Para além dos 30 do segundo tempo…

“I throw myself into the sea
Release the wave
Let wash over me
To face the fear,
I once believed
The tears of the dragon
For you and for me.”
(Bruce Dickinson)

O Milan vem mal na Serie A italiana. Antes da partida da última terça-feira, válida pela quinta rodada da fase de grupos da Champions League, um enésimo empate pela liga nacional provocou insatisfação da torcida rossonera. Kaká conteve os torcedores, que se irritaram com os maus resultados e com o pênalti perdido por Balotelli, no empate em 1×1 com a Genoa em pleno San Siro. Balotelli por sua vez, postou ditos via rede social dando a entender que “era o fim”, algo que gerou todos os rumores do mundo sobre uma suposta saída de Milanello. A janela de inverno abre em pouco mais de um mês. Birra adolescente?

O Milan foi a Glasgow onde o Celtic já conseguiu ganhar do Barcelona ostentando 80% de posse de bola em 90 minutos. No entanto, o obsoleto jogo defensivo de Massimiliano Allegri funcionou de forma pragmática contra o Celtic. O rossonero já havia vencido o Celtic em Milão por 2×0, na primeira rodada.

Nos detalhes, o Milan venceu por 3×0, sendo que a equipe escocesa também levou perigo ao gol de Abbiati, por diversas vezes. No primeiro gol anotado por Kaká, o camisa 22 subiu sozinho para cabecear em lance de escanteio. O gol do zagueiro Zapata, também saiu em lance de bola parada. O diferencial físico/técnico se deu no gol de Balotelli, quem não vem em sua melhor forma; o terceiro.

Consciente, inconsciente…

Alguns visualizavam aquele Celtic 0x1 Milan das oitavas de final da Champions League 2006/2007, ao fecharem os olhos durante a partida. Aquele time de Carlo Ancelotti também era pragmático, mas os valores individuais eram outros. Na véspera da partida, aqui no Brasil, Seedorf, que pertencia àquela equipe heptacampeã da CL, elegantemente contra argumentava Galvão Bueno. Em seu programa, o narrador afirmou que Pirlo corria pouco, tentando enaltecer um lance plasticamente irretocável de Paulo Henrique Ganso.

Seedorf afirmou que Ganso tem sim grande talento, mas que não poderia ser “resumido” a tal lance. Explicou ainda que Ganso joga numa faixa de campo, no futebol europeu, povoada por marcadores e, que Pirlo atuava mais recuado por ser um low playmaker. Pirlo, presente naquele Milan de 2007, “corria muito” segundo o meia holandês.

Enquanto alguns convidados do programa comparavam Ganso a Zidane ou tentavam desmerecer Pirlo, comparado a Ganso, Seedorf mantinha a serenidade. Serenidade de tetracampeão da Champions League por três clubes diferentes, dois títulos pelo Milan.

Inconsciente, consciente…

A serenidade talvez tenha ressurgido em Milanello personificada em Kaká. Porém o “dinamismo” termo que Seedorf usou para diferenciar Zidane de Ganso, falta tanto ao meia do São Paulo, quanto aos meias do Milan atual. Allegri pode até tentar desenhar um Milan em 4-2-3-1 mas este nunca funcionará como a seleção espanhola ou ao FC Bayern. Birsa, Poli e Montolivo também carecem do “dinamismo” que Seedorf professa e os 37 anos, ainda consegue personificar jogando pelo Botafogo.

Kaká está no Milan, mas aquele Milan de 2003/2004 (campeão italiano) e 2006/2007 (campeão da CL), não estão mais lá. Uma reunion tour similar a uma banda esquecida que tenta retornar decadente, o atual Milan não consegue ser. È como uma carreira solo de Kaká, acompanhado de um ou dois bons coadjuvantes (Balotelli ou De Jong) e uma foca amestrada (Robinho). Kaká faz a alegria da torcida mas em breve será como Totti na Roma ou Di Natale na Udinese, estando ali mais pela história do que por aquilo que seu condicionamento físico possa oferecer. Mas talvez ainda haja um ou outro lance de “dinamismo”.

Kaká que já passou dos trinta, representa plasticamente a crise dos trinta de um torcedor rossonero qualquer. O posicionamento sem bola pode ser diferenciado, assim como o fôlego que pode se poupar por se colocar no lugar certo. Era algo que se via em Inzaghi, então com 34 anos, que formou dupla de ataque com Kaká em 2006/2007.

Ao sair do Real Madrid, Kaká era como o eu lírico daquela canção “Tears of The Dragon”, que Bruce Dickinson lançou logo após sair do Iron Maiden em 1993. O cantor ali aos 36 anos, devia estar passando por uma crise dos 30 tardia. Dizia que estava num lugar tinha asas mas não podia voar, dizia que tinha lágrimas que não poderia chorar, dizia que tinha emoções cristalizadas num lago congelado. De qualquer forma, Mourinho não chora pela ausência de Kaká.

A última vaga do grupo H para o mata-mata da CL será jogada pelo Milan, frente a frente contra o holandês Ajax, que revelou Seedorf, onde o meia obteve seu primeiro título da competição. No Milan atual Kaká atira a si mesmo no mar vermelho e negro de Milão…

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
Top