Allegri, ma non troppo

A novela que se arrasta tendo o técnico Massimilano Allegri, o diretor Adriano Galliani e o ex-premiê e todo-poderoso milanista, Silvio Berlusconi, não terminará bem. No pano de fundo rubro-negro que vê um martírio operístico do treinador, o desfecho está definido: Allegri deixa o clube. Talvez isso não aconteça nesta semana (embora tudo indique que sim), mas a tentativa de Galliani de manter Allegri depois de um quase-milagre (classificação para a LC depois de vender os dois principais jogadores do time) é em vão. Freud teria dezenas de observações para fazer em relação à figura paterna castradora de Berlusconi. A luta não é de Allegri para permanecer no posto. Trata-se da enésima tentativa de Adriano Galliani se afirmar com Berlusconi lhe podando a autoridade.

Não é coincidência. Todos os treinadores que chegaram ao Milan por uma ideia de Adriano Galliani acabaram demitidos por Berlusconi direta ou indiretamente. Óscar Tabarez, hoje na seleção uruguaia, viu seu castelo ruir depois de ser eliminado pelo Bordeaux de Dugarry na LC; Alberto Zaccheroni sofreu o mesmo destino, depois de um empate em San Siro com o Deportivo de Mauro Silva que valeu a vaga aos espanhois (“Começo o Milan de novo hoje”, disse Berlusconi, no dia seguinte ao jogo); Fatih Terim, que tinha montado uma Fiorentina ofensivíssima e sido campeão da Copa da Uefa com o Galatasaray sucumbiu depois de perder para o Torino num pênalti desperdiçado por Inzaghi; a mesma coisa para Leonardo, criticado por Berlusconi desde o seu primeiro dia. Até Ancelotti, uma solução “pensada” por Galliani, mas com o aval de Berlusconi, depois da degola de Terim, precisou de muito jogo de cintura para suportar a mala berlusconiana. Allegri não foi demitido antes porque Berlusconi sabia que ele mesmo seria acusado pela má campanha depois de vender Ibrahimovic e Thiago Silva. O técnico ardeu na fogueira porque era conveniente que fosse assim.

A ideia de se colocar Seedorf como técnico sem experiência é uma tentativa típica de Berlusconi. O holandês, poliglota que é, com um currículo sensacional, proporcionaria uma grande exposição na mídia ao clube e a ele próprio. Sem falar que remeteria a outra aposta que o presidente milanista fez num treinador sem experiência – Fabio Capello. Tivesse Leonardo dado certo e certamente fotografias dele com o político teriam dado a volta ao mundo como outra aposta certa (mesmo que a iniciativa de contratar o ex-jogador brasileiro tenha definitivamente partido de Galliani). Na prática, Seedorf no banco de qualquer time é uma aposta cega. E, certamente, acontecesse um empate em 0 a 0 com o Sassuolo, Seedorf encontraria-se jogado à mesma fogueira ardente na qual Allegri se encontrou depois do Milan não vencer o Anderlecht.

Allegri está mais que ciente de quão egocêntrico, manipulador e inescrupuloso seu patrão atual é. Mesmo que Galliani consiga dobrar seu castrador, o feitiço durará só até a primeira derrota. Mesmo que ela não chegue, o político continuará a dizer a colegas no parlamento que Allegri “não entende um cazzo” de futebol e que “insiste em fazer besteiras”. A oferta de um ambiente menos conturbado em Roma, onde o único cacique realmente desestabilizador é Totti (De Rossi deve acertar sua situação contratual até Agosto ou ser vendido e por isso tende a causar menos problemas). Osvaldo, outro puxador de tapetes em potencial, dificilmente volta a jogar pela Roma.

Berlusconi pode ser o patife que for, mas ´sempre foi inteligentíssimo. Talvez o maior erro da esquerda italiana tenha sido sempre dispensar a ele o tratamento dado a um palhaço. Ele certamente aproveitou esse menosprezo para levar a Itália à maior crise desde a II Guerra Mundial. A quantidade de vezes em que ele se beneficiou de suas apostas no Milan é infinitamente maior do que os seus flops. Contudo, ele não tem mais a força de outrora – seja politicamente, seja mentalmente, seja economicamente. O episódio do estica-e-puxa de Allegri pode ser mais um marco na sua lenta decadência, que se iniciou na década passada com a série de processos aos quais ele foi submetido (um jornalista fiorentino já falecido, Indro Montanelli, costumava dizer que “Berlusconi entrou na política para não acabar na cadeia”). À platéia, cabe assistir a peça e descobrir se ela acaba mais ou menos alegre. Para os milanistas, apostar num final feliz do affairé esperar muito da sorte.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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