada de Daniele De Rossi no meio-campo para reforçar com Gattuso os espaços deixados pelo armador milanista – originariamente um ‘trequartista’ como Totti.

A verdade é que na seleção italiana Totti não é o craque decisivo da Roma. Se tiver de jogar sem o romanista, a seleção de Marcello Lippi não seria dramaticamente redimensionada, apesar de o ânimo geral da torcida ficar bastante comprometido. Não resta dúvida que o técnico prefere não perder ninguém por lesão, mas pelo que fez pela Itália até agora, Totti não pode ser considerado um ‘match-winner’.

Roma-recorde; Milan-vice

Dez vitórias seguidas. Trinta pontos conquistados em trinta possíveis. A marca da Roma é absolutamente fantástica, como atesta o seu recorde absoluto na história da competição. É verdade que a Roma teve um calendário com algumas seqüências mais abordáveis, mas na Série A, vencer dez partidas seguidas é duríssimo mesmo se o calendário for escolhido a dedo entre os times mais fracos.

E o que Luciano Spaletti fez para acertar o time tão drasticamente? Basicamente se livrou de Cassano e do mal-estar que ele causava no clube e no elenco. Além disso, o técnico acertou sua fórmula ofensiva com somente um atacante – Totti – e com Perrotta agindo como distribuidor de bolas. Mancini e Taddei garantem presença no meio-campo e De Rossi e Dacourt dão segurança à defesa. E que ninguém se esqueça, o renegado corintiano Doni é uma certeza sob as traves. Quem diria, não?

A semana também teve um sabor especial para o Milan que, anda que não jogando bem como a Roma, conseguiu tirar quatro pontos da líder Juventus e reverter uma distância de seis atrás da Inter para uma vantagem de dois pontos e uma vice-liderança isolada – que seria suficiente para dar acesso direto à Liga dos Campeões se o torneio acabasse agora.

Em Milão, o segredo continua sendo o ataque, com dez gols nos últimos três jogos, 58 em 26 jogos, onde Kaká segue jogando imensamente, sem tomar conhecimento de seus atacantes. Entre Inzaghi, Gilardino e Shevchenko, o brasileiro não faz preferência e fornece a todos assistências com a mesma freqüência.

Menos decantado do que Kaká, o suíço Vogel também conseguiu acertar sua primeiras boas partidas no Milan, substituindo um exausto Pirlo. O ex-jogador do PSV aumentou a solidez da defesa (que encontrou em Kaladze um excelente vice-Maldini no meio da zaga) sem que a qualidade do passe se perdesse. O resto ficou mesmo por conta do brasileiro, mas com uma sensível melhora de praticamente todo o elenco, provavelmente em função de alterações na preparação física e treinamentos táticos.

– Luciano Gaucci, polêmico ex-presidente do Perugia, assegura que sua língua não vai parar de despejar munição contra os poderosos do futebol italiano.

– Gaucci acusou a Fiorentina de tentar acertar os resultados do playoff do rebaixamento do torneio passado, onde o clube toscano se salvou na bacia das almas.

– Segundo o ex-dirigente perugino – assumidamente enterrado num oceano de corrupção com o clube umbro – a Fiorentina ofereceu €20 milhões para que o time ‘grifoni’ entregasse o ouro.

– Gaucci de fato sabe de muita coisa, uma vez que era aliado da maioria de seus acusados até bem pouco tempo atrás.

– Cesare Geronzi (presidente do grupo Capitalia), Luciano e Alessandro Moggi (diretor da Juve e seu filho, diretor da empresa de agendiamento de jogadores GEA), Franco Carraro (presidente da Federcalcio), Calisto Tanzi (ex-dono do Parma e da Parmalat), Sergio Cragnotti (ex-dono da Círio e da Lazio) são os nomes mais citados.

– O futebol italiano? Segundo Gaucci, é um “mar de lama”.

– A última segunda-feira, Silvio Berlusconi completou 20 anos à frente do Milan, com um currículo de 23 troféus vencidos.

– Claro, sem falar na evolução de sua própria carreira como político…

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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