Cheiro de transferência

No futebol, muito raramente uma transferência acontece “de repente”. Vários sinais vão sendo dados nos meses antecedentes. Isso para não falar quando alguns jornalistas não conseguem “furos” de reportagem dados diretamente de fontes seguras como o…empresário do jogador. Aí, então é uma festa da uva. Ninguém sabe onde começa a verdade nem onde termina a mentira. Ou o contrário…

Esta temporada mal passou da metade, mas pelo menos uma negociação de peso dá vários sinais de que está em gestação. A passagem de Antonio Cassano, da Roma para a Juventus. Seria uma novidade clamorosa (para parodiar o mestre Cláudio Carsughi), e que causaria alterações de humor em todo o país.

E que sinais foram esses? Bem, a sinalização começou quando Cassano começou a ser rebelde, ainda tendo Rudi Vöeller como treinador, piorando com Luigi Del Neri. A rebeldia foi lida como uma vontade de Cassano em sair de Roma, ainda que o jogador nascido em Bari Vecchia sempre tenha criado casos.

Depois disso, Cassano deu uma entrevista dizendo que sente muita falta de Fabio Capello (técnico da Juventus), que tinha sido “como um pai” para ele. Os dois trocaram mais algumas gentilezas pela imprensa, e, se sabe, onde há fumaça, costuma haver fogo.

Depois disso, a Juventus contratou Adrian Mutu, demitido do Chelsea por ter sido pego no exame anti-doping de cocaína. Mutu não custou um centavo à Juve, e só estará livre para jogar em abril – ou seja, não é uma contratação para esta temporada, na melhor das hipóteses.

Adicionemos a tudo isso uma crescente tensão entre Fabio Capello e Alessandro Del Piero, capitão e homem-imagem do clube. Del Piero foi substituído em quase todas as partidas que jogou nesta temporada – exceção feita a uma delas, na Liga dos Campeões. Capello jura que não há nada contra o jogador, mas a verdade é que Del Piero não está gostando de ser substituído em todos os jogos, e a torcida está ao seu lado. Logo, ou Capello se acerta com ele, ou ele tem de ser vendido.

Somando todos esses fatores, e lembrando que o contrato de Cassano vence em junho de 2006, e que ele está embaçando para renovar, a ida do atacante para a Juventus, em troca de Mutu e mais um dinheiro (que nunca atrapalha um clube endividado) passa a não ser enredo de novela. E no último capítulo, o vilão pode ser Capello, mandando embora o pobre Del Piero (claro, sob o ponto de vista da dramaturgia).

E dá para imaginar a Juventus se desfazendo de Del Piero? Claro. O clube de Turim não tem nada de emocional quando se trata de despachar quem não está mais nos planos. Basta lembrar Boniek, Vialli, Boksic, e o próprio Capello, que nutria desprezo pela Juve, exatamente porque, quando jogador, foi vendido como refugo, em 1976, para o Milan. Não é que a vida dá voltas mesmo?

Juve cínica: título difícil de tirar

Verdade: faltam longas 18 rodadas para acabar o Italiano. 54 pontos ainda em disputa, e uma partida entre os dois primeiros que será jogada em Milão. Tudo soa muito incerto e em aberto. Mas a grande verdade é que a Juve parece cada vez mais enterrar seus dedos na taça de campeã italiana.

Entre Juventus e Milan há uma diferença básica: o Milan é um time melhor, mas a Juventus é cínica. As vitórias do Milan vêm através de uma superioridade de jogo quase sempre nítida; a Juventus não domina todos os jogos que ganha. Aliás, o faz raramente. Mas sempre sai com os três pontos. Um time moldado com a cara de Capello: frio, racional, seguro e prático.

