Atrás das grades

Se alguém contasse esta estória há dois anos, seria chamado de louco, e provavelmente, ganharia um processo criminal daqueles bem carnicentos. Mas a verdade é que os dois maiores empresários do setor de laticínios na Itália até bem pouco tempo, Calisto Tanzi e Sergio Cragnotti, estão neste momento, atrás das grades.

Tanzi já está preso desde 18 de janeiro; Cragnotti foi encarcerado na semana passada, com direito a mãos algemadas e tudo mais. Na verdade, o crime de ambos é similar: acusação de bancarrota fraudulenta, ou seja, sumiço de dinheiro de uma empresa, com benefício de alguns credores em detrimento de outros.

A cadeia italiana não deve estar vazia, porque junto do ex-dono da Lazio, muitos outros executivos foram para o xilindró, todos no mesmo escândalo. Aliás, os dois casos são bastante interligados, porque a derrocada da Parmalat tem muito a ver com a queda da Círio (empresa de Cragnotti). Calisto Tanzi, semanas atrás, disse que a Parmalat se enterrou em dívidas após ser forçada a comprar várias fábricas da Círio a preços super-faturados, visando tirar a corda do pescoço dos credores daquela empresa.

A tramóia deve ser bem maior do que imaginamos nós, reles assalariados. Outra coincidência entre os dois casos, além das prisões, do ramo dos laticínios e dos clubes de futebol é que tanto Tanzi quanto Cragnotti viraram suas acusações para grandes bancos da Itália, especialmente a Capitalia, do poderoso Cesare Geronzi. Geronzi teria sido o pivô da quebra dos dois grupos, manipulando ativos e passivos com a força de quem é o maior credor de ambos. Ou melhor, era, porque os credores de Círio e Parmalat certamente não estão em situação tão vantajosa.

Para os gramados, a repercussão será menos aguda. A Lazio já teve sua situação crítica afastada (ainda que tenha recebido favores poçíticos para seguir em frente), e mesmo que não tenha o poder econômico de outrora, já caminha sozinha. O Parma ainda está no olho do furacão, mas dá sinais de ter passado o pior. Não deve cair para a Série B, e com alguma sorte, consegue vagas européias para bombar o cofre.

Pena que o rigor da Itália não se estenda até aqui. As cadeias não teriam mais vagas.

Sob o fantasma do doping

O leitor assíduo de Trivela há de estranhar, mas o fato mais importante desta semana é a morte de um ciclista. Sim, o site continua tratando do mesmo assunto, futebol, e não pretende alterar o seu foco. Mas o falecimento de Marco Pantani, talvez o maior ciclista italiano desde Fausto Coppi, tem tudo a ver com futebol.

A morte de Marco Pantani por “causas naturais” joga um galão de aguarrás na fogueira da discussão sobre o doping. “Il Pirata”, único ciclista italiano capaz de vencer o Giro D’Italia e o Tour de France (as duas provas mais importantes do ciclismo) na mesma temporada, desde o mítico Coppi (1949-1952), teve sua carreira destroçada após ter sido pego num exame anti-dopagem. Pantani teria usado eritropoietina, ou EPO, substância sintetizada pelo organismo, mas utilizada em larga escala por atletas de esportes de fundo, que precisam de resistência.

A perda do ídolo, mais a assustadora morte de Marc Vivien Foe, há menos de um ano, somada a de Miklos Feher há poucas semanas, nem mesmo o ‘establishment’ esportivo, voluntariamente cego, pode continuar a deixar de lado um fato: o esporte profissional, que todos os anos vende milhões de chuteiras, camisetas e bicicletas, está assassinando seus maiores protagonistas. Sob as vistas e com a conivência de todos.

O choque na Itália ainda não permitiu este tipo de reflexão, porque lá, Pantani é um astro de primeira grandeza. Contudo, o raciocínio óbvio é o de pensar aos inúmeros casos de doping no futebol, ao processo que a Juventus sofre em Turim (e que a incomoda barbaramente), às mortes contínuas de ex-jogadores nos últimos anos pelo Mal de Gehrig (uma espécie de esclerose que suspeita-se possa ter maior incidência pelo uso de ‘medicamentos’).

A complacência com que as autoridades futebolísticas (FIFA inclusa) têm com os casos de dopagem é não menos responsável do que o receituário das drogas por médicos inescrupulosos. Alguns esportes, como o próprio ciclismo, estão infestados até a alma pela praga, mas finge-se que se trata da minoria. E quando se arruma um bode expiatório como Pantani, dá-se lugar a uma inquisição mediática. O ciclista foi consumido por essa inquisição, e isolado como um Lázaro, foi dilacerado por uma depressão pavorosa.

Claro, outro motivo para relacionar a morte de Pantani com o futebol era a sua fé futebolística. Milanista “doc”, Pantani ia a jogos do clube sempre que possível, e o time jogou de luto no empate em Lecce. A Itália chora a morte de um ídolo, e vê na morte do ciclista, a agonia do futebol. Um jornalista italiano disse que foi a “crônica de uma morte anunciada”. Podemos colocar a frase no plural, pois a crônica continua.

Parma versão Ajax

As tetas da vaca da Parmalat estão mais secas do que o deserto de Góbi. Agora é a hora em que o Parma vai ter de mostrar se pode ou não pode seguir como protagonista. Sem dinheiro, a criatividade toma lugar. E o modelo a ser seguido, segundo o dirigente Luca Baraldi, é o dos holandeses do Ajax.

