Onde nasce o scudetto

Detalhes. Num torneio de alto nível, com os times de ponta equilibrados, é aí que se decide o campeão. O time que vai levantar a taça de campeão italiano na primavera européia de 2005 certamente terá sido favorecido por estes detalhes. E isso até tem um pouco do fator sorte. Mas bem pouco.< Neste final de semana da 21a rodada, a Juventus abriu oito pontos do vice-líder Milan. E a sensação que está no ar, por hora, é a de que as últimas duas semanas terão sido o lugar em que nasceu o 28o título juventino. Claro que ainda há 17 rodadas e 51 pontos em jogo, mas a liderança da Juve parece, pela primeira vez no torneio, ter se consolidado de forma importante. O primeiro ponto que chama a atenção é a distância entre Juve e Milan. Desde que o campeonato começou a ser disputado a três pontos por vitória, esta é a primeira vez que a líder abre tal distância na 21a rodada. Também é verdade que este é o primeiro campeonato com 20 clubes desde então (o que pressupõe quatro jogos a mais no torneio, contra times teoricamente mais fracos), mas a estatística não deixa de ser importante. Outro indicador da consistência da vantagem ‘bianconera’ é o rendimento dos jogadores que vinham machucados e voltaram a jogar e dos substitutos que entraram no lugar dos machucados. Na Juve, Trezeguet passou o primeiro turno contundido, e voltou muito bem, dando condição para, se for necessário, Ibrahimovic descansar. E contra a Atalanta, Olivera substituiu Nedved à altura. No Milan, a volta de Stam desequilibrou um pouco a defesa (natural depois de uma pausa tão grande). Coloccini, o outro zagueiro, jogou tão mal (pela enésima vez) o primeiro tempo contra a Udinese para a Copa Itália que foi vendido para o La Coruña. E Cafu e Pancaro, dois ‘velhotes’ que tiveram temporadas excelentes na conquista do título, estão em claro período nebuloso. Outro ausente ilustre, Pippo Inzaghi, teve toda a sorte do mundo ao escapar com vida do Tsunami no Pacífico, mas está numa fase negativa no que diz respeito a contusões. Recuperado da cirurgia no tornozelo, jogou o segundo tempo contra a Udinese e quebrou um dedo. Volta a jogar em três semanas. Para finalizar, Seedorf deu uma de “prima-donna”, se apresentou com atraso das festas natalinas e (ainda que negado pelo clube), está no banco como “castigo”, decidido pelo próprio grupo. Enquanto a Juve passou pela tempestade sem, danos graves, o Milan faz água (já são duas derrotas consecutivas na Série A). O cenário em Milanello não é colorido. Para piorar, Shevchenko rompeu um músculo do pé e deve ficar de fora por cerca de um mês, exatamente quando os dois únicos atacantes do grupo – Crespo e Tomasson – não passam por fases sensacionais (o que pode levar Ancelotti a voltar a usar o 4-3-2-1 – mas para tanto, precisa de Seedorf). E para alinhavar tudo isso, é nítido que o Milan dá uma prioridade muito maior à Liga dos Campeões. O maior problema aparente para a Juventus administrar é a “crise” de Del Piero. Uma crise que não existe. ‘Ale’ não está jogando seu melhor futebol, mas Totti, Baggio e Maldini também tiveram campeonatos ruins. De qualquer forma, Fabio Capello costuma ser duro em divididas com jogadores, e o clima não é dos melhores. Na virada do ano, os ventos sopravam para o Milan; agora, sopram contra. Se não houver inversão de tendência, é Juve na cabeça. E a Fiorentina desbancou o Chelsea

Estava demorando. Na semana passada, o “Sugar Daddy” Roman Abramovich fez um chequinho e o ofereceu ao Lecce. Eram € 13 milhões, à vista, para ter o passe do mais-que-promissor Valeri Bojinov, considerado o sucessor de Stoichkov na Bulgária (e endossado pelo próprio).

Apesar do salário de € 1,5 milhões anuais que iria receber por cinco temporadas, Bojinov disse “não”. O motivo? Não queria ser emprestado ao CSKA Moscou até poder ter uma vaga na corte de José Mourinho em Stamford Bridge. Ao dizer “não”, Bojinov quase levou à loucura os dirigentes do Lecce, que pagaram cerca de R$ 150 mil, há cinco anos. Para a sorte de todo mundo (menos do Chelsea – aparentemente), a Fiorentina, bancada pelo milionário Diego Della Valle, refez a proposta e ainda deu ao Lecce o meia chileno Valdés. E Bojinov aceitou.

A Fiorentina faz uma aposta com um pouco de risco, mas também com muitas chances de dobrar seu dinheiro em seis meses. Bojinov é sem dúvida um jogador fora-de-série, e bem orientado, tem tudo para vir a ser um ‘top’ do futebol mundial. E a continuar a sua evolução, vai ser alvo de mercado dos bilionários europeus novamente.