O Milan que perdeu em Livorno mereceu mesmo a derrota, diante de um Livorno inspirado. Ancelotti errou ao eleger Ambrosini como o vice-Pirlo (ausente por suspensão), quando deveria ter dado a vaga a Dhorasoo. A boa nova é que Stam está voltando de sua recuperação e Inzaghi já está treinando forte, podendo voltar contra o Messina.

Na Juventus, o único problema prático para Capello é lidar com Del Piero no banco, o que não é pouco. Del Piero tem muita força no elenco juventino. Tanto que o goleiro Buffon já disse que o atacante “tem de ser ajudado num momento difícil, e não criticado”. As palavras não são para Capello, mas acabam respingando no técnico. Somando, tudo parece parelho, exceto pela dificuldade de se tirar a liderança de uma Juventus capelliana.

Empat-Inter

A Inter é a única equipe invicta do Italiano. Em 20 rodadas, não perdeu nenhuma vez. Mas conseguiu a proeza de empatar 14 vezes, o que já a eliminou da briga pelo título. Mais: criou um clima no elenco e na diretoria, que fala em contratar este e aquele e “garante que não se toca no técnico”, o que, por si só, significa que o mesmo não é mais uma unanimidade.

Quem são os culpados? Todos. Todo mundo que tem algo a ver com a Inter tem um pouco de culpa. Para começar, o técnico Roberto Mancini. O ex-jogador de Lazio, Bologna e Samp chegou a San Siro como se fosse ensinar futebol ao mundo, e não procurou conter os ânimos. Vê-se agora que Mancini, apesar de talentoso, ainda tem muito o que aprender, tanto taticamente, quanto na gestão de jogadores.

Também há uma boa parcela de culpa a ser dividida entre os jogadores. No papel, o elenco da Inter é tão suntuoso quanto o de um Chelsea, por exemplo, mas não consegue resultados graças a uma combinação de indisciplina, falta de determinação e de confusão que reina em Appiano Gentile. Não há uma referência no grupo (como Maldini no Milan, Totti na Roma) e todo mundo parece estar ali de passagem.

Certamente a maior culpa é dos dirigentes. Massimo Moratti, que deixou a presidência para “resolver” o problema da Inter, simplesmente humilhou um mito interista como Giacinto Facchetti, astro da Inter de Helenio Herrera, e que aceitou um cargo de presidente onde quem manda mesmo é o dono do dinheiro – ou seja, Moratti. O clube contrata muito, mal e caro, beneficiando somente aos empresários e jogadores contratados – e a mais ninguém.

“Ah, mas ainda há 18 rodadas”. É verdade. Para poder lutar pelo título, a Inter teria de tirar uma média de 0,9 pontos por rodada, quando, na verdade, ela mesma perdeu uma média de 1,4 pontos por rodada, contra 0,65 pontos perdidos por rodada da Juventus. Possível é. Na matemática.

– Fabio Capello completou, neste final de semana, 400 jogos na Série A, como treinador

– Totti e Chiesa (Siena) completaram 300 como jogadores, na Série A; Vigiani (Livorno), chegou á sua 200a como profissional

– Mais um treinador perde o lugar na Série A

– A Fiorentina, que já tinha demitido Emiliano Mondonico, agora demitiu seu substituto, Sergio Buso

– Dino Zoff, o recordista em aparições como jogador pela Série A (570), é o novo técnico viola

– Mercado Inter (sempre em chamas): O Genoa está interessado no brasileiro Zé Maria (que trabalhou com o técnico do clube de Genova, Serse Cosmi, no Perugia); e o lateral Francesco Coco quer rescindir seu contrato por achar que não tem chances de jogar com Roberto Mancini

– E esta é a seleção Trivela da primeira rodada do returno do campeonato italiano, a 20a

– Storari (Messina); Barzagli (Palermo), D’Anna (Chievo) e Stovini (Lecce); Albertini (Atalanta), Mozart (Reggina), Tedesco (Reggina) e Vidigal (Livorno); Bellucci (Bologna), Cassano (Roma) e Colombo (Livorno)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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