A teoria de Baraldi é a seguinte: grandes contratações não terão mais lugar no futebol contemporâneo, e especialmente, num clube com problemas financeiros como o Parma, sediado numa cidade de pouco mais de 170 mil habitantes. As divisões de base passam a ter então um papel vital, onde os jogadores são criados para ter uma identidade com o clube. A idéia é a de ser reconhecido como um clube onde surgem grandes jogadores.

Outra preocupação do clube é a de se colocar de acordo com as regras da UEFA para a temporada que vem, onde os débitos terão de estar obrigatoriamente adequados às despesa e não se serão admitidos salários atrasados nem dívidas com o fisco e previdência.

O Parma tem estrutura bastante adequada para se transformar num clube de ponta no segundo escalão da Europa, lutando por Copa UEFA e eventuais vagas na Liga dos Campeões, somente na base da boa gerência. O furacão empresarial que sacudiu o clube veio num momento em que a circunstância pôde ser administrada, e talvez esta tenha sido a grande sorte.

Trapattoni peita os grandes clubes

Giovanni Trapattoni resolveu dar um murro na mesa. Depois de semanas sendo “ameaçado” pelos técnicos dos grandes italianos (Milan, Roma, Juve, Inter e Lazio), o CT italiano contra-atacou, sem medo. Os técnicos reclamavam que não queriam ver seus maiores astros convocados para amistosos da “Azzurra”. Trapattoni deu de ombros.

Numa semana onde a Juve vai visitar um crescente Bologna, a Lazio viaja até Verona, para pegar o Chievo, a Roma hospeda o Siena e Milan e Inter se enfrentam num derby milanês, ‘Trap’ chamou simplesmente 15 atletas entre os 22 que jogam em um dos cinco. O recado de Trapattoni é claro: a seleção não é um ajuntado de quinta categoria e quem quiser ir para a Euro-2004 vai ter de ralar a bunda.

Tirando o duo de goleiros Buffon-Toldo, que só não vai para Portugal se estiver machucado, Trapattoni chamou somente três debutantes. Na defesa, Bettarini, da Sampdoria, 31 anos e nove clubes na carreira. A idéia é fechar um setor que tem opções satisfatórias, e onde Cannavaro não consta por contusão.

Os outros dois debutantes são no meio-campo. Volpi (Sampdoria) e Barone (Parma) tentarão convencer Trapattoni numa posição onde somente Perrotta convenceu. Trapattoni espera na recuperação de Cristiano Zanetti, mas o interista está numa espiral de contusões e o técnico não pode ter certeza que, depois de quase um ano de entra-e-sai na enfermaria, Zanetti estará bem para o Europeu.

Se optar por um 4-4-2, o ataque é Totti-Vieri, com certeza. Mas caso escolha o 3-4-1-2, sistema que deu as melhores respostas até agora, Totti deve figurar atrás de Del Piero-Vieri, com Cassano correndo por fora. Trap também deve acabar levando Filippo Inzaghi, se o milanista se recuperar da ciranda de lesões.

Eis os 22 convocados para a partida desta semana contra a República Tcheca de Pavel Nedved:

Goleiros: Buffon (Juve) e Toldo (Inter)

Defensores: Adani (Inter), Bettarini (Sampdoria), Ferrari (Parma), Legrottaglie (Juve), Nesta (Milan), Oddo (Lazio), Pancaro (Milan), Panucci (Roma)

Meio-campistas: Barone (Parma), Di Natale (Empoli), Fiore (Lazio), Nervo (Bologna), Perrotta (Chievo), Pirlo (Milan), Volpi (Samp)

Atacantes: Cassano e Totti (Roma), Corradi (Lazio), Del Piero (Juventus), Vieri (Inter).

Curtas

No domingo, faleceu mais um jogador, vítima do Mal de Gehrig

É o defensor Minghelli, do Arezzo, clube onde foi treinado pelo técnico Serse Cosmi

Minghelli tinha somente 31 anos

O artilheiro do campeonato, Andriy Shecchenko, fez contra o Lecce, a sua partida oficial de número 200 com a camisa do Milan

Shevchenko, curiosamente, também estreou pelo Milan contra o Lecce, no mesmo estádio Via Del Mare, também marcando um gol, e também num empate, mas pelo placar de 2 a 2

Fabio Pecchia, da Juventus, completou 300 jogos pela Série A, divididos em 6 equipes: Sampdoria, Juventus, Napoli, Como, Bologna e Torino

Daniele Adani (Inter) e Fernando Couto (Lazio), completaram 150 partidas na divisão máxima, enquanto Siviglia (Lecce) chegou à 100a

O Perugia não vence uma partida na Série A há 26 rodadas

A última foi contra a Atalanta, no campeonato passado, por 1 a 0

Esta rodada, a de número 21, foi a mais magra da temporada, com somente 18 gols em 9 jogos

Eis a seleção Trivela desta semana no campeonato Italiano

De Sanctis (Udinese); Natali (Bologna), Nesta (Milan) e Stam (Lazio) ; Pizarro (Udinese), Bolaño (Parma), Bresciano (Parma) e Doni (Sampdoria); Chevantón (Lecce), Amoruso (Modena) e Baggio (Brescia)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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