Vaga garantida. E agora?

Claro. Como qualquer pessoa minimamente sensata poderia prever, a Itália conseguiu sua classificação com relativa folga. ‘Relativa, comparando com as últimas campanhas, uma vez que a Itália foi para os playoffs em 1998 e em 2002 também não deu nenhum show de bola.

Com a vaga assegurada, o técnico Marcello Lippi passa de uma fase de maior pressão, mas menor dificuldade (conseguir a vaga na Copa) para uma segunda bem mais difícil: montar um time que chegue na Alemanha com um padrão de jogo claro e que imponha respeito aos adversários. A pergunta é sempre a mesma – como fazer isso.

O time titular da Itália não é ruim. Aliás, entrosado, pode-se colocar entre os melhores do mundo. Tem o melhor goleiro do mundo (Buffon), uma zaga solidíssima (Nesta e Cannavaro), um mediano de extrema habilidade (Pirlo) e um armador de grande talento (Totti).

Jogando provavelmente num 4-3-1-2, a Itália completa bem seu time titular com Zambrotta e Zaccardo (ou Grosso – cujo nome favorece piadas infelizes em português), Camoranesi e Gattuso no meio e dois atacantes entre Del Piero, Gilardino e Toni.

Primeiro problema: apesar do comando de Pirlo, o meio-campo italiano não engrena. O jogo do volante milanista é ideal para um jogo com a bola no chão, mas não parece tão convincente quando precisa acionar dois externos como Camoranesi e Zambrotta. Solução possível: adotar o 4-4-2 tradicional, o que forçaria Totti a jogar como atacante, posição que não agrada muito o romanista.

Outro problema italiano, por incrível que pareça, é na defesa. Mesmo tendo tomado somente sete gols nos nove jogos das Eliminatórias, a retaguarda italiana jamais aparentou ser tão sólida quanto um conjunto formado por Nesta-Cannavaro-Gattuso poderia sugerir. Saída possível: escalação de um jogador com mais pegada do que Pirlo no meio-campo, como De Rossi ou Blasi. Aqui, a desvantagem seria abrir mão do futebol de Pirlo, tido como um dos melhores do mundo em sua posição.

O setor ofensivo italiano também não está jogando o que poderia. Del Piero, Gilardino, Toni, Vieri e companhia são jogadores que têm potencial para fazer mais do que 15 gols em 9 jogos. Contudo, com algum treino, Lippi certamente tem como aumentar a potência de seu ataque.

Por fim, o pior problema de Lippi: o banco de reservas. Se um jogador como Cannavaro, Pirlo ou Totti se contundir, os reservas disponíveis são visivelmente inferiores, como Materazzi, Barone e Del Piero (na posição de Totti, bem entendido). Em 2002, a Itália teve de escalar Materazzi no lugar de Nesta contra a Croácia e foi uma desgraça. Aqui, Lippi tem mesmo um cobertor curto.

A comovente morte de Franco Scoglio

Durante a transmissão de um programa de TV, o técnico Franco Scoglio não poupou energias numa discussão com o cartola de seu clube de coração, o Genoa. Scoglio não tinha profunda admiração por Enrico Preziosi e sobram razões para tal inimizade, uma vez que Preziosi simplesmente mandou o Genoa à Série C tentando comprar resultados.

Scoglio começa a sentir-se mal. O programa é suspenso e a emergência é chamada, mas não adianta. “Morrerei falando do Genoa”, havia confessado a um amigo, dias antes. Lamentavelmente Scoglio foi profético e faleceu no final da semana passada.

A reação na Itália foi anabolizada pela dramaticidade e passionalidade das circustâncias de sua morte. Milhares de pessoas foram ao velório e mesmo torcedores da Sampdoria demonstraram-se enlutadas pelo desaparecimento do adversário. “Adeus, professor, nosso inimigo mais querido”, dizia uma das mensagens de sms recebidas por um diário italiano, vindas de um clube de torcedores ‘blucerchiati’.

Scoglio não pode se gabar de uma carreira estelar como a de um Fabio Capello ou Marcello Lippi. Sua trajetória, iniciada em 1972, foi quase que totalmente na Série B, com hiatos na divisão máxima sempre lutando contra o rebaixamento. Comandou 14 clubes e duas seleções (Líbia e Tunísia), classificando a última para o Mundial de 2002 para socorrer seu Genoa. Profissionalmente era um treinador ‘old fashion’, que fazia da linguagem de boleiro sua arma mais constante. Nada de diferente de 90% dos colegas. Mas a Itália sentirá falta do ‘homem’ Scoglio.

A contusão de Nesta

A partida da Itália contra a Eslovênia teve uma baixa relevante para a ‘Azzurra’. Alessandro Nesta se machucou e deve ficar cerca de três semanas sem jogar. Sob o prisma ‘Nazionale’, não há maiores implicações, uma vez que o selecionado peninsular já conseguiu a sua vaga. Contudo, o Milan não está nem um pouco alegre com a folga forçada de Nesta e o episódio pode ter mais desdobramentos do que simples esbravejos mediáticos.

As próximas semanas aguardam o Milan com partidas difíceis, entre elas, o clássico contra a Juventus, dentro de um mês. Perder Nesta é um murro no estômago de Carlo Ancelotti e o clube de Via Turati pensa em exigir judicialmente que a federação italiana tenha de ressarcir o clube pelo dano causado.

O argumento é velho, mas nem por isso, extremamente lógico: os clubes se sentem lesados por pagar salários milionários a jogadores que se contundem em partidas internacionais, sem receber nenhuma compensação (leia-se dinheiro do salário dos atletas no período).

O mesmo Nesta se contundiu na Copa de 1998, quando ainda era da Lazio. O joador sofreu uma lesão no joelho que o deixou de molho pelos quatro primeiros meses da Série A e o então presidente do clube, Sergio Cragnotti, tentou conseguir da Federcalcio uma indenização, sem sucesso.

O episódio de Nesta é significativo porque a paciência dos clubes está por um fio, e uma briga com o Milan pode se provar bastante espinhosa para a federação, especialmente com o provável suporte que o Milan receberia dos grandes italianos, que obviamente, mais do que solidariedade estão pensando em si mesmos – no futuro.

O problema pode ter também desdobramentos maiores. Seleções do mundo inteiro se valem do mesmo argumento da Federcalcio – que a Fifa garante a presença dos atletas e não obriga as federações a pagar indenizações em caso de contusão. Se a coisa chegar neste ponto, vale perguntar se a Fifa estaria disposta a bater de frente com o G14 (grupo que congrega os maiores clubes da Europa) num momento em que a entidade clubística deseja mais do que nunca limitar a esfera de poder da Fifa.

– Sem Nesta, a defesa milanista quase que certamente terá Stam ao lado de Maldini com Kaladze e Cafu nas alas.

– Em partidas em casa, Jankulovski pode tomar o posto de Kaladze na esquerda, aumentando a incisividade do jogo pelas pontas.

– Praticamente certa a saída de Iaquinta da Udinese, talvez até mesmo na janela de transferências em janeiro.

– Candidatos não faltam, com Roma e Inter (claro!) na primeira fila.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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