Futebol de verdade, expectativa de mentira

Jogamos com a Inglaterra. A Tevebrás oficial se esforçou para mostrar que está tudo dentro do previsto e gerar expectativa para o jogo, onde o homem que assina os cheques da Copa é seu comentarista. Ele também é o único ‘comentarista’ com passe livre para poder acessar os vestiários. Noutro mundo, o mundo de verdade. o Brasil jogou o que podia – com algum talento, pouco preparo e raça zero. Tenta-se fazer de Neymar um Pelé, de Fred, um Ronaldo e de Paulinho, um Ramires. Todas as missões são impossíveis, mas pelo menos Felipão pode tentar fazer Ramires jogar como Ramires. Basta chamá-lo.

Scolari definitivamente não é mais o mesmo – pelo menos não como técnico. Seu time não vibra, e é isso o que mais chama a atenção. Times de Scolari podem ter todos os defeitos do mundo, mas comem grama como se não houvesse amanhã. Bem, o finado Palmeiras também não vibrava. Nem o Chelsea. Talvez já faça tempo que um time do gaúcho tenha vibrado. Ele precisa resgatar isso se quiser entrar para a história do futebol brasileiro positivamente.

Taticamente, a Seleção entrou em campo também errando consideravelmente. A defesa é mais ou menos essa mesmo (Júlio César ainda joga ali com os DVDs da conquista da Tríplice Coroa na Inter, mas, ok). Aí, vem o meio-campo. Tanto Luís Gustavo como Paulinho não foram adequados. O primeiro pode vir a ser uma alternativa para se jogar com um cabeça de área, mas Felipão deveria considerar o uso de três meio-campistas de força e qualidade. Certamente, em nenhum dos casos entra Paulinho. O corintiano precisa ir para um futebol mais forte para testar sua verdadeira capacidade. Sim, ele é enaltecido por mídia e torcida, mas da mesma maneira, também Jucilei e Elias já foram considerados candidatíssimos à Seleção. Corinthians e Flamengo são caixas de ressonância muito fortes e frequentemente superestimam jogadores medianos.

A linha de frente de Scolari também não era a mais inteligente. Hulk tem o físico necessário para jogar no meio da área, mas foi postado mais aberto para dar espaço a Fred. O atacante do Fluminense certamente é o melhor atacante em atividade no Brasil e seria titular em qualquer time médio da Europa. Talvez ainda pudesse até ser uma opção de banco, mas só tem o cartaz que tem porque joga numa liga de segunda. Diferentemente de Neymar e Lucas, Fred não é um craque indispensável. Hulk também não, mas além de ter experiência em torneios mais fortes, tem a força física para compensar a leveza da dupla Neymar-Lucas, indubitavelmente a única que precisa ter vaga assegurada. Assim como Ronaldinho Gaúcho, Fred brilha por jogar na escuridão. No futebol que conta, nenhum dos dois tem espaço.

Por fim, o problema mais sério da Seleção: falta um líder. Não me refiro a um pseudolíder tipo Lúcio, que confunde liderança com cara feia e berros apopléticos. Falta à Seleção um jogador respeitado e, se não querido, pelo menos temido. Os jogadores brasileiros perdem-se numa mistura de vaidade, egolatria e narcisismo que torna difícil o aparecimento de um nome de referência. Todas as seleções e times vitoriosos têm mais de um líder. Se o Brasil quiser vencer a Copa do Mundo, precisa achar os seus.

E é justamente na questão dessa expectativa que são prestados os maiores desserviços. O Brasil vive hoje uma expectativa criada pela mídia, mas principalmente pela Tevebrás, a emissota oficial, que quer “contagiar” todo mundo para que os anúncios ufanistas e caríssimos do futebol da Seleção não soem inadequados. Como já escrevi nesse blog, o jornalismo esportivo desapareceu porque o leitor-espectador passou a ser cliente e dizer a verdade nem sempre vende bem. Neymar deveria recusar a camisa 10 e não estimular essa comparação estúpida e injusta que, sim, bomba seu cachê, mas põe sobre ele uma carga que ele visivelmente não consegue carregar. O Brasil hoje, jogando tudo o que pode, ainda é pior do que Alemanha, Espanha e talvez até que outras seleções. O futebol de hoje diante da Inglaterra é o que o Brasil tem. Aquele dos chapéus e bicicletas de Neymar com gols de placa de Fred só existe no discurso oficial de que o rei não está nu.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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