O gigante bom

Numa semana que a Itália certamente vai preferir esquecer (exceto os milanistas), depois do trauma da perda de Marco Pantani, o torcedor novamente tira os lenços do bolso. No sábado, depois de uma longa luta contra um câncer e o Mal de Alzheimer, morreu John Charles, centroavante da Juventus na linha de ataque mais famosa da história do clube, junto com Giampiero Boniperti e Omar Sivori.

O leitor deve estar se perguntando se é pertinente tratar com tanto destaque assim de um jogador que atuou em meados dos anos 50, e que a grande maioria dos contemporâneos não viu jogar. Esta coluna acha que sim. O galês Charles foi chorado talvez com maior intensidade na Itália do que no Reino Unido, tal era a devoção dos peninsulares pelo mito.

Esse mito começa a sua história no Leeds United, nos difíceis anos do poá-guerra. Entre 1947 e 1957, John Charles marcou 154 gols em 316 jogos pelo time de Elland Road. Em 57, Umberto Agnelli, então o presidente mais jovem da história do clube, com 21 anos, gasta 105 milhões de liras para levar Charles para Turim. O esforço se explicava pela performance incolor da Juve, que tinha levantado o último troféu seis anos antes, e amargara, de fila, dois nonos e dois sétimos lugares.

A linha Sivori-Boniperti-Charles fez história, com 77 gols e um ‘scudetto’ já na primeira temporada. Além da capacidade monstruosa de marcar gols, Charles ganhou o apelido de “Gigante Buono”, porque passou toda a sua carreira sem levar uma advertência (os cartões amarelos só apareceriam na década seguinte) ou ser expulso. Em seus cinco anos de Juve, levantou três títulos nacionais (entre eles o de número 10, que deu a primeira estrela ao clube piemontês), uma Copa Itália, marcando 105 gols em 178 jogos.

O 1m86 de Charles hoje parecem comuns, mas cinqüenta anos atrás justificavam plenamente o apelido de gigante. Excelente no jogo aéreo, entrava na área sob marcação cerrada dos adversários, mas se recusava a abrir os braços para atingi-los. E ainda assim, ganhava a parada, na maioria das vezes. Vestiu a camisa de Gales em 38 partidas.

Charles passou mal antes de participar de um programa de TV na Itália, no mês passado. No hospital, teve sua situação estabilizada, mas sabia-se da gravidade de sua situação. A Juventus pagou um avião-hospital para leva-lo de volta à Leeds, onde acabou falecendo no último sábado, e fazendo a ‘Vecchia Signora’ jogar de luto nos braços, contra o Bologna.

A afeição extraordinária do torcedor italiano pelo “Gentle Giant” foi tão sólida que fez com que ele fosse eleito pelos torcedores como o maior estrangeiro a ter vestido a malha ‘bianconera’. Isso, tendo a concorrência respeitabilíssima de nomes como Michel Platini, Liam Brady, Omar Sivori, Zinedine Zidane, só para citar alguns. No Leeds, é considerado o maior jogador de todos os tempos. Mesmo com um dos derbys de Milão mais espetaculares de todos os tempos, a semana ficou em tons de cinza.

Berlusconi, polêmicas e eleições

Logo depois da fantástica virada do Milan sobre a Inter, por 3 a 2, no sábado, o premiê italiano (e presidente do Milan), Silvio Berlusconi, deu uma entrevista que caiu como gasolina na fogueira. “Mandarei uma carta ao técnico do Milan dizendo que não podemos absolutamente jogar com um atacante só”. O tom feliz se misturou com uma ameaça velada à italiana, e muitos já conseguiram ver no episódio uma ameaça ao cargo de Carlo Ancelotti.

Menos. Berlusconi, que é uma espécie de Maluf italiano, dado seu caráter populista, não deu ponto sem nó. Mais do que repreender Ancelotti, o político quis é colocar seu nome na mídia num momento em que as eleições se aproximam e que a briga com a esquerda italiana vive um momento sangrento. O caso ficou tão sério que a presidente da RAI, Lucia Annunziata, interviu na transmissão da “Domenica Sportiva”, para dizer publicamente que Berlusconi não tinha o direito de fazer um “spot eleitoral gratuito”.

