A crise existencial de um Barcelona perfeito

O Barcelona não está bem. A derrota para um Milan promissor, mas ainda medíocre e a derrota indiscutível para um Real Madrid determinado fazem crer que o time não está bem. A má fase não é técnica – é mental. Pensando no ano que vem (porque dificilmente conquista-se a Liga dos Campeões ou perde-se o Espanhol nas atuais circunstâncias), os catalães fariam bem a pensar num novo nome para seu banco de reservas. Por mais triste que seja, é fato que imaginar Tito Villanueva com a capacidade física que o cargo exige é otimismo puro. E sem treinador – como acontece hoje – nem o melhor time do mundo consegue jogar sem perder rendimento. O Barça precisa de um novo organizador.

MessiA autossuficiência catalã é um motivo de orgulho na região. Tento me lembrar de outro time formado assim, em casa e, num espaço de pouco mais de 50 anos, me lembro somente de três – o Manchester United dos “Busby Babes“, o Celtic de Jock Stein e o Ajax de Cruyff e Rinus Michels. Era um fenômeno raro e agora, num mundo sem distância, virtualmente impossível.

Dada toda a importância necessária ao entrelaçamento cultural fantástico que o Barça tem com a Catalunha (sim, eu acredito ainda que os clubes são parte da comunidade e quando conjugam jogo e raízes, o futebol exprime-se ao máximo), o superBarça precisa de um novo técnico. Guardiola estará sentado no banco de Munique em julho e as chances do Bayern abrir um ciclo de sucessos é grande, especialmente porque clube e técnico professam o mesmo credo do desenvolvimento de jogadores em casa.

Se tivesse um ótimo time, mais Messi, o Barcelona já seria o melhor time do mundo. Mas é muito mais que isso. Em pelo menos quatro outras posições, o elenco blaugrana pode competir pela coroa de melhor do mundo na posição. Mas o período desde a saída de Guardiola deixou claro que esse grupo soberbo ainda se ressente da ausência de um timoneiro. Falta ao Barcelona a determinação de outros anos, um foco obsessivo que fazia o time fazer maravilhas sem se maravilhar.

É difícil imaginar quem poderia estar à altura do cargo. Os nomes óbvios do Olimpo dos técnicos – Capello, Ancelotti, Ferguson – são todos muito “velhos” para a tarefa; Mourinho, o único à altura dos anteriores que tem a idade correta, é descartado por princípio. O português é a nêmese do Barcelona, uma espécie de Darth Vader incapaz de seduzir Messi Skywalker para o lado negro da força. Entre todos os restantes, é difícil ver alguém que já se tenha mostrado tão promissor as ponto de merecer a chance de tirar Excalibur a pedra em que estava enterrada e clamar para si a coroa de rei.

A medida, contudo, é fundamental. Villanueva certamente tem a competência necessária para o cargo de assistente de Deus, mas mesmo com a saúde que todos lhe desejam, não provou que pode subir nesse degrau. A decisão é difícil de tomar e catastrófica de não se tomar.

Confesso que minha admiração por Zdenek Zeman me faz vê-lo apto para a missão. Zeman tem o mesmo caráter rebelde e obsessivamente disciplinado do elenco catalão, crê nos mesmos dogmas e teria pela primeira vez em sua carreira um time capaz de atender às suas exigências megalômanas de futebol total. Mas Zeman não tem mais idade, não tem cartaz e não é dócil o suficiente para se doar a um projeto que tenha o Niker Sandro Rosell à sua frente.

Outra alternativa seria algum ex-catalão respeitado, o que traz quase imediatamente à baila o nome de Luis Enrique (curiosamente, outro ex-treinador romanista). Luis Enrique fez uma campanha devastadora com o Barcelona “B” numa oportunidade que muitos consideravam que ele estaria se arriscando demais. Seu fracasso na Roma tem a marca indelével de Totti, De Rossi e outros senadores da capital. Seria uma aposta igualmente arriscada (afinal, Luis Enrique tem experiência quase nula), mas se nos lembrássemos que a escolha de Guardiola parecia uma sandice, talvez não seja uma ideia tão louca.

Há mais treinadores interessantes aparecendo? Certamente. Jürgen Klopp fez um Dortmund mais que surpreendente; Antonio Conte, em que pese a sua provável ligação com tudo que há de pior no futebol italiano, também surpreende as expectativas. O fato é que o cargo de treinador hoje é muito mais para um profissional politicamente astuto do que para um estrategista consagrado. O sucesso tem muito mais a cor dos agentes do que a sabedoria da prancheta.

Como última elocubração, o nome de um outro admirável treinador, que como Zeman, também deixou de ser promessa há tempos, mas que tem um currículo muito mais respeitável. Arséne Wenger enfrenta no Arsenal a pressão e crítica de uma torcida que teria vencido uma Copa da Liga nas últimas duas décadas se não fosse ele (teriam batido o Middlesbrough, com um gol de pênalti). Wenger está pronto para deixar o clube que ele fez subir vários degraus no futebol europeu e merece um elenco que lhe dê a chance de vencer uma Liga dos Campeões com o futebol incisivo que ele apregoa. Certamente ele teria o respeito do vestiário barcelonista. Técnico e time têm perfis e princípios similares (e até o mesmo patrocinador – coisa que certamente ajuda muito). O único erro que o clube não pode cometer é um tão grande que até uma figura desagradável como Rosell deve ser capaz de não cometer: dar um novo comandante ao time. Nós merecemos ver esse Barça por mais alguns anos.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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