Esportivamente, a Fiorentina faz uma boa negociação, embora esteja alcançando resultados muito aquém de seu potencial. O time ‘viola’ tem nomes como Jorgensen, Nakata, Obodo, Ujfalusi, Miccoli e Maresca, mas nesse momento, sofre para sair da área perigosa da tabela. Grande parte do fracasso da temporada se deve à má escolha de manter Emiliano Mondonico no início do campeonato. O excelente Cesare Prandelli disse que foi sondado e que aceitaria treinar o time Fiorentino, mas só a partir do ano que vem, em respeito à Roma, que teve de abandonar para ficar com sua esposa doente (e que, recentemente, teve melhoras significativas).

Vieri-Toldo: recuperação gradual e sólida

A Inter é uma grande confusão que não é difícil de entender. Um exemplo sintomático da falta de ordem que reina no clube de Via Durini é a trajetória do goleiro Toldo e do atacante Vieri nesta temporada. Ambos começaram contestados, e também, ouvindo vários comentários acerca de suas cessões. Toldo chegou até mesmo a ficar no banco do goleiro Fontana, e depois, de Carini, o reserva que veio na troca por Cannavaro.

Não era preciso ser um gênio para se dar conta que as pessoas estavam com alguma espécie de falta de oxigenação no cérebro. Vieri já tem mais de 100 gols pela Série A, mais de 100 gols pela Inter, e ainda assim, o atacante bolonhês fica sob suspeita. Com Toldo, é ainda pior. Desde que chegou à Inter, Toldo foi o jogador mais regular do time, carregando a equipe nas costas em muitas oportunidades, como na segunda partida das quartas-de-finais da Liga dos Campeões em que os italianos eliminaram o Valencia com Toldo fazendo dezenas de milagres.

Na partida do último domingo contra o Palermo, Vieri e Toldo salvaram a Inter do milésimo empate. Toldo realizou uma defesa antológica tirando uma bola da forquilha numa batida de Grosso, e Vieri fez os dois gols da vitória. Não terá sido coincidência, mas nenhum dos dois saiu de campo com cara de amor, e sim com uma cara de quem provou seu valor.

O mistério Seedorf

Depois do ano novo, Seedorf quase não apareceu em campo como titular do Milan. Ok, em parte a ausência do holandês se explicava pelo crescimento do francês Dhorasoo, mas ainda assim era estranho. Porque o principal meio-campista dos últimos dois anos no Milan não jogava se não estava machucado?

Na última semana, a Gazzetta dello Sport publicou uma matéria dizendo que o sumiço de Seedorf tinha sido causado pelo atraso na sua reapresentação, após as festas de final de ano. Seedorf teria se apresentado três dias depois dos outros jogadores e não teria pedido nenhuma espécie de autorização para isso.

No vestiário, os “senadores” do grupo milanista deram uma comida de rabo explícita no holandês e, também em grupo, decidiu-se, com o aval do técnico Carlo Ancelotti, que Seedorf ficaria de fora do time titular como punição. A história foi desmentida pelo clube, que repreendeu publicamente a Gazzetta pela matéria.

Ao contrário da Inter, e como na Juvem o Milan tem uma disciplina bem rígida com seus jogadores, embora tudo tenha um clima bem amistoso. A questão que fica é: se Seedorf tomou um puxão de orelha desses, vai aceitar e continuar bem no grupo? Ou então, não haveria uma proposta de algum Chelsea da vida tentando o jogador?

O fato claro é que as próximas semanas serão decisivas para que o comportamento de Seedorf tire as nuvens do redor de sua situação no clube. O único meio-campista que venceu a Liga dos Campeões por três clubes diferentes tem grande mercado na Europa, e custou ao Milan o passe de Francesco Coco, que semana passada, pediu rescisão de contrato com a Inter por nunca jogar.

– O zagueiro Lilian Thuram completou 100 jogos pela Juventus neste final de semana

– Excelente o mercado de inverno da Fiorentina

– Além do já citado Bojinov, também foram para Firenze o atacante Pazzini (Atalanta) e o volante Donadel (Milan)

– Outro que a Atalanta perdeu foi Damiano Zenoni, que rumou para Udine

– A Roma negociou o lateral Candela com o Bolton

– Esta é a seleção Trivela da 21a rodada:

– Peruzzi (Lazio); Thuram (Juventus), Cannavaro (Juventus), Stovini (Lecce) e Grosso (Palermo); Mancini (Roma), Emerson (Juventus), Ledesma (Lecce) e Cassetti (Lecce); Vieri (Inter) e Bonazzoli (Reggina)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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