Falsas polêmicas à parte, Berlusconi não pode estar falando sério, porque realmente conhece futebol. Seu Milan faz a melhor campanha da história da Série A até o momento, está classificado na Liga dos Campeões, e consegue fazer proezas como as de sábado. Um ou dois atacantes? Depende do adversário. E até aqui, a gestão do ataque por Ancelotti tem sido ótima.

O 4-5-1 do Milan é tão ofensivo quanto o do Real Madrid, porque quatro dos cinco meio-campistas podem chegar ao gol, confundindo a defesa adversária. Além do mais, Tomasson (o segundo atacante), age tão próximo do meio-campo que às vezes passa por meio-campista. O time só se assume como tendo dois atacantes mesmo quando Shevchenko e Inzaghi estão em campo.

Europa num momento difícil

O retorno às competições européias vem num momento bem duro paa a maioria dos clubes italianos. Por razões variadas, todos os clubes da Série A estão às voltas com algum tipo de dificuldade, e apreciariam bastante se pudessem aguardar mais quinze dias antes de disputar euro-decisões que significam receitas importantes.

Para começar pelo começo, o Milan e a Juventus, os dois italianos que sobreviveram à primeira fase da Liga dos Campeões, olham com preocupação para seus compromissos. O Milan deu uma prova indiscutível de força aovencer a Inter, é verdade, mas tem boa parte de seu time sob exaustão. Os próximos 30 dias têm muitos compromissos duros, e jogadores como Kaká, Cafú e Shevchenko vão precisar, uma hora ou outra, de uma pausa. A boa nova é que a enfermaria está quase vazia – exceção feita à Nesta.

Na Juve, o drama é maior. Com um elenco curto de 22 jogadores, o técnico Marcello Lippi precisa reencontrar o brilho perdido de outrora. Diante de um adversário incômodo como o Deportivo La Coruña, a missão é de alto risco. Del Piero é a aposta para a força extra, e o jovem Maresca, a esperança de substituição à visível flexão de performance de Nedved. Tudo, é claro, sem perder o Milan de vista no campeonato.

Os italianos da Copa UEFA têm situações diferentes. A Roma é a única que respora com alívio, atravessando uma fase em que tem forças suficientes para bater um rival abordável, o Gaziantepspor (TUR). Inter e Parma se batem com problemas de ordem diferente. A Inter enfrenta sua eterna crise endógena, cheia de grandes nomes e pequeno futebol; o Parma, dilacerado por uma crise financeira, tem entusiasmo de sobra, mas é certamente um time mais fraco do que o de dezembro passado. Já o Perugia, vive uma realidade esquizofrênica, onde está com as malas prontas para cair, mas ainda vai bem na competição.

Curtas

O atacante da Roma, Antonio Cassano, deu um passo importante para garantir sua vaga na Eurocopa

Com sua primeira “tripletta” na Série A, Cassano, já igualou a marca de 9 gols da temporada passada

O maior concorrente de Cassano pela vaga é o juventino Miccoli

Dois centroavantes em destaque entre as equipes provinciais

O primeiro é Dino Fava Pássaro, que completou seu 13o gol na temporada

Fava estava na Triestina até Muzzi ir para a Lazio

O outro é Ernesto Chevantón, do Lecce, que dificilmente não segue para uma “grande” no fim da temporada

“Cheva” marcou seu 12o gol nesta Série A

A imprensa italiana segue impressionada com a forma esferica que Jardel se apresenta

O atacante brasileiro ainda não marcou

Quando Roque Júnior chegou ao Siena, depois de ter sido “injustiçado” no Leeds, o clube tiscano estava na décima posição

Quatro rodadas (com quatro derrotas) depois da chegada do brasileiro, o Siena escorregou para uma perigosa 13a. posição

Roque Júnior é um daqueles fenômenos que conseguem se manter em grandes clubes e na seleção sem jamais jogar bem

Depois de sua saída do Palmeiras em 2000, o zagueiro jamais teve uma seqüência de jogos onde não patinasse

A seguir, a seleção Trivela do Italiano na última rodada

Frey (Parma); Iuliano (Juventus), Nesta (Milan), Samuel (Roma); De Rossi (Roma), Baronio (Chievo), Cassetti (Lecce), Pirlo (Milan); Totti (Roma), Cassano (Roma) Chevanton (Lecce